Os atentados terroristas em Paris tiveram um profundo efeito nos Estados Unidos. Avessos a intervenções externas desde as desastrosas invasões e longas ocupações do Afeganistão e do Iraque, iniciadas pelo governo Bush, os americanos, de acordo com pesquisa apresentada esta semana pela rede ABC e o jornal Washington Post, agora desejam, em sua maioria, uma resposta militar contra o Estado Islâmico, e não apenas com o aumento de bombardeios, mas também com o envio de tropas, algo impensável antes dos ataques à capital francesa.
Eduardo Graça, correspondente da RFI Brasil em Nova York
A pesquisa ABC/Washington Post atesta o que se ouve nos programas de debates, nas mesas de restaurantes, nos comícios dos candidatos: Paris mudou completamente a percepção do cidadão americano em relação à segurança interna e à dimensão do perigo representado pelo Estado Islâmico. Deixou-se de ver o conflito como uma guerra restrita ao Oriente Médio, ele agora é percebido como uma batalha global. O primeiro dado impressionante da pesquisa, que foi feita por telefone com 1.004 adultos de todo o país é o de que 83% dos entrevistados acreditam em um ataque terrorista aos EUA no futuro próximo. A maioria absoluta também diz que os EUA já estão em guerra contra o que chamam de Islã radical. Um terço dos entrevistados defende o envio substancial de tropas para a Síria e o Iraque e a maioria quer as forças armadas americanas atuando como apoio a uma coalizão internacional criada com o objetivo de destruir o Estado Islâmico. Terrorismo e a definição de islamismo radical deverão ser temas centrais nos jantares de família nesta quinta-feira no mais tradicional dos feriados americanos, o Dia de Ação de Graças.
Refugiados sírios
A informação de que um dos suspeitos do atentado teria entrado na Europa como refugiado transformou o tema em questão prioritária de segurança nos EUA. É preciso lembrar que a Casa Branca vinha sendo criticada justamente pela timidez em receber refugiados sírios. O Brasil, mesmo com a recessão, recebeu mais refugiados sírios do que os EUA desde o início da crise. Pois agora os conservadores concentrados no Partido Republicano afirmam que o programa de refugiados de Obama deixa o país em risco, colocando mais lenha na fogueira dos que temem um ataque terrorista das proporções do de Paris em Washington ou Nova York, como vem ameaçando o Estado Islâmico. O candidato-líder das pesquisas para a sucessão de Obama no flanco da oposição, o empresário Donald Trump, defende que a entrada de refugiados se limite aos cristãos e promove abertamente, em comícios cada vez mais concorridos, a volta de métodos de tortura em interrogatórios de suspeitos como o afogamento simulado, ou waterboarding, duramente condenado por grupos de direitos humanos.
Campanha eleitoral
Já se pode dizer que o medo de um ataque terrorista está dando fôlego para os candidatos republicanos. A reprovação dos americanos à estratégia do governo Obama para a crise síria, de acordo com a pesquisa, chegou a 65%. Mais grave para os democratas: desde janeiro, 20% dos eleitores sem preferência partidária e 11% dos que se consideram moderados passaram a torcer o nariz para a política externa de Washington no Oriente Médio. Todas as pesquisas nacionais realizadas após os ataques colocam os republicanos Trump, Jeb Bush, Marco Rubio e Ben Carson à frente de Hillary Clinton no voto popular.
Com a economia americana em alta, os republicanos podem tentar transformar em tema central da disputa a segurança interna, mas essa é uma estratégia arriscada, especialmente se do outro lado do ringue estiver uma ex-secretária de Estado e primeira-dama. Curiosamente, a mesma pesquisa que confirmou o fim da fadiga de guerra americana, responsável pelo crescimento de candidatos de perfil mais isolacionista, tanto à esquerda quanto à direita, como os senadores Rand Paul, próximo do Tea Party, e Bernie Sanders, socialista, mostra a ex-secretária de Estado Hillary Clinton como a mais ‘confiável’ para enfrentar a ameaça do terror. Mesmo entre os que criticam a política de segurança de Barack Obama, Clinton aparece muito bem avaliada. É este dado que a senadora, cada vez mais firme na disputa entre os democratas, vê como fundamental para enfrentar candidatos interessados, como Trump, em surfar o populismo do medo, defendendo monitoramento das mesquitas do país e um registro nacional para todo o cidadão americano que professar a fé muçulmana. Ele também afirmou, em fato que aparentemente só existe na memória do candidato, lembrar de massas de muçulmanos celebrando os ataques terroristas de 2001 contra os EUA nas ruas de cidades de Nova Jersey com grande população “islâmica”.