Não podemos classificar o ocorrido em Mariana meramente como uma tragédia ambiental ou uma catástrofe. Na realidade, ela se parece muito mais com um crime ambiental, cujo autor é conhecido por todos, e as proporções são imensuráveis. Por certo, o rompimento da barragem de Fundão é de responsabilidade da Samarco, cuja uma das acionistas é a Vale.
Não é possível de acreditar que uma empresa como esta, que lucra bilhões por ano não tenha um plano de contingência para um caso como este. Não havia ninguém para checar as barragens ou o seu estado físico! Ali havia rejeitos de minério e ninguém fiscalizava e a Samarco ainda não sabe o que aconteceu? Eu não consigo imaginar algo assim. É uma negligência tão grande com a vida humana e com a de milhares de espécies animais que chega a doer! E quem paga por isso é a população e toda a fauna e flora da região! As pessoas viram tudo ser coberto pela lama tóxica, recheada de metais pesados, e perderam tudo! Perderam suas casas, sua história de vida, alguns perderam seus parentes e outros ainda aguardam notícias!
A destruição se espalhou pelo distrito de Bento Rodrigues e afetando Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu e Pedras, além das cidades de Barra Longa e Rio Doce e uma série de outras cidades! As proporções ambientais, mais de duas semanas depois, são incalculáveis. Contudo, já podemos dizer que o Rio Doce não foi apenas tirado do nome da Vale, mas ele foi morto. Uma série de peixes e espécies marinhas já podem ser consideradas como extintas e as que sobreviveram, serão contaminadas com níveis altíssimos de metais pesados. A atividade pesqueira na região será impraticável, todos os peixeis serão impróprios para o consumo. A camada de lama mata todas as espécies, impede a penetração da luz solar na água e com isso, vai acabando com toda a vida. E se não bastasse, os metais vão se impregnando no solo, em suas camadas mais profundas, contaminando as plantas e os lençois freáticos! Até agora nenhuma atitude para mitigar os impactos foi tomada pela Samarco! Nenhuma!
A lama continua seguindo em direção ao oceano e quando chegar, a destruição vai ser ainda maior, acabando com toda a vida costeira, com os manguezais, tudo!
E já se estima em séculos o tempo que a natureza vai precisar para se recuperar dos efeitos danosos sofridos!
Vale lembrar que o direito ao meio ambiente é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal que, em seu artigo 225, dispõe que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e futuras, estando o Poder Público e a coletividade obrigados a preservá-lo e a defendê-lo.
Não podemos viver em mundo destruído, isso não é progresso! No que tange à Lei de Crimes Ambientais, o acontecido pode ser tipificado no artigo 54, parágrafo 2º, incisos, I, II e II, que são assim dispostos:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º Se o crime:
I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade”
Pode-se ainda ser enquadrado no artigo 62 da mesma lei:
” Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.”
Ressalta-se que no que se refere à danos ambientais, é sempre possível a desconsideração da personalidade jurídica para que seja possível punir as pessoas físicas diretamente envolvidas no crime ambiental.
Por último, o Termo de Ajustamento de Conduta, no valor de R$1 bilhão, assinado entre a Samarco e Ministério Público não isenta a Samarco de responder pelos crimes ambientais praticados.
Não podemos mais tolerar que grandes empresas ajam às margens da lei, principalmente, quando exercem atividades de alto risco, priorizando mais o lucro do que o equilíbrio ambiental, a saúde e dignidade das pessoas!
Autores:
Carolina Salles é Doutoranda em Direito Ambiental e Sustentabilidade. Mestre em Direito Ambiental e ativista animal
Fernanda Favorito é Mestre em Hospitalidade, Especialista em Gestão Empresarial e Graduanda em Direito
Julio Mahfus é Advogado, Prof. Universitário, Ex-Pró Reitor da UERGS, Ex- Proc. Geral de Cachoeira. Do Sul.
Fonte: JusBrasil