A produção de lentes oftálmicas pode ser uma atividade bastante poluente, se os resíduos dos blocos de resina – nos quais são esculpidas as lentes – e a água utilizada nos processos produtivos forem descartados na rede pública de esgotamento sanitário.
Isto não acontece na empresa Lentes Gradual de Cuiabá (MT), o laboratório pioneiro no país a produzir lentes com a tecnologia Free Form ou HD (alta definição), como são chamadas popularmente. Os equipamentos usados neste empreendimento são alemães da marca Schneider, possuem recursos de reciclagem da água; os resíduos de resina são separados e destinados à empresa especializada em gestão de resíduos. O software, que comanda o trabalho de ‘esculpir’ as lentes (surfaçagem), foi desenvolvido e patenteado pela Gradual. Por este motivo, o custo do produto é cerca de 30% mais barato do que da concorrência.
“Este é o nosso diferencial e razão de sermos competitivos. Somos um laboratório de lentes independente, pois não pagamos royalties às marcas internacionais, que dominam o mercado nacional. Também somos sustentáveis ”, afirma Nei Albino Dummel, fundador e diretor da Lentes Gradual, criada em 2012.
Assim que a tecnologia Free Form surgiu nas feiras internacionais do segmento óptico, começou a estudá-la. Ele e o sócio Leandro Luiz Laurini frequentam as principais feiras ópticas realizadas em Milão, Paris, Frankfurt, Nova Iorque e Hong Kong. Desse modo, Nei atualiza seus conhecimentos sobre o segmento e conhece as novidades e tecnologias de ponta em uso nos principais polos ópticos mundiais.
O empresário também foi o responsável pelo desenho do software da empresa. Para ele, é um orgulho ter inaugurado o primeiro laboratório de lentes ópticas HD do Brasil.
A Gradual ocupa o andar térreo de um sobrado reformado no centro histórico cuiabano, à rua Cândido Mariano. Neste local há dois empreendimentos: a Prime Lentes Comércio e Serviços (no segundo andar), criada em 2007, que monta e comercializa armações de óculos com lentes convencionais e as lentes HD da Gradual; e o Laboratório Lentes Gradual.
A Gradual recebe consultorias de inovação dos programas ALI (Agentes Locais de Inovação) e Sebraetec do Sebrae MT.
Reúso, reciclagem e descarte
O laboratório óptico mato-grossense produz 480 pares de lentes/dia para a clientela integrada por óticas de MT, MS, RO, PA e SP. Sua equipe é composta por oito colaboradores, treinados pelo empresário. Os equipamentos alemães possuem filtros e tanques com telas acoplados, que retiram os resíduos de polipropileno (resina) da água.
O ‘leite’ que sai das máquinas, depois de filtrado retorna como água ao ciclo produtivo de outras lentes. O reúso de água é de 100%, durante 15 dias. As máquinas nacionais não economizam recursos hídricos e os laboratórios de lentes gastam e descartam em torno de 10 a 15 mil litros de água/dia, diz Nei. Os resíduos de resina separados e secos, tanto da Gradual como da Prime Lentes, são destinados à empresa WM Ambiental. O descarte correto dos resíduos custa R$ 600/mês, informa Leandro.
“Não descartamos água com resíduos na rede de esgoto, muito menos no Rio Cuiabá”, enfatiza Nei. Esta iniciativa é espontânea, pois as empresas não recebem nenhum tipo de estímulo do setor público para adotar boas práticas sustentáveis, comenta. “ Durmo tranquilo e em paz por saber que estou fazendo a minha parte para não comprometer o meio ambiente e a qualidade da água das futuras gerações”, declara.
Os investimentos no maquinário alemão foram de aproximadamente R$ 4 milhões, segundo Leandro. Estes equipamentos também foram implantados na Prime Lentes.
Benefícios e novidades
Além do custo das lentes fabricadas no laboratório mato-grossense ser 30% menor do que da concorrência – que trabalha geralmente com marcas internacionais – a grande vantagem da tecnologia Free Form é o fato das lentes HD serem calculadas e esculpidas com precisão e individualizadas para cada usuário, graças ao sofware de surfaçagem. Esta tecnologia reduz ao máximo as áreas periféricas de distorção, melhorando a a visão e a adaptação às lentes multifocais.
“Por este motivo, nossos preços são competitivos”, justifica. Segundo estudo da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), 70% dos produtos comercializados no país, entre armações e lentes, são importados.
O empresário informa que o software da Lentes Gradual começará a ser exportado, nos próximos meses, inicialmente para a América Latina. Laboratórios ópticos de outros países poderão acessar o sistema pela Internet, que fará os cálculos para a surfaçagem digital das lentes HD. O pagamento do acesso ao software será feito de acordo com o número de cliques no sistema.
Outra novidade da Gradual é a criação da “Universidade Óptica”, que será inaugurada nos próximos meses, chamada Unioptis. Esta é uma iniciativa do laboratório cuiabano de lentes HD e de mais cinco laboratórios do RS, SP, PR, SP e RJ. Ela será voltada aos colaboradores das óticas, que poderão se cadastrar na ‘universidade’ para adquirir conhecimentos técnicos em diversos módulos sobre o segmento, como doenças da visão (miopia, astigmatismo, etc), tecnologias, design de armações, etc
Vocação
O fundador das empresas Prime Lentes e Gradual Lentes é grande conhecedor do ramo óptico. Começou a trabalhar aos 12 anos em uma ótica no Rio Grande do Sul. Formou-se técnico óptico e, aos 24 anos, migrou para Cuiabá (MT), cidade com grandes oportunidades para empreender e crescer, diz ele. São mais de 20 anos de conhecimento acumulado, ressalta.
Nei conta que sua preferência sempre foi trabalhar na produção, mais do que no varejo. O primeiro empreendimento que montou em Cuiabá foi a Le Mude (seu sobrenome ao contrário), que fabricava protótipos de armações de óculos e a montagem era feita na China com lentes solares italianas.
Nesse período, chegou a patrocinar o Joaninha, acrobata de motocicleta de Sinop. Os produtos da Le Mude eram vendidos em todo o país por uma boa equipe de vendedores.
O empresário relata que ministrava cursos de vendas em diversas regiões brasileiras e fez muitos contatos. Montou o segundo empreendimento: a Prime Lentes Comércio e Serviços, para vender os produtos da Le Mude.
“Muita gente sugeria que devia atuar também na fabricação de lentes”, conta Nei. Em 1981, surgiram as inovadoras lentes de resina – até então, eram feitas de cristal. A inovação sinalizou o início de novos tempos para os laboratórios de lentes e seus usuários. Desde então, mergulhou em estudos e pesquisas a respeito.
Em 2012, conheceu a tecnologia Free Form na feira de Milão. Ficou encantando e passou a estudar a novidade. Empreendeu várias viagens à Alemanha e decidiu montar a Lentes Gradual com equipamentos da marca Schneider, que se tornou sua parceira.
O empresário diz que aprendeu muito com os alemães. O desenvolvimento do software da Gradual para surfaçagem digital de lentes foi fruto da dedicação de Nei e da convivência com especialistas alemães. (www.lentesgradual.com.br )