Para Rodrigo Janot, além de ofender os princípios da precaução e do ambiente ecologicamente equilibrado, a norma invade competência da União para legislar sobre o tema
A norma do Amapá que prevê licença ambiental única para atividades e empreendimentos de agronegócio é inconstitucional. Esse é o entendimento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5475). Segundo ele, o dispositivo ofende diretrizes constitucionais sobre o dever do poder público na defesa e preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações, além de invadir competência da União para legislar sobre o tema. A ação questiona o artigo 12, inciso IV e parágrafo 7º, da Lei Complementar 5, de 1994, com redação dada pelo Lei Complementar 70, de 2012.
Para o procurador-geral da República, em questões de Direito Ambiental, cabe à União a edição de normas gerais que busquem padronização nacional; aos estados compete legislar sobre temáticas de interesse regional e, aos municípios, a respeito de temas de interesse local, de acordo com a competência material, desde que observadas as regras federais sobre a matéria. “Estados somente exercem sua competência suplementar de forma plena se inexistir lei federal para atender a suas peculiaridades”, explica.
A ação destaca que a União editou em 1981 a Lei 6.938 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Essa lei conferiu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) competência normativa sobre procedimento e critérios para licenciamento ambiental, tema que foi objeto da Resolução 237/1997. A norma fixa duas etapas preliminares para o licenciamento: licença-prévia e licença de instalação. Rodrigo Janot explica que “só após o atendimento às exigências dessas licenças, poderá conceder-se licença de operação”.
Segundo o procurador-geral, “não há previsão de ‘licença ambiental única’ com dispensa de obtenção de licenças prévia, de instalação, e de operação, para empreendimentos de agronegócio nem para qualquer outro”. Janot destaca que as normas no Conama fixam apenas três tipos de licenças, que devem ser observadas pelo poder público em todas as esferas porque integram uma política nacional.
“Não há espaço constitucional para criação legislativa por estados-membros a esse respeito. Usurpam competência legislativa da União o estabelecimento, por lei complementar estadual, de nova modalidade de licença ambiental, a dispensa das licenças previstas na norma federal e a criação de exceções à exigência de realização prévia de EIA (Estudo de Impacto Ambiental)”, assinala.
Defesa do ambiente – Na ação, o procurador-geral também aponta ofensa ao artigo 225 da Constituição, que trata do dever do Estado de cooperação mútua na defesa e preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações, o chamado federalismo cooperativo ecológico. Nesse contexto, está o princípio da precaução, que segue a máxima “in dubio pro natura”: havendo conflito legislativo entre União e estados, deve prevalecer a norma mais restritiva, ou seja, aquela que melhor defenda o ambiente.
“Caso se entenda que União e Estado do Amapá tenham legislado cada qual na esfera respectiva, ainda assim devem prevalecer as normas federais sobre a matéria, por serem mais rigorosas quanto ao procedimento de licenciamento ambiental, o que assegura maior controle de atividades potencialmente poluidoras, capazes de gerar degradação ambiental”, sustenta.
Liminar – A ação ainda pede a concessão de medida cautelar baseada no perigo da demora processual. “O requerimento de tutela de urgência dá-se em vista da possibilidade real de danos ao patrimônio ambiental do Estado do Amapá, mediante licenciamento indevido de empreendimentos e atividades de agronegócio, os quais podem abranger vastos ecossistemas, pelas características da agricultura extensiva e da pecuária e pelo uso intensivo de recursos hídricos, por exemplo. Cabe invocar o princípio da precaução, que deve reger a conduta dos entes públicos com vistas à preservação de ambiente ecologicamente equilibrado”, defende.
A relatora da ação, ministra Cármen Lúcia, decidiu aplicar o rito abreviado – previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs) – para que a ação possa ser julgada pelo Plenário do STF diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar.