Pressionada por mais de 700 liminares em favor de pacientes com câncer que fazem uso da fosfoetanolamina, a reitoria da Universidade de São Paulo (USP) emitiu nesta quarta uma dura carta para essas pessoas que acreditam ser a substância a cura para a doença. A USP afirma que o produto “não é remédio” e tem sido alvo de “exploradores oportunistas”. Filas de doentes solicitando a fosfoetanolamina – também conhecida como fosfoamina – se formaram no campus de São Carlos nos últimos dias, após a Justiça revogar proibição do fornecimento. A substância vinha sendo fabricada na instituição por ordem judicial até que as liminares foram suspensas (veja infográfico). Os estudos com o pretenso medicamento começaram há 20 anos com o professor de química Gilberto Chierice, que se aposentou pela USP.
Na carta, a universidade afirma ainda que “é compreensível a angústia de pacientes e familiares acometidos de doença grave. Nessas situações, não é incomum o recurso a fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes”, diz o comunicado.
“Não raro essas condutas podem ser deletérias, levando o interessado a abandonar tratamentos que, de fato, podem ser efetivos ou trazer algum alívio. Nessas condições, pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas”, afirma a universidade, na carta.
A instituição também afirma que não é uma indústria química e não tem capacidade produtiva em larga escala como vem sendo demandada. A reitoria sugere que a Justiça busque a indústria química caso queira obrigar uma distribuição da fosfoetanolamina em grande escala.
Nas últimas vezes em que foi procurada pela reportagem, a Anvisa informou apenas que não consta em seus arquivos pedidos de registro da substância.
Além de recorrer das decisões judiciais recentes, a reitoria da USP diz que “está verificando o possível envolvimento de docentes ou funcionários na difusão desse tipo de informação incorreta”, diz o comunicado.
No encerramento do comunicado, a USP diz que não descarta que “estudos clínicos suplementares possam ser desenvolvidos no âmbito desta universidade”, encerra o comunicado.
Procurado para comentar a acusação de oportunismo, o professor Gilberto Chierice não foi localizado por estar em viagem. Em entrevista concedida no dia 2 de setembro, o professor Chierice disse que há cerca de 1.150 pesquisas realizadas no mundo inteiro com a fosfoetanolamina sintética, e as suas próprias pesquisas indicariam que a substância pode, realmente, curar o câncer.
“Começamos essa pesquisa na década de 1990 e já publicamos vários trabalhos em revistas científicas internacionais. Continuamos desenvolvendo esses estudos junto com o Instituto Butantan, que tem as células cancerosas”, comenta o professor.
‘Laboratórios não se interessam’
Brasília. A questão judicial envolvendo a fosfoetanolamina chegou a Brasília, onde um grupo de pesquisadores iniciou neste mês um trabalho de mobilização dos parlamentares.
Segundo o senador Ivo Cassol (PP-RO), a legislação permite que a agência autorize a introdução da substância no mercado de medicamentos com base no “uso compassivo” para ajudar a tratar doentes que não têm outras opções, nem tempo para aguardar pelo final dos ensaios clínicos e pelo processo de autorização. Segundo o senador, uma audiência pública deverá ser realizada ainda neste mês sobre o assunto.
O pesquisador Gilberto Chierice, professor aposentado da USP que coordenou as pesquisas sobre o uso da fosfoetanolamina, diz que os ensaios clínicos não avançaram por falta de interesse dos laboratórios. “A discussão é saber até que ponto o governo federal está disposto a investir para disponibilizar a fosfoetanolamina para as pessoas que sofrem de câncer”.
Enquanto a questão burocrática parece longe de um desenrolar, doentes, parentes e amigos de pessoas com câncer usam, além da Justiça, as redes sociais para uma campanha pela liberação da fosfoetanolamina sintética a todos os pacientes.
‘Fosfoamina sumiu com os tumores’
“Em dezembro de 2014, fiz uma tomografia que acusou um câncer no fígado. Como eu sou cardíaco, o médico resolveu me dar alta do hospital, porque a minha única opção era fazer a quimioterapia e ir para casa. Meu filho soube de um homem que fazia a fosfoamina. Resolvi não fazer a quimioterapia e tomar a ‘fosfo’. Depois de 25 dias, quando refiz o exame, veio a esperança: os marcadores do câncer tinham diminuído para a metade.
No início deste ano, o Carlos (Kennedy Witthoeft, que fabricava e distribuía o remédio por conta própria) foi preso, e eu tive que entrar com uma liminar para continuar o tratamento. Venci e consegui o medicamento para tomar até o final do ano. Hoje, dois dos três tumores que eu tinha sumiram, e o terceiro diminuiu muito. Em janeiro, vou refazer os exames. Quem sabe eu não vou poder parar de tomar a ‘fosfo’?”
Fonte: O Tempo