Gregório Duvivier, o Romero Britto da poesia brasileira, começou sua coluna desta segunda-feira (7) na Folha com uma piada. A piada até que foi engraçada. Só não foi melhor do que o resto do artigo.
Após ler a opinião de um único jurista, Gregório chegou à seguinte conclusão: “a Constituição brasileira é tipo o último episódio de Lost: cada um entendeu uma coisa, e alguns, como eu, não entenderam nada. Ninguém sabe se a tal pedalada fiscal configura crime de responsabilidade (…).”
Peraí, então quer dizer que, depois de fazer o homérico esforço de ler o parecer deum jurista, nosso amiguinho Greg conseguiu concluir que, entre todos os juristas,ninguém sabe se as pedaladas fiscais configuram crime de responsabilidade.
Sinto informar-lhe, caro Gregório, mas aquela historinha de que as pedaladas são meras manobras que nosso abençoado e benevolente governo utilizou para manter os programas sociais é pura balela. As pedaladas fiscais são um nome bonitinho que encontraram para descrever uma fraude, um estelionato, um golpe.
E a maior parte do dinheiro das pedaladas foi para grandes empresas e para o agronegócio. Pois é. O discurso é para o pobre e o oprimido. O dinheiro é para o banqueiro e o ruralista. Só os queridinhos do governo, claro.
Eu sei que o choque de realidade é duro, Gregório. Ainda mais para você, que defende os pobres do alto da sua torre de marfim. Mas a verdade é que as pedaladas são crime sim. E sabe quem mais sofre com esses crimes? Aqueles que você diz defender.
Explico:
O pior programa social que existe é o déficit primário. Quando o governo gasta mais do que arrecada, não sobra dinheiro para pagar a dívida. A dívida, então, aumenta. O que significa que, no ano seguinte, o governo gastará mais dinheiro com a dívida e menos com todo o resto.
Disso, podemos tirar uma série de problemas: a dívida é paga com nossos impostos.
Os programas sociais também são pagos com nossos impostos. Quem mais paga imposto no Brasil e mais se prejudica com a falta de dinheiro para programas sociais são os mais pobres.
Logo, quem mais se prejudica com o aumento da dívida são os mais pobres. Adivinha o que contribuiu para que o rombo aumentasse neste ano? A tal da pedalada fiscal.
Qual o tamanho do rombo da pedalada? R$ 57 bilhões. Isso segundo o próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Nem que a presidente assaltasse um banco por dia ela conseguiria fazer tanto dinheiro desaparecer. Não foi crime de ladrão de galinha. Roubaram o galinheiro inteiro.
Mas Gregório não parou por aí. Segundo ele, todos os juristas concordam que“mesmo que houvesse o tal crime [das pedaladas], ele recairia sobre o secretário do Tesouro.”
Serei breve nessa. Quem assinou os decretos autorizando as pedaladas foi a própria presidente Dilma Rousseff. Assinar esse tipo de decreto não é prerrogativa do secretário do Tesouro. Ponto final.
Mas o nosso querido papagaio de propaganda governista não parou por aí. É claro que ele não poderia terminar o artigo com o bom e velho argumento petista: “Mas todos os outros também fizeram!”.
Eis a pérola:
“No governo FHC, a pedalada era uma tradição de fim de ano tão comum quanto a Simone cantando Então É Natal.”
Antes de tudo, é bom deixar claro a mentalidade doentia de quem defende esse governo.
Seguindo a lógica dessa gente, se FHC, Collor ou qualquer outro ex-presidente tiver matado alguém, isso significa que Dilma também pode matar. E quem reclamar é golpista.
Entrando na questão técnica, deixo a palavra com o procurador do Ministério Público Júlio Marcelo de Oliveira, que atua no TCU:
“Esse argumento é absolutamente improcedente. O que aconteceu a partir do fim de 2013, e que marcou todo exercício de 2014, é algo totalmente inédito. Os gráficos do comportamento do pagamento de benefícios – de abono salarial, seguro-desemprego, Bolsa Família – demonstram isso. E todos os gráficos que mostram o relacionamento do governo com a Caixa Econômica têm um comportamento normal, desde 2002 até o meio de 2013. A partir do segundo semestre de 2013, o governo simplesmente para de mandar dinheiro para a Caixa e começa a usar a Caixa como cheque especial.”
Se você, querido Greg, ainda não entendeu, o ministro Augusto Nardes, relator das contas da presidente, desenhou para que ficasse bem claro:
Duvivier, um cara sempre ligado nas tendências, também aderiu ao mais novo discurso governista. É o que eu chamo de argumento Star Wars. Nele, o impeachment se trata de uma batalha entre o lado da luz e o lado negro da Força. O lado negro é representando pelo n
osso conhecido exportador de carne enlatada, Eduardo Cunha. O lado da luz, pela princesa Leia do petismo, a queridíssima presidente Dilma Rousseff.
Com vocês, o trailer da Vingança dos Sith:
“Um impeachment orquestrado por Eduardo Cunha que beneficia Michel Temer é como um pênalti marcado pelo Eurico Miranda a favor do Vasco. Se não é certo, certamente não é justo, e menos ainda sensato. Se o pecado de Dilma foi ser conivente com roubo, qual é o sentido de trocá-la pelo ladrão?”
A legitimidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff independe do presidente da Câmara. O pedido em tramitação foi escrito pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. E Janaína Paschoal. Não por Eduardo Cunha.
O impeachment se tornou pauta em Brasília, e já escrevi sobre isso aqui, por conta das manifestações de rua e da pressão popular. Durante muito tempo, nem a oposição queria falar sobre impeachment.
A legitimidade do pedido vem do seu embasamento jurídico e daqueles que o colocaram em pauta, no caso, os 63% da população que desejam o impeachment.
Lembrando um fato curioso: o presidente da Câmara que conduziu o processo de impeachment do ex-presidente Collor foi cassado. O pedido, então, era ilegítimo? Se era, por que o PT defendeu tão fervorosamente o impeachment na época?
Seguindo esse raciocínio, senhores petistas, vocês devem desculpas a Collor e devem devolver a faixa presidencial a ele.
Quanto a Eduardo Cunha, quero deixar alguns questionamentos para você, caro Gregório. De onde veio o dinheiro que Eduardo Cunha depositou na Suíça? Como ele colocou as mãos nesse dinheiro?
Imagino que ele não tenha enfiado o pé na porta de uma plataforma da Petrobras, roubado meia dúzia de barris de petróleo e colocados em potes de carne enlatada para vender no Qatar.
Eu defendo a cassação de Eduardo Cunha. Mas tenho plena consciência de que, para pagar as aulas de tênis da família, ele precisou da ajuda da alta cúpula do Executivo.
Finalmente, Duvivier conclui:
“O país hoje é um avião governado por uma pilota obtusa e despreparada, mas vale lembrar que o copiloto é da Al Qaeda.” Gostei da comparação. Se o copiloto realmente é da Al Qaeda, devemos passar o comando do governo imediatamente para ele. Não há bomba que cause mais estragos que o Partido dos Trabalhadores.
Fonte: Brasil Post