Existem histórias verídicas que, de tão surreais, se passam anos até que haja uma resposta que justifique seus acontecimentos e desdobramentos. Outras, no entanto, jamais serão explicadas, deixando a sentença à mercê do imaginário de cada um que as acompanhe. Talvez o que ocorreu na tarde da última sexta-feira (04) em São Paulo seja uma delas.
Francisco Erasmo Rodrigues de Lima, um sexagenário morador de rua, atirou-se à morte para proteger a vida de uma mulher que jamais tivera contato.
Pelo ato heroico, foi baleado duas vezes à queima-roupa, diretamente na cabeça, mas obrigou o sequestrador a encolher-se na lateral direita das escadas da Catedral da Sé, onde tudo aconteceu, tornando-se alvo fácil para a Polícia Militar que, até então, não tinha agido.
Assassino e salvador morreram naquela tarde.
A moça sequestrada, que apanhou bastante antes de ser libertada e chegou a desarmar o criminoso – dando oportunidade clara para que as autoridades agissem e evitassem a morte do inocente – sobreviveu. Elenilza Mariana de Oliveira Martins, de 25 anos, ainda não sabe o porquê de ter sido escolhida por Luiz Antônio da Silva, de 49, como ‘escudo humano’. Ela revelou que estava rezando quando abordada por ele e obrigada a se retirar do recinto sob ameaça.
Enquanto tudo se desenrolava, as câmeras da mídia que já cercavam o perímetro para cobrir a situação de todos os lados possíveis, acompanharam a movimentação de Rodrigues que, sem titubear, cruzou toda a praça, passou pelos policiais do lado esquerdo nas escadarias e, rapidamente, foi pra cima de Luiz Antônio. Na mesma hora Elenilza conseguiu se desvencilhar.
Seu herói, já admitindo os riscos de sua incursão e não podendo contar com a sorte, acabou tropeçando na vítima e, ao levantar-se, deu de cara com o revólver do bandido, que não hesitou em executá-lo.
A vida dos três protagonistas da tragédia foi revirada. Todos queriam saber quem eram essas pessoas e por que tudo aquilo havia ocorrido de maneira tão dramática. Os históricos criminais de Francisco Erasmo e do atirador Luiz Antônio da Silva vieram à tona. Não bastasse ter sofrido o que sofreu, morrendo à míngua encolhido defronte uma das entradas do edifício religioso, o morador de rua chegou a ser comparado com o matador porque ambos tinham em comum ‘longa ficha criminal’, destacou a manchete de um grande jornal brasileiro.
Comparações esdrúxulas e as considerações feitas não só por alguns órgãos da imprensa, mas também por pessoas que puderam acompanhar o caso, deixam claro que é muito difícil para um ser humano comum alcançar sua redenção em vida já que, até mesmo diante de uma morte honrada, há quem questione a idoneidade do ato.
Um ser ‘errante’ alcançou sua redenção. Entre aspas sim, porque no fundo todos nós somos errantes, passíveis de erros e acertos, mas nem sempre acertos próximos ao tamanho da bravura de um cidadão chamado Francisco Erasmo Rodrigues de Lima cujo heroísmo permitiu que uma pessoa desconhecida continuasse a escrever sua história, ainda que custasse a obrigação de escrever o final de sua própria com sangue bem ali naquela escadaria. Autor: Rondoniadinamica