Donald Trump, gostem ou não os dirigentes da direita norte-americana e seus formadores de opinião, é a nova referência do Partido Republicano. O Grand Old Party — o grande velho partido no qual militaram Lincoln, Eisenhower, Reagan e os Bush — pode cair nas mãos de um magnata da construção e dos cassinos que oferece uma estranha síntese ideológica: uma mistura de propostas ultraconservadoras com ideias associadas nos Estados Unidos a posições progressistas. E um ponto em comum: a improvisação.
Nem de esquerda nem direita, muito pelo contrário: Trump, um político novato que no passado teve simpatias democratas, redefine o Partido Republicano. Era o partido do big business, os interesses das grandes corporações elobbies. Controlado por um establishment férreo, sempre conseguia impor um candidato pragmático e experiente como indicado para as disputas presidenciais.
As tradições e as famílias contavam. Seu último presidente, George W. Bush, não era popular, nem mesmo dentro do partido, mas era um tabu, entre qualquer republicano com aspirações, questionar a invasão do Iraque de 2003 ou a atuação dele após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
Para os republicanos, o apoio a Israel era incondicional. A ortodoxia prescrevia também promover o comércio internacional frente ao protecionismo associado à base sindical do Partido Democrata. Era o partido que se opunha ao intervencionismo estatal e defendia que o Estado do bem-estar fosse reduzido à sua expressão mínima.
Eis alguns dos dogmas que Trump detonou. A vitória na Carolina do Sul, no último sábado, ocorre depois de ele acusar Bush de mentir sobre a guerra do Iraque e insinuar que o ex-presidente não protegeu os EUA contra o 11 de Setembro, uma declaração que beira as teorias conspiratórias dos truthers, pessoas que colocam em dúvida a veracidade dos atentados.
Trump já dito que, diante do conflito entre israelenses e palestinos, considera-se neutro. Elogia o presidente russo, Vladimir Putin, considerado pelo establishmentrepublicano como um dos piores rivais dos EUA. E sustenta que programas públicos como as pensões para aposentados e a saúde gratuita para maiores de 65 anos devem ser mantidos intactos, sem as reformas que seu partido julga irrenunciáveis.
Trump combina essas propostas, algumas das quais superam pela esquerda o Partido Democrata, com posições próximas à extrema direita. As propostas de fechar as fronteiras aos muçulmanos e de expulsar 11 milhões de imigrantes sem papéis, junto com sua retórica ultranacionalista (“Precisamos cuidar da nossa gente”, disse no último debate), dinamitam os esforços das elites republicanas para atrair as minorias, algo crucial nas futuras eleições presidenciais.
Se Trump obtiver a indicação republicana, irá se transformar no líder de facto do seu partido. Sua ideologia será a linha oficial do Grand Old Party. Como defini-la?
“É o ‘trumpismo’”, responde ao EL PAÍS David Frum, um dos conservadores que, em artigos e conferências, tentaram entender o fenômeno Trump. Frum foi redator de discursos do presidente George W. Bush, e atribui-se a ele a autoria da famosa frase sobre o eixo do mal.
“O trumpismo”, prossegue Frum, “consiste na crença de que Donald Trump é maravilhoso e tem a resposta para todos os nossos problemas”.
Frum vê improvisação – e não uma doutrina definida – por trás de muitas das posições de Trump. Um exemplo disso é a sua equidistância perante Israel e a Palestina.
“Se eu lhe disser que há uma eleição no Estado indiano de Bihar, e que há um partido comunista e um partido extremista hindu, e lhe perguntar a favor de quem você está, o que você dirá? ‘Não sei’”, diz ele. “A resposta não teria muita importância, porque você não teria pensado a respeito. Muitas das respostas [de Trump] lhe ocorrem no momento. Seria um erro dizer: isto significa tal ou tal, porque amanhã possivelmente ele dará outra resposta.”
Frum acredita que Trump soube se conectar com o eleitorado republicano num momento em que a elite partidária perdeu essa capacidade de identificação. Essa elite defendia uma política externa agressiva, uma redução do Estado do bem-estar e uma reforma migratória. O eleitorado queria o contrário disso. Trump entendeu esses sinais melhor do que ninguém.
VERSÃO EXAGERADA DA RETÓRICA MAIS CONSERVADORA
Não é certeza que Donald Trump será o indicado do Partido Republicano, mas sua influência se faz notar. A imigração não era um tema debatido quando ele se declarou candidato, em junho, mas desde então suas propostas obrigaram a maioria de republicanos a endurecerem suas posições. Às vezes, Trump vai na contramão do partido, mas também é uma versão fora de prumo dos setores mais combativos – no assunto imigração, por exemplo – e da retórica inflamada da direita nestes anos do presidente democrata Barack Obama.
Fonte: El País