Uma recomendação expedida pelo Ministério Público Federal (MPF/RO) foi encaminhada ao governador de Rondônia Daniel Pereira (PSB) e outros membros do primeiro escalão administrativo.
Assinado pelos procuradores da República Gisele Dias de Oliveira Bleggi Cunha, Daniel Azevedo Lôbo e Tatiana de Noronha Versiani Ribeiro, além de Esequiel Roque do Espírito Santo, presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Rondônia (CEPCT/RO), o documento especifica necessidades voltadas ao Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Rondônia (MEPCT/RO), órgão que, por ora, está desguarnecido em termos de instalação, logística e aparato.
O MEPCT/RO foi instituído pela Lei Estadual n° 3.262/2013, com base no Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (2002), e na Lei Federal nº 12.847/2013 (que cria o Sistema Nacional de Prevenção de Combate à Tortura) com a atribuição legal de planejar, realizar, conduzir e monitorar visitas periódicas e regulares à pessoa privada de liberdade, bem como emitir opiniões, pareceres, recomendações, inclusive propostas de lei e reforma constitucional.
Solicitação e prazo
O MPF/RO solicita que o Estado de Rondônia e seus gestores apontados procedam no fornecimento de todos os recursos necessários para que o Mecanismo de Combate à Tortura possa exercer adequadamente as funções para as quais seus membros foram devidamente nomeados e empossados, consistente, principalmente em:
a) Fornecer veículo para deslocamento da equipe, três computadores portáteis, um telefone funcional, uma câmera fotográfica, materiais de expediente, etc;
b) Providenciar instalação (local, sala, etc) adequada para o funcionamento do mecanismo, atentando-se para as incompatibilidades decorrentes da função (dentro de delegacias, presídios, locais de intervenção, etc), visando a integridade física dos seus membros e;
c) Providenciar medidas administrativas necessárias para garantir os recursos orçamentários para o funcionamento do Mecanismo no ano de 2019;
A Procuradoria fixou o prazo de 10 dias para que o governo se manifeste informando se haverá ou não o acatamento da recomendação e outros 30 para que cumpra as medidas recomendadas.
O que é?
Procurado pelo jornal eletrônico Rondônia Dinâmica, Vinícius Miguel, professor universitário coordenador do programa de pós-graduação em Segurança Pública da UNIR e integrante do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) de 2013 a 2016 relatou suas impressões acerca do Mecanismo Estadual e sua importância social.
“O Sistema Nacional de Combate à Tortura tem longa trajetória de lutas decorrentes de obrigações internacionais, traduzida num conjunto amplo de documentos internacionais produzidos pela Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos a fim de previnir e combater a tortura”, destacou.
O professor explica que o Brasil também tem adesão às normas de direito internacional através de políticas instituídas por conta da violência de Estado, institucional, mas não somente nas unidades prisionais, faz questão de frisar.
“Ocorre muito [casos de tortura em penitenciárias], claro, como parte de uma prática de investigação policial excessiva, mas também acontece em outros espaços e ambientes, como nas escolas de internato, instituições asilares. Enfim, leva-se em conta, por exemplo, a violência contra enfermos psiquiátricos em manicômios”, asseverou.
Sistema Nacional de Combate à Tortura foi aprovado por lei em 2013, e contempla, ainda, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à tortura, além dos análogos estaduais nas unidades federativas.
“O Comitê, na ciência política, é uma instituição participativa, espaço que serve para congregar agentes políticos, gestores públicos, a sociedade civil e especialistas”, anotou. É, de fato, um espaço de negociação, arejamento de políticas públicas.
Portanto, aqui em Rondônia, os três peritos do Mecanismo foram selecionados por processo público, embora não seja concurso. Há especificações para ocupar o cargo.
“Sim, o Mecanismo tem peritos, como é o termo da lei, que seriam braços operacionais e logísticos para fazer a política de prevenção e combate à tortura. Além da seleção pelo processo público, os peritos têm mandato, ou seja, é um um órgão democrático, que permite com que qualquer pessoa participe, embora haja requisitos, a exemplo da exigência de nível superior”, anotou Vinícius Miguel.
O Comitê e o Mecanismo são decorrentes de longas lutas da sociedade civil.
“Eu era do Comitê nacional. Mandávamos ofícios mensalmente ao governo, vice-governador, chefe de Casa Civil, parlamento, enfim, todo um processo de incidência política muito forte a fim de firmar o Mecanismo, que é o único da Amazônia Legal. No país inteiro só deve haver uns três ou quatro”, informou.
Papel do Mecanismo de Combate à Tortura é fazer visitas e inspeções periódicas em locais de privação de liberdadae e/ou que possam ocorrer práticas de tortura, maus-tratos, tratamento cruel e degradante.
“Lebrando, em hospitais, manicômios, comunidades terapêuticas onde são tratados os dependentes químicos, enfim, todas essas áreas formam a abrangência dos peritos”, segue.
Ainda que a recomendação do MPF seja reconhecida como um primeiro passo, para Vinícius Miguel, os três peritos escolhidos Rondônia são insuficientes para exercer a função de maneira eficaz.
“Já começa aí o problema, há uma distorção de estruturação. Rondônia tem mais de 50 municípios com distâncias consideráveis, e as inspeções deveriam ser surpresa, em tese, ou seja, todo o procedimento fica limitado no sentido de restringir possibildiades de intervenções reais em casos de tortura”.
Confira a íntegra da recomendação
RECOMENDAÇÃO Nº 20, DE 23 DE OUTUBRO DE 2018
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no uso de suas atribuições constitucionais e legais e, especialmente, com fulcro nos artigos 127 e 129 da Constituição da República; artigos 2º, 5º, 6º, 7º e 10º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993;
CONSIDERANDO que o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Rondônia (MEPCT/RO) é órgão instituído pela Lei Estadual n° 3.262/2013, com base no Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (2002), e na Lei Federal nº 12.847/2013 (que cria o Sistema Nacional de Prevenção de Combate à Tortura) com a atribuição legal de planejar, realizar, conduzir e monitorar visitas periódicas e regulares à pessoa privada de liberdade, bem como emitir opiniões, pareceres, recomendações, inclusive propostas de lei e reforma constitucional;
CONSIDERANDO que o MEPCT/RO é um dos compromissos firmados pelo Governo do Estado de Rondônia no pacto firmado com a Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2011, no Eixo V – Medidas de Combate à Cultura de Violência: ações concretas para a criação e consolidação de mecanismos de combate e prevenção à violência, aos maus tratos e à tortura no sistema prisional;
CONSIDERANDO que ao MEPCT/RO compete também monitorar o cumprimento dos compromissos firmados no Pacto pelo Estado de Rondônia com a Corte Interamericana no tocante à melhoria no sistema prisional do Estado;
CONSIDERANDO que o Executivo é órgão responsável pela estruturação e funcionamento do Mecanismo Estadual e Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Rondônia, conforme previsto no art. 1º da Lei Estadual nº 3.262/2013;
CONSIDERANDO que os peritos do MEPCT/RO foram nomeados através do Decreto Estadual nº 22.792, de 02 de maio de 2018, e empossados no dia 25 de junho de 2018, sendo que até o presente momento, está funcionando provisoriamente na sede do Ministério Público do Trabalho, tendo inicialmente sido alocados também na sede do Ministério Público Federal;
CONSIDERANDO que o MEPCT/RO vem, há quase seis meses, tentando junto ao órgão ao qual está vinculado dentro do Executivo, a definição de seu local de funcionamento, não obtendo êxito até o presente momento, mesmo após várias reuniões com a SEAS, SUGESPE e Casa Civil, tendo sido, inclusive, enviados expedientes para os referidos órgãos;
CONSIDERANDO que o MEPCT/RP, diante da ausência de retorno do local de funcionamento, e atendendo as recomendações da Associação para Prevenção da Tortura (APT), também oficiou ao Comitê Estadual e ao Comitê Nacional de Prevenção e Combate, dando ciência da real situação de estrutura e funcionamento do mecanismo;
CONSIDERANDO ainda no que se refere a materiais e equipamentos básicos necessários à execução do trabalho, não obstante solicitações feitas diretamente aos órgãos e secretarias competentes e não providenciados, estes materiais e equipamentos têm sido custeados com recursos próprios pelos peritos do MEPCT/RO desde a data de suas posses, tais como: a) Telefones celulares (dados e voz) para contatos com as autoridades e famílias dos apenados; b) Veículos para deslocamento dos peritos, quando não há disponibilidade de atendimento e/ou agendamentos prévio (considerando os casos de urgências de ocorrências em locais de privação de liberdade em que há necessidade imediata da presença do MEPCT/RO); c) Materiais básicos de expediente não fornecidos pela SEAS (apesar de solicitados);
CONSIDERANDO, por fim, que o MEPCT/RO se encontra sem previsão de orçamento para realização de suas atividades em 2019, pois não tem previsão orçamentária na LOA e no PPA 2016 a 2019, embora o referido organismo tenha sido criado em 2013, bem como seus cargos foram criados pela Lei Estadual n. 3.784, de 05 de abril de 2016;
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora da República in fine assinada, no exercício de suas funções constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 6º, XX, da Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), visando o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, resolve:
RECOMENDAR 1. Ao Governador do Estado de Rondônia, Excelentíssimo Sr. Daniel Pereira; 2. Ao Secretário Subchefe do Governo do Estado de Rondônia, Dr. Helder Risler de Oliveira; 3. Ao Superintendente de Gestão de Gastos Públicos Administrativos (SUGESP), Dr. Paulo Francisco de Moraes Mota; 4. Ao Secretário de Estado da Assistência do Desenvolvimento Social (SEAS), Sr. Pedro José Alves Sanches; 5. Ao Presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/RO, Sr. Esequiel Roque do Espírito Santo; 6. Ao Secretário de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (SEPOG), Sr. Pedro Antônio Pimentel; Que procedam no fornecimento de todos os recursos necessários para que o mecanismo possa exercer adequadamente as funções para as quais seus membros foram devidamente nomeados e empossados, consistente, principalmente em:
a) fornecer veículo para deslocamento da equipe, três computadores portáteis, um telefone funcional, uma câmera fotográfica, materiais de expediente, etc;
b) providenciar instalação (local, sala, etc) adequada para o funcionamento do mecanismo, atentando-se para as incompatibilidades decorrentes da função (dentro de delegacias, presídios, locais de intervenção, etc), visando a integridade física dos seus membros;
c) providenciar medidas administrativas necessárias para garantir os recursos orçamentários para o funcionamento do mecanismo no ano de 2019;
Esta Procuradoria da República fixa, nos termos do art. 23, §1º, da Resolução n. 87/2006, do Conselho Superior do MPF, o prazo de 10 (dez) dias para que seja informado se haverá ou não o acatamento da presente Recomendação e 30 (trinta) dias para implementação das medidas recomendadas.
Publique-se.
GISELE DIAS DE OLIVEIRA BLEGGI CUNHA
Procuradora da República/PRRO/MPF Membro do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura no Estado de ROESEQUIEL ROQUE DO ESPÍRITO SANTO
Presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/RODANIEL AZEVEDO LÔBO
Procurador da República/PRRO/MPF/3º Ofício Núcleo de Combate à Corrupção e à Improbidade AdministrativaTATIANA DE NORONHA VERSIANI RIBEIRO
Procuradora da República/PRRO/MPF PRDC Substituta
Autor / Fonte: Rondoniadinamica