Um estudo publicado na revista Frontiers of Molecular Neuroscience sugere que o stresse psicológico sofrido por crianças com transtorno de défice de atenção e hiperactividade (TDAH) pode acelerar o processo de envelhecimento celular, favorecendo o desenvolvimento de doenças na idade adulta.
No estudo, investigadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Minas Gerais (UFMG) analisaram o tamanho dos telómeros — estruturas que recobrem as extremidades dos cromossomos, como o plástico na ponta dos cadarços — de 61 crianças com idade entre 6 e 16 anos diagnosticadas com TDAH. E verificaram que os telómeros de todas as crianças eram mais curtos que o normal para a idade delas.
A função dos telómeros é impedir que os cromossomos se deteriorem ou se fundam com outros cromossomos. Ao longo dos anos, muitos estudos interpretaram a redução no tamanho dos telómeros como um indicador do processo de envelhecimento celular, um sinal de degradação biológica. O TDAH, por sua vez, é um problema neuropsiquiátrico que atinge cerca de 5% das pessoas com menos de 18 anos.
O transtorno manifesta-se através de dois grupos de sintomas, a hiperactividade e a falta de atenção, sendo os de hiperactividade mais evidentes durante a infância. O transtorno está associado a dificuldades de aprendizagem e no relacionamento com outras crianças, pais e professores. Em muitos casos, as crianças são tidas como desatentas ou muito agitadas. Os meninos tendem a ser mais hiperactivos e impulsivos do que as meninas; o TDAH também pode se associar a outros problemas de comportamento, como dificuldades em acatar regras e limites.
No estudo actual, os cientistas do Rio e de Minas verificaram que os sintomas de hiperactividade estavam mais relacionados com o comprimento dos telómeros do que os sintomas de desatenção. As crianças hiperactivas tinham essas estruturas especialmente encurtadas, o que não se viu nas crianças apenas desatentas. Observaram, ainda, uma associação entre os sintomas de hiperactividade das crianças e o encurtamento dos telómeros das suas mães, mas não o dos seus pais. Os resultados reforçam algumas hipóteses, segundo os autores.
A primeira é que o comprimento dos telómeros é hereditário, de modo que crianças com TDAH, no futuro, terão mais probabilidades de ter filhos com telómeros menores que o considerado normal. A segunda é que situações contínuas de stresse psicológico podem contribuir para encurtar ainda mais essas estruturas nos cromossomos das crianças e também das suas mães, acelerando o processo de envelhecimento celular.
Os pesquisadores suspeitam que o facto de as mães de crianças com TDAH terem telómeros menores que os dos pais se deva ao stresse ao qual elas são submetidas ao cuidarem dos seus filhos, já que convivem mais tempo com as crianças.
«O cuidado dessas crianças pode gerar stresse, o que favoreceria o encurtamento dos telómeros nas mães», diz o neuropsiquiatra Paulo Mattos, do ID’Or e da UFRJ e um dos autores do estudo. Já as crianças, devido à sua condição, seriam igualmente submetidas a situações de stresse psicológico, o que também poderia colaborar para um encurtamento mais acentuado dessas estruturas. «Mostramos que os impactos de um transtorno comportamental podem ser mais profundos», diz. «Além do impacto psicológico, já conhecido, há também o componente biológico, tão afectado quanto o primeiro.»
Outros estudos já haviam observado que o stresse pode associar-se ao envelhecimento celular. Num trabalho publicado em 2004 na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos EUA, observaram que mulheres submetidas a stresse contínuo tinham telómeros mais curtos que os das que experimentam menos stresse.
Mulheres sob stresse prolongado também tinham menos telomerase, a enzima que protege os telómeros. Eles chegaram a essa conclusão ao avaliar o stresse em dois grupos de mulheres saudáveis: um com 19 mães de filhos saudáveis e outro com 39 mães de filhos com doenças crónicas, dos quais tinham de cuidar continuamente. O encurtamento dos telómeros foi maior quanto mais anos foram empregados no cuidado aos filhos com problemas de saúde.
Mattos e os seus colaboradores ressaltam, assim, a importância de se investir em tratamentos destinados à diminuição dos níveis de hiperactividade e impulsividade nas crianças logo na infância, quando é feita a maioria dos diagnósticos de TDAH. Com isso, ele diz, «talvez seja possível evitar situações prolongadas de stresse e danos no seu material genético e no das suas mães».