Para muitas pessoas, concluir os estudos ou fazer capacitações é uma forma de incrementar o currículo. Para outros, adquirir conhecimento significa a chance de uma vida nova, como é o caso de V.G.C., 41 anos, reclusa há um ano na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Cuiabá.
Mãe de quatro filhos e avó de cinco netos, ela agradece com um sorriso no rosto por ser escolhida para participar do curso profissionalizante de embutidos e defumados de produtos de origem animal.
Para ela, a qualificação é a ponte para a mudança que tanto almeja. “Já fiz muitas escolhas erradas, mas agora pretendo viver diferente porque quando a gente sai, a sociedade nos rejeita. E o que estou aprendendo aqui é o início para a minha independência. Quero montar meu pequeno negócio”, conta V.G.C. A capacitação foi realizada em julho pela unidade prisional e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) em Mato Grosso.
Quem também quer construir uma história distinta da que viveu até agora é o interno W.D.M., 38 anos, preso há um ano na Penitenciária Major Eldo de Sá Corrêa, em Rondonópolis. Ele é um dos 19 alunos do curso de panificação da unidade e crê que a formação é a garantia de novas perspectivas de trabalho digno. “Vou abraçar essa oportunidade com unhas e dentes. Quero sair daqui transformado”, deseja.
O curso iniciou em agosto e terá uma duração de três meses. As aulas só foram possíveis devido a nova frente de trabalho da penitenciária, uma padaria. O local possui 300 m², foi construído recentemente e entregue com todos os equipamentos necessários para a capacitação, que é realizada pela Sejudh, em parceria com a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secitec) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec Prisional).
V.G.C e W.D.M não são os únicos qualificados neste ano. Até a primeira quinzena do mês de agosto um total de 719 reeducandos, entre homens e mulheres, já tinha sido capacitados ou estão fazendo alguma qualificação por meio de parcerias com órgãos públicos, como a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, ou o Senar e Senai, importantes instituições de qualificação ligadas aos setores da indústria e rural, que apoiam gratuitamente ofertando cursos a pessoas custodiadas nas unidades prisionais do estado.
Parcerias beneficiam 34 unidades
Recuperandos de outras 34 unidades prisionais também estão inclusos nas qualificações. Os cursos resultam de uma parceria entre a Sejudh, Fundação Nova Chance (Funac), Pronatec Prisional, Seciteci e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-MT), que fornece gratuitamente cursos aos reeducandos por meio do Programa Social de Gratuidade (PSG).
Na primeira etapa, realizada de junho a julho, foram realizadas as capacitações em: Modelista de roupas; Confeiteiro; Costura; Montador e reparador de computadores; Jardineiro; Maquiador; Agricultura familiar; Maquiagem; Operador de máquinas de marcenaria e Assistente administrativo.
Já na segunda e terceira etapa, iniciadas em agosto com previsão de término para outubro, foram realizados os cursos de corte e costura; marcenaria; pedreiro de alvenaria; pintor de obras imobiliárias; eletricista; instalador predial de baixa tensão; modelista de roupas; costureiro industrial de vestuário; salgadeiro; maquiador; aplicador de revestimento cerâmico; mecânico de refrigeração e climatização residencial; aplicador de revestimento cerâmico; marcenaria, padeiro e serígrafo.
As unidades prisionais ainda realizam outros cursos paralelos a estes com apoio dos municípios e Conselhos da Comunidade.
Educação é oportunidade de mudanças
Apoiadora da máxima de Paulo Freire na ideologia de que a educação sozinha não transforma a sociedade, mas sem ela tampouco a sociedade muda, a coordenadora de Educação Prisional da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Fabiana Flávia de Magalhães, entende que a ressocialização só será possível se o Estado investir na educação das pessoas privadas de liberdade e se essas pessoas realmente quiserem sair da criminalidade para uma vida legal.
“A escolha pela educação nunca será invalidada porque o conhecimento é algo que ninguém tira da pessoa e é isso que os recuperandos precisam entender, a educação é a base para a mudança”, acredita Fabiana.
Além das qualificações profissionalizantes e oficinas promovidas pelas unidades prisionais e entidades parceiras, os recuperandos também têm a chance de ingressar no ensino básico e até cursar o ensino superior. Só neste ano o Estado já tem 3.359 presos frequentando o Ensino Fundamental e Médio nas salas de aula de 45 unidades prisionais. As aulas são ministradas por 149 professores que atuam na Escola Estadual Nova Chance, instituição que cuida especialmente da educação para o Sistema Penitenciário.
Já no ensino superior estão 32 presos estudando em uma universidade pública ou privada após prestarem vestibular ou obterem boas notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pessoas privadas de liberdade.
A.J.M.L, 35 anos, atualmente cursa Letras na Universidade Federal de Mato Grosso, em Rondonópolis. Quando entrou na penitenciária Major Eldo Sá Corrêa de Rondonópolis ele tinha apenas a sexta série. “Comecei a frequentar a escola dentro da unidade e foi onde eu tive a oportunidade de concluir meu ensino médio. Fiz o Enem, alcancei a média e hoje curso letras na UFMT”.
Ele acredita que a importância de frequentar a universidade é saber que ainda está em condições de voltar e se reintegrar à sociedade, concluir um curso superior adquirir uma profissão e garantir o bem-estar da sua família. “O sentimento de hoje ter cursado o primeiro ano e agora estar no segundo ano de graduação é de autoestima, tenho um sentimento de confiança de que eu sou capaz e que vou conseguir alcançar meus objetivos”, conta o reeducando.
O maior número de reeducandos cursando uma faculdade está na Penitenciária Central do Estado (PCE), em Cuiabá, onde 10 internos estudam atualmente. Oito deles estão no curso de Administração Pública pela UFMT na modalidade de educação a distância, por meio do projeto Liberdade de Direito e de Fato que tem a parceria de várias instituições, como Conselho da Comunidade, poder Judiciário, Defensoria e Ministério Público.
Os recuperandos não precisam sair da unidade para assistir as aulas. A universidade tem um espaço instalado nas dependências da penitenciária, estrutura que tornou a PCE a primeira unidade prisional do Brasil a oferecer um curso superior dentro de suas instalações.