Porto Velho, RO – Com cerca de 1.300 alunos e localizada no bairro Jardim Santana, região de Porto Velho onde a violência ressurge em decorrência do desemprego, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Ulisses Guimarães é um exemplo de superação do setor público. A educação integral está em pleno funcionamento, os parceiros chegam a todo momento para oferecer serviços, e os alunos e ex-alunos se destacam. Os protagonistas desse ambiente, onde as transformações acontecem, são servidores, alunos, pais e a comunidade do entorno.
A diretora Regina Cláudia da Silva dá uma pista da receita do sucesso: o compromisso que a equipe de trabalho tem com a busca pelos melhores resultados. E isso inclui transformar eventuais fracassos em motivação para sucessos. “Este é o lugar certo para descobrir, aprender, errar e corrigir”, revela sem esconder a paixão pelo que faz.
Se antes da educação integral, que começou na prática em 2013, os alunos permaneciam para se beneficiar das refeições gratuitas, hoje não abrem mão das atividades extracurriculares que agregam conhecimento. A diretora explica que utilizar o conhecimento apenas no âmbito escolar é pouco para estas crianças e adolescentes. “Eles já querem influenciar a comunidade, o meio em que vivem, e promover mudanças”, acentua.
Da escola saem projetos audaciosos, como o ‘Enteroparasitas de importância médica isolados de baratas capturadas no ambiente escolar’, que revelou a queda no aprendizado decorrente das doenças transmitidas pelos parasitas. No mesmo ambiente, alunos e professores produziram descobertas elogiadas no país inteiro, como o ‘Boca-de-lobo inteligente’, que abre caminho para a solução das alagações urbanas, e as caixas d’água autolimpantes.
Tudo é resultado de vários fatores, e entre eles está a participação de professores que motivam a busca pelo conhecimento num formato em que a comunidade escolar se sente envolvida, e neste protagonismo utiliza suas energias.
Estudar o bairro, por exemplo, deixa de ser utilizar livros apenas, e se transforma numa viagem ‘in loco’ pela região onde alunos vivem com suas famílias e amigos. As descobertas destas jornadas servem de combustível para que discutam soluções com seus professores.
“Com alguns trabalhadores precisei conversar e motivar. Perguntava se eles também abandonariam estas crianças à própria sorte como outros tinham feito antes. Era um desafio” – Regina Cláudia, diretora
Manter uma unidade educacional produzindo conhecimento e transformando a realidade da comunidade do entorno não é tarefa das mais fáceis. “Com alguns trabalhadores precisei conversar e motivar. Perguntava se eles também abandonariam estas crianças à própria sorte como outros tinham feito antes. Era um desafio”, rememora Regina Cláudia ao falar sobre a montagem da equipe de trabalho.
Além de manter o grupo de servidores junto há muito tempo, a diretora tem a seu favor o fato de que todos estão dispostos a superar eventuais falhas. Há sempre alguém que supre a demanda extra, mesmo que seja fora de suas atribuições.
A Escola Ulisses Guimarães, que foi rejeitada no passado por muitos profissionais, se transformou em referência. “As faculdades particulares sabem que aqui temos um ambiente propício para que seus alunos estagiem”, comemora a diretora.
Também é fato que por tudo o que é oferecido, os alunos têm formação, sob alguns aspectos, igual ou melhor que as escolas particulares da Capital.
Outro detalhe que faz a diferença é o envolvimento dos pais dos alunos nas questões escolares. Muitos compõem o grupo de quase 300 alunos do Ensino para Jovens e Adultos (EJA), que funciona à noite. Se chamados, participam das reuniões, dos mutirões e outras atividades.
Por tudo isso, a diretora Regina Cláudia admite: “gosto muito do que acontece aqui. Sei que falo demais, mas esta realidade emociona”.
Enquanto os alunos se destacam apresentando projetos inovadores País afora, ou até proferindo palestras sobre assuntos que pesquisaram apaixonadamente, uma das metas está acima do que é imaginável para um estabelecimento localizado na periferia, em uma região em que o índice de violência é preocupante: a produção de antibióticos.
A audácia é o próximo passo do projeto ‘Enteroparasitas de importância médica isolados de baratas capturadas no ambiente escolar’, que foi mostrado ao governador Confúcio Moura, recentemente, no Palácio Rio Madeira, após ser apresentado num evento em Olinda (PE). Difícil não compartilhar a expectativa da professora Regina Cláudia, quando fala da possibilidade desta conquista: “nós vamos para o topo. Não é?”, acredita.
OS PROTAGONISTAS
Jeferson Pires, de 18 anos, Gedeão da Silva, 19, Maria Aparecida dos Santos, 17, e Sara Vieira, 17, são protagonistas da trajetória de sucesso da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Ulisses Guimarães.
Eles compõem um grupo seleto, cujo comprometimento com o conteúdo pedagógico vai além dos muros da unidade escolar. O engajamento na equipe de pesquisas científicas os levou para outros estados e, como dizem com justificado orgulho, representaram Rondônia muito bem.
Jeferson está no último ano, mas não consegue projetar o futuro longe da escola onde está há cinco anos. Quer ser médico ou ter outra profissão relacionada à área de saúde. Participa do projeto Boca de Lobo Inteligente, que foi mostrado no Rio Grande do Sul e em Pernambuco e garante que vai continuar trabalhando no aperfeiçoamento da obra após concluir o curso. “Ainda estamos na primeira fase. Falta muito ainda”, afirma.
Morador do bairro Socialista, Jeferson lamenta a falta de patrocínio para comprar materiais mais resistentes e provar que o invento pode fazer bem ao país e ao mundo. Garante que não vai conseguir ficar longe da escola Ulisses Guimarães enquanto os projetos atuais não estiverem concluídos.
Para Gedeão, parceiro de Jeferson nas pesquisas, o invento Boca de Lobo Inteligente vai melhorar a vida das pessoas do bairro na medida em que doenças forem evitadas. O resultado final é, segundo ele, um dos fatores que motivam buscar por um desfecho que pode ir além do tempo regular na escola. Diz que é comum estar envolvido com o trabalho à noite, finais de semana e até nos feriados. “Os professores nos motivam, sugerem caminhos. E isto é fundamental para quem quer progredir”, avalia. Quer ser médico ou enfermeiro. Ele estava no grupo que apresentou o projeto escolar no Rio Grande do Sul.
É de Gedeão a conclusão que o grupo é composto apenas pelos mais determinados, pois muitos abandonaram as pesquisas diante das dificuldades encontradas. Ele está no 3º ano e decidiu que também vai enveredar pela área de saúde. Tudo por causa das pesquisas realizadas com os colegas e professores.
O sotaque denuncia Maria Aparecida. Nascida no interior do Paraná, morou mais de uma década em São Paulo e durante alguns anos morou na periferia de Porto Velho e demonstrou uma coragem exemplar. Na região conhecida com Setor Chacareiro, na divisa dos bairros da Zona Leste com a área rural, muitas vezes fez o caminho à noite, encarando a falta de segurança reinante que era potencializada pela falta de iluminação. “Hoje, no bairro Nova Porto Velho, vivo outra realidade, mas sei o que acontece por aqui”, revela.
Como parte do grupo que fez a pesquisa “Enteroparasitas de Importância Médica Isolada de Baratas capturadas na área Escolar”, conclui que a experiência será sucesso completo se conseguir, também, fazer com que os moradores se responsabilizem pela limpeza que lhes cabe nas casas. “Assim”, espera, “teremos um ambiente mais saudável no bairro”.
Futura veterinária, Maria explica que estudar os parasitas transmitidos pelas baratas foi, também, uma conquista familiar, pois tem um irmão alérgico e os resultados da pesquisa trouxeram informações importantes para o problema.
“Em outra escola, talvez este trabalho estivesse mais avançado por causa dos recursos financeiros, mas, aqui, temos a oportunidade de compreender o alcance social de cada pesquisa, cada descoberta” – Sara Vieira, aluna
A estudante diz que não gosta de ficar sem uma atividade além dos trabalhos escolares e recorda com bom humor a resistência da mãe ao envolvimento na pesquisa. “Cheguei a ficar presa em casa para não retornar à escola no período extra, mas conseguia fugir”, confessa.
A mais discreta do grupo, Sara, ainda está no 2º ano do ensino médio, e destaca que o diferencial da escola Ulisses Guimarães para outras unidades escolares oficiais é o apoio para fazer as pesquisas avançarem a partir do apoio dos professores.
Sara foi a uma feira em Pernambuco com Maria para mostrar as pesquisas com enteropasitas. “Em outra escola, talvez este trabalho estivesse mais avançado por causa dos recursos financeiros, mas, aqui, temos a oportunidade de compreender o alcance social de cada pesquisa, cada descoberta”, analisa.
Sara e Maria estão prontas para mergulhar na segunda fase da pesquisa socioeconômica dos bairros próximos. Querem conhecer melhor a realidade das comunidades que vivem no entorno da escola e, em seguida, propor projetos que respondam às necessidades das famílias. Maria admite que a conclusão do Ensino Médio provoca um sentimento de tristeza, porque não poderá participar dos trabalhos como aluna, benefício que Sará terá, porque ainda vai cursar o 3º ano. “Mas vou estar junto, meio como intrusa, mas vou ajudar”, promete.
Estes quatro personagens, que deveriam ser comuns nas escolas, carregam o sentimento de orgulho pelo fizeram e ainda fazem, extrapolando o conteúdo das aulas rotineiras. Jeferson, com porta-voz, resume pelo grupo o que virá a partir agora: “temos que ir em frente com as pesquisas. O Brasil precisa disto”.