Porto Alegre, RS – Investigado pelo Ministério Público por suspeita de desviar dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, empregar funcionários fantasmas e usar parte do salário dos servidores para gastos pessoais, entre outras fraudes, o deputado Mário Jardel (PSD) foi afastado da Casa por 180 dias. A decisão judicial é inédita no estado.
O MP apurou indícios de crimes como concussão, peculato, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro. Também é investigado o financiamento ao tráfico de drogas com dinheiro público desviado do parlamento. “A cada dia me surpreendia”, disse o procurador-geral do MP, Marcelo Dornelles, em entrevista coletiva à imprensa nesta segunda-feira (30).
Batizada de Gol Contra, em referência ao histórico do ex-jogador no futebol, a operação mobilizou agentes do MP a cumprirem mandados de busca e apreensão no gabinete do parlamentar, na casa dele, da mãe e do irmão, e em um jornal de Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. “Lá entendemos que tinha utilização indevida de publicidade. Havia o pagamento de um valor superfaturado”, explicou o promotor Flávio Duarte.
O endereço do chefe de gabinete de Jardel e de duas assessoras fantasmas também foram revistados. O objetivo era buscar mais provas que comprovem a fraude.
Foram recolhidos telefones celulares e outros documentos. “A ideia era buscar celulares, porque eles trocavam muita informação por telefone e whatsapp, e documentos que tiveram relação com isso aqui”, acrescentou Duarte.
Por cerca de dois meses, a investigação do MP apurou que Jardel usava notas frias para arrecadar com diárias de viagens, para fora do estado e interior.
“Ele [Jardel] usava o mandato para angariar recursos para si de várias formas. Começamos a investigar e verificamos que as diárias eram fraudes. Seja forjando notas fiscais de hotéis, ou forjando a presença de assessores com ele, sempre no sentido de angariar recursos públicos para si”, detalhou Dornelles.
Uma delas foi para Santana do Livramento, cidade gaúcha localizada na Fronteira Oeste, em agosto deste ano. Jardel, a mãe, o irmão e um assessor foram até Rivera, no Uruguai, onde se hospedaram no Hotel Rivera Cassino & Resort. No entanto, a Assembleia recebeu comprovações de que o deputado e outros quatro assessores ficaram no Hotel Glória, em Livramento, entre os dias 27 e 30 daquele mês. Foram pagas diárias no valor de R$ 2.061,12 para Jardel e R$ 4.637,52 para os assessores.
“A viagem sequer tinha motivação. Ele fazia viagens para receber diárias justamente para justificar e ter dinheiro para efetuar esses pagamentos pessoais”, afirmou Duarte.
Jardel ainda é suspeito de exigir parte dos salários dos servidores. Com os valores, ele pagava despesas pessoais, como aluguel do apartamento de um irmão e da mãe dele, aponta o relatório do MP. O cartão de crédito da esposa de Jardel também era pago com dinheiro desviado, de acordo com o MP.
“Ficou comprovado de várias formas que o deputado exigia que os servidores pagassem despesas da família dele. O aluguel, do irmão e da mãe, era pago com recursos dos servidores. O cartão de crédito da esposa do parlamentar. Isso constitui uma forma indireta de desvio de dinheiro”, detalhou o procurador-geral do MP aos jornalistas.
Escutas e vídeos revelam esquema
Para embasar a denúncia, o MP reuniu fotos, vídeos e documentos para comprovar as irregularidades. A autorização da Justiça para acesso a escutas telefônicas e vídeos ajudou a comprovar o esquema.
Jardel aparece em gravações falando sobre o dinheiro que seria oriundo de desvio da Assembleia Legislativa e também de parte dos salários que ele exigia de funcionários.
Um deles pediu exoneração e informou, no pedido feito à Assembleia, que o deputado passou a demandar dinheiro. Depois disso, Jardel passou a não receber mais em mãos os valores, recomendação dada pelo advogado Christian Miller. A arrecadação passou a ser feita por meio do chefe de gabinete, o assessor Roger Antônio Foresta.
Em uma das gravações, o delator do esquema tenta entregar a Jardel R$ 3 mil, que corresponde à metade de seu salário. Mas o deputado, que recebe os servidores em seu gabinete, diz que o repasse teria de ser feito a outro assessor, encarregado de recolher o dinheiro.
Para disfarçar, Jardel usa um código. Ele diz que o valor é para o pagamento de camisas. Abaixo, confira a transcrição:
Jardel: Esse dinheiro aí é do [nome preservado], entrega pro [nome preservado] esse dinheiro aí.
Assessor 1 [delator]: Tá. Tranquilo.
Jardel: É das camisa, pra ele… [pra ele] pagar. Entendeu?
Assessor 1 [delator]: Ah, entendi. Entendi. Tá bom.
Jardel: É os três mil da camisa, né?
Assessor 1 [delator]: É.
Jardel: Entrega pra ele, que ele foi… ele saiu ali com… com o [nome preservado].
Mais tarde, o delator encontra o colega que receberia o dinheiro, com outro funcionário do gabinete, e faz a entrega.
Assessor 1 [delator]: Eu fui dar o dinheiro pra ele, ele mandou eu dar pra ti.
Assessor 2 [Roger, que recebe o dinheiro]: Não, [ele mandou dar] pro [funcionário], que é pra dar pra ele.
Assessor 2 [Roger, que recebe o dinheiro]: Ele mandou o [funcionário] pegar de todos nós. Então tu dá pra mim, eu dou pra ele.
Assessor 1 [delator]: Então tá.
Assessor 1 [delator]: Oito, nove, dez, onze, doze… quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um… três, quatro, vinte e cinco.
Em outra das escutas telefônicas autorizada pela Justiça, Jardel liga para um de seus assessores e diz que o pagamento do aluguel não foi realizado.
Jardel: Amanhã é dia dez, né, [assessor]? Esqueceu de… de fazer o negócio da minha mãe, [do] apartamento, e eu quero o negócio amanhã, o negócio do… o negócio do… da…
Assessor 3 [Ricardo]: Não, eu não, Jardel!
Jardel: [fala sobreposta] o dinheiro pro… O que é que vocês fazem, cara? Eu dou o dinheiro, dou a nota pra vocês pagarem, vocês esquecem de pagar as coisas?
Assessor 3 [Ricardo]: Não, eu vou… vou fazer o seguinte, ó: eu vou ver amanhã.
Jardel: […] minha mãe, não, né, cara! O cara ligando pra minha mãe, minha mãe já é doente…
Quando Jardel fala que entregou notas para o assessor, seriam notas frias de hotel para receber diárias por viagens não realizadas. Em outra ligação, um dos assessores ligou para o colega e pediu o número da imobiliária para avisar que faria o pagamento com dinheiro das diárias.
Assessor 3 [Ricardo]: Tem o número dessa p$*&% dessa imobiliária?
Assessor 3 [Ricardo]: Eu vou dar um cheque pré-datado até eu fazer essas diária aí e entrar as diária pra mim. Mesmo que eu pague o juro, aí o dinheiro fica pra mim.
Assessor 2 [Roger]: Tá. Eu vou chegar ali em cima e já te ligo.
Segundo a investigação, até a fatura do cartão de crédito da mulher de Jardel era paga com dinheiro desviado do gabinete. Além disso, o MP também descobriu a ligação de Jardel com um traficante de drogas, e a compra das drogas também seria feita com dinheiro desviado.
O relatório do MP diz ainda que a droga entregue pelo traficante era consumida por Jardel durante programas com uma prostituta, também contratada como funcionária fantasma do gabinete.
“Tem uma funcionária fantasma, que era esposa de alguém que fornecia drogas. Era mais de uma droga, mas tinha especialmente cocaína”, acrescentou Duarte.
Assembleia analisa denúncias
Logo após o início da operação Gol Contra, do Ministério Público, agentes cumpriram mandado de busca e apreensão no gabinete do deputado na Assembleia Legislativa. Segundo a presidência da Casa, os documentos do MP já foram enviados para análise da Comissão de Ética.
O deputado Edson Brum (PMDB) disse que o caso será tratado “com transparência”, a exemplo da firma como foi conduzido o processo que envolveu as investigações contra o deputado Diógenes Basegio (PDT), que teve o mandato cassado recentemente.
“O MP chegou cedo aqui. O Marcelo Dornelles [procurador-geral] imediatamente protocolou quatro ofícios, que a procuradoria está analisando. Já mandei isso para a corregedoria e a Comissão de Ética, a decisão sai de lá”, disse Edson Brum.
A investigação da Assembleia Legislativa será conduzida fora da apuração do Ministério Público. “Uma coisa é o decoro parlamentar, que vai ser discutido pela Assembleia Legislativa. Outra coisa é o processo criminal, que é atividade do Ministério Público. Não estamos tratado aqui sobre direitos políticos”, sustentou Dornelles.
No momento das buscas em seu apartamento, Jardel negou as fraudes. Assim como um dos assessores também investigados por participar do esquema, que negou envolvimento.
Nova polêmica
Essa é mais uma polêmica descoberta durante o mandato de Jardel como parlamentar. Em abril, o ex-jogador demitiu todo o seu gabinete e se afastou da Assembleia.
Em outubro, Jardel desembarcou no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, com 10 quilos de bacalhau transportados dentro da mala apreendidos, segundo informações do Ministério da Agricultura.
De acordo com o órgão, o transporte desse tipo de alimento só pode ser realizado com a apresentação de uma certificação sanitária emitida pelo país de origem, uma vez que o produto tem entrada proibida no Brasil. Foram apreendidas ainda nozes, conservas de pescado e cerca de 1,2 kg de queijo.
Fonte: G1