O Plano de Manejo de Búfalos no Vale do Guaporé, elaborado por 28 técnicos de 13 instituições dos governos estadual e Federal, aponta impacto significativo sobre o ecossistema da região causado pelos animais que chegaram a Rondônia em 1953, com o objetivo de desenvolver a agropecuária com o fornecimento de carne, leite, matrizes e tração animal. Mas isso não prosperou e, antes domesticados, os animais se tornaram asselvajados, sem controle.
Os búfalos, animais que cedo procriam e estendem a função reprodutiva por 20 dos 30 anos de vida, foram abandonados à própria sorte no Vale do Guaporé. Eles cresceram para além da fazenda onde foram introduzidos, a Pau d’ Óleo, espalhando-se pela Reserva Biológica (Rebio) Guaporé, unidade de conservação federal criada em 1982 com 617 mil hectares; e a Reserva Extrativista Pedras Negras, com 124.409 hectares, criada em 1995.
Com 82 páginas, o Plano de Manejo de Búfalos no Vale do Guaporé é o documento que sustenta a inédita iniciativa de lei apresentada ao Poder Legislativo pelo governo de Rondônia com o propósito de erradicar o que se calcula em pouco mais de três mil búfalos, que de forma perceptível, segundo os técnicos, estão produzindo “efeitos deletérios sobre a biota nativa da região, além das perturbações do solo e vazão hidrológica”.
Por ser unidade federal, a Reserva Biológica do Guaporé está sob a competência do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMbio), a quem o governo estadual já pediu ajuda para solução do problema. A instituição sofre ação proposta pelo Ministério Publico Federal por não combater a espécie considerada invasora, e que está prejudicando a biodiversidade local.
Situando-se em uma área de transição entre a Amazônia e o Planalto Central Brasileiro, com aspectos variados e complexos, com 14 diferentes tipos de vegetação, a mais rica de toda a paisagem de Rondônia, a Rebio Guaporé concentra espécies animais em extinção, e a proteção a esse tipo de unidade está descrita da seguinte forma, no artigo 10, da lei que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC): “A Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais”.
Os técnicos do Ibama descreveram os principais danos ambientais ocorridos com o pisoteio e pastagem das manadas de búfalo, um animal de grande porte que pode chegar a três metros de cumprimento. Habitam a Rebio Guaporé as espécies com origem na India (Jafarabadi) e Filipinas (Carabao), que ultrapassaram as fronteiras da fazenda Pau d’ Óleo em razão da ausência de programação das finalidades a que se destinavam; aumento do rebanho; manejo inadequado e burocracia na transferência dos animais.
Entre os impactos constatados, e muitos deles bastante visíveis, estão a alteração da fitogenia das plantas de campos naturais, formação de incontáveis sulcos de profundidade variável, compactação do solo em até 10 cm de profundidade, desvio dos cursos de água, alteração na capacidade de drenagem do solo, formação de grandes poças de lama durante a estação seca, desmoronamento das margens de lagoas e desparecimento de sub-bosque em áreas de matas fechadas.
Os estudos na área ocupada pelos búfalos, para os quais consideram-se mapeamentos realizados na época da seca e imagens de satélites, apontam que no período das águas os búfalos transitam em áreas mais elevadas e, consequentemente menos inundadas, tendo preferência pelas ilhas de formação natural, para descanso e período noturno. Com isso, o superpisoteio faz com que as ilhas afundem e as arvores exponham seus sistemas radiculares, tornando-se vulneráveis à pragas e doenças, e a fatores abióticos como fogo ou vento, que acabam proporcionando sua queda.
A arara canga, arara vermelha, papagaio moleiro, garça branca, biguá, maguari e garça real são aves que estão sofrendo pressão dos búfalos. A presença dos animais nos campos alagados prejudica a nidificação (formação de ninhos) dos maguaris, que usam talos de plantas aquáticas, um pouco acima do nível da água, para construir esse abrigo. “A probabilidade de haver um ninho de maguari em áreas sem búfalos é 1.140 vezes maior do que em áreas com búfalos”, diz trecho do Plano de Manejo.
Em extinção, o cervo do pantanal está mais ameaçado, a reprodução de peixes é alterada e as caminhadas dos búfalos em bancos de areia resultam em ninhos de tartaruga pisoteados.
Para além da questão ecológica, os búfalos do Guaporé se tornaram um problema de ordem legal para os governos de Rondônia e Federal. A lei de proteção à fauna (nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967), descreve no artigo 5º ser “proibida a introdução de animais silvestres e domésticos na reservas biológicas nacionais, como modificações do meio ambiente a qualquer título”.
Outro aparato jurídico, o Fecreto nº 84.017, de 21 de setembro de 1979, em seu artigo 14 expressa ser “vedada a introdução de espécies estranhas aos ecossistemas protegidos”. Esse decreto, que regulamenta parques nacionais e descreve de que forma atuar em uma Rebio caso ocorram problemas com animais alienígenas, recomenda a remoção ou eliminação dos mesmos, “com aplicação de métodos que minimizem perturbações no ecossistema e preservem o primitivismo das áreas, sob a responsabilidade de pessoal qualificado”.
Ainda não se sabe o que pensam os deputados sobre a necessidade de cumprir medidas que possam atender o enunciado contido na lei que estabelece o SNUC e outros suportes legais, mas o secretário-adjunto de Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Francisco de Sales, tem feito sua parte.
Coordenador da Comissão Especial Multidisciplinar cujo trabalho de meses culminou com as medidas de erradicação dos búfalos contidas na proposta de lei, Sales encaminhou informações ao relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, deputado Jesuíno Boabaid, após audiência pública sobre o assunto realizada em 11 de setembro, e tem conversado com ele e demais parlamentares para convencimento do plano de manejo e erradicação dos animais.
Além disso, o governo acatou sugestões ofertadas na audiência pública, e reformulou alguns artigos do PLO 153/2015, nos capítulos que tratam da captura e abate dos animas, o que deve ser feito no prazo de 5 anos, e do controle de recursos para a empresa que ganhará a licitação destinada ao trabalho de captura e abate dos búfalos, que passarão por quarentena, exames clínicos necessários e acompanhamento da Agência de Defesa Agrosilvopastoril de Rondônia (Idaron) e do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para só então a carne ser comercializada.