Nós aqui, no Brasil, às vezes pensamos – erroneamente – que o terrorismo é problema de gringo, que aos trópicos eles não chegam, mas, de repente, esse terrível mal do século XXI aparece à sua porta, sem avisar, e toca alguém de seu círculo de conhecidos.
Estou falando da jovem fotógrafa franco-marroquina Leïla Alaoui, de 33 anos, que morreu às 21h15 de ontem (18.01) no hospital Notre Dame de la Paix, de Ouagadougou, capital de Burkina Faso. Na sexta-feira, enquanto comia no café-restaurante Capuccino, terroristas do grupo extremista al-Qaeda abriram fogo no local e ela levou tiros na altura dos braços e das pernas e teve diversos órgãos perfurados, incluindo rins e pulmões. Os terroristas seguiram para o Hotel Splendid e terminaram sua carnificina com um saldo de 30 mortos.
Leïla foi operada durante mais de seis horas e chegou a abrir os olhos e conversar ontem de manhã, perguntando pelo irmão e sem entender muito bem o que lhe havia acontecido, segundo relato de sua mãe, a socialite e também fotógrafa francesa Christine Alaoui. Mas a jovem não resistiu aos ferimentos.
Leïla era muito querida, mas, sobretudo, admirada como um dos maiores talentos retratistas do norte da África. Nascida em Paris, foi criada em Marrakech, no Marrocos, numa das propriedades mais deslumbrantes do mundo – um palacete art déco no meio do oásis da Palmeraie, frequentado muito por Yves Saint Laurent, um dos maiores amigos de sua mãe.
Foi por causa dessa casa espetacular, projeto do arquiteto Paul Sinoir, que também assinou a casa de Yves nos Jardins de Majorelle, que cheguei a Christine Alaoui e começamos nossa amizade, apresentados pelo relações-públicas brasileiro Homero Machry. Christine é dona de um dos maiores acervos de fotografia dos áureos tempos de Marrakech, com registros dos almoços e festas que ela dava para os amigos Bianca Jagger, Bill Willis, Grace Jones, entre tantos nomes estrelados do jet-set internacional.
Criada nesse meio tão glamoroso, Leïla foi para o outro lado, o das pessoas reais. Suas fotos ultrassensíveis de marroquinos comuns, escolhidos nas ruas ao acaso, renderam exposições altamente elogiadas pela crítica europeia, as últimas em cartaz até domingo naCasa Europeia da Fotografia e no Instituto do Mundo Árabe, em Paris. A jovem se interessava também pela saga dos refugiados sírios e dos imigrantes ilegais do Norte da África, que arriscam suas vidas para cruzar o Mediterrâneo e chegar à Europa.
Recentemente, ela deu uma pausa em sua carreira jovem, mas brilhante, para clicar Neymar em Barcelona para um reality-show da TV espanhola, ‘El Mago Pop’. “Eu não tinha me dado conta da popularidade dele”, declarou Leïla. “Eu o achei muito simples e muito gentil, com um lado de criança impressionada com o mágico do programa espanhol”.
Mas o prazer de Leïla, realmente, eram as causas humanitárias, que a levaram, inclusive, à missão de paz em Burkina Faso na última semana. Um dos lugares mais miseráveis do mundo, o país tenta instaurar um regime democrático depois de 27 anos da terrível ditadura do presidente Blaise Campaoré ao mesmo tempo em que luta para conter a expansão dos extremistas islâmicos que foram expulsos do vizinho Mali após a recente intervenção do Exército francês. A Anistia Internacional convocou Leïla para fotografar a população de Ouagadougou e fazer desse trabalho um registro da riqueza humana de um povo pobre, sofrido, mas pacífico, e resgatar o orgulho nacional para conter o crescimento do jihadismo.
E, assim, a linda Leïla morreu precocemente em mártir da paz.
Fonte: G1