Um terço da população das grandes e médias cidades da Amazônia vive em territórios do tráfico e com violações de direitos humanos. Nas periferias da maior floresta tropical, a qualidade de vida é pior que nos morros e nas favelas de Rio de Janeiro e São Paulo. O Estado encontrou uma nova realidade na Região Norte, onde máfias desviam cartões do Bolsa Família e da Previdência, grupos manipulam relatórios de vacina e mortalidade infantil e milícias tomam o espaço dos antigos pistoleiros.
Diante do aumento do êxodo provocado por políticas públicas, a fronteira e a mata perdem moradores e os assassinatos de sem-teto nas periferias superam homicídios por disputas de terra. Em defesa de seus direitos, uma nova geração de lideranças sociais desafia poderes paralelos nos centros urbanos amazônicos.
Os mapas de desmatamento podem revelar o poder do crime nas cidades. O levantamento da influência dos comandos do tráfico de drogas na vida dos moradores da Região Norte usou dados de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Imazon de queimadas, mapas de bairros de prefeituras, relatórios de criminalidade de secretarias estaduais de segurança pública e depoimentos.
Foram utilizados registros de 39 municípios do Pará, oito do Amazonas, sete de Rondônia, três do Tocantins, dois do Amapá, dois do Acre e um de Roraima. Com a lista das cidades mais habitadas, recorremos às prefeituras e ao IBGE para obter nomes de bairros e invasões, tamanhos de área e número de moradores.
Sem valor e rigidez de uma pesquisa acadêmica ou oficial, esse levantamento é apenas uma sugestão de análise sobre o que ocorre em Manaus, Belém, Ananindeua, Porto Velho, Macapá e Rio Branco, para citar as seis cidades com mais de 400 mil moradores. Em Marabá, de 243 mil pessoas, foi constatado que o tráfico está presente na vida de 43% da população.
Homossexuais são alvo de matadores e intolerância em Porto Velho
Só neste ano nove homossexuais foram executados à queima roupa em Porto Velho, Rondônia. A cidade que abriga os canteiros das obras das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio é uma região de alto índice de assassinatos por motivação de gênero. A matança de homossexuais segue o rito dos crimes de mando ou a velha prática de pedradas e pauladas.
Em fevereiro, o cabeleireiro Lorisvaldo Pereira da Rocha, de 44 anos, teve a cabeça esfacelada com pedaços de pau e um bloco de lajota e cimento por dois homens desconhecidos. Meses depois, em abril, o travesti Job Rodrigues da Silva, de 46, estava num ponto de programa próximo à BR-364 quando dois homens numa moto pararam. O homem na carona disparou dois tiros na nuca de Silva e outro nas costas. Foi morte instantânea.
Muitos assassinatos de homossexuais nem entram nas estatísticas da polícia ou de grupos de direitos humanos. Em novembro, um travesti conhecido por Maicon foi morto com um tiro quando buscava cliente, numa rua do bairro da Lagoa, na periferia de Porto Velho, por um homem num Fiat Pálio.
Na avaliação de Niédina Maria da Silva Gontijo, de 39 anos, presidente do Grupo Gay de Rondônia, os homossexuais em Rondônia não recebem atenção do poder público para enfrentar um clima de preconceito e intolerância. Ela reclama especialmente de setores evangélicos, que estariam disseminando ódio em cultos e mesmo programas locais de rádio.
“Hoje, na hora do almoço, ouvia uma rádio quando os locutores começaram a repercutir uma declaração do papa Francisco contra a discriminação”, relatou. “Os locutores debochavam dos homossexuais”, completou. “Aqui em Porto Velho, cerca de 40% da população é evangélica. O Estado acaba sendo omisso nessa questão. A polícia não trata os crimes contra homossexuais como homofobia.”
Em abril de 2013, o estudante Saulo de Assis Lima, de 23 anos, portador do HIV, protagonizou uma das cenas mais trágicas da história recente de Porto Velho. Expulso de casa pelos pais evangélicos, ele subiu numa antena de TV no centro da cidade e por nove horas ameaçou se jogar. No momento em que uma equipe de bombeiros se aproximou, Lima se atirou.
O projeto do Centro de Referência de Direitos Humanos que seria construído com recursos federais no município está há dois anos parado. Cerca de R$ 400 milhões chegaram a ser liberados, mas o município ainda não executou a verba. Autor: Estadão