Certa vez, após um dia cansativo de trabalho, fui informado que o vizinho do apartamento de baixo morreu. De imediato, tentei lembrar quem ele era, como viveu. O resultado de meu esforço cognitivo resultou no mais absoluto branco. De nada eu sabia. Soube apenas de sua morte e, no vislumbre de uma garagem condominial compartilhada, a memória nublada de um indivíduo que usava muletas para sustentar o corpo.
Tão perto e tão longe. A dois metros de distância nas alturas, o vizinho teve sua vida. Nunca ouvi sua voz. A mulher do falecido, por sua vez, me permitiu alguns contatos desagradáveis. Ela era uma pessoa ranzinza, em outras palavras. Fagulhas sempre se formam no convívio entre diferentes. Até que ponto o seu invade o meu? E aí começa uma discussão. Ela era desse tipo: sensível e antipática.
Contudo, lamentei pela perda do marido dela. Não é fácil deixar quem se ama ir embora. Na rua, comecei a observar os estranhos ao lado com mais curiosidade. Pessoas que não conheço, apenas vejo. Não sei de seus problemas e nem quantos morrerão no dia de amanhã. Só sei que nada sei e que tais indivíduos são meros coadjuvantes do meu dia a dia. Ocupam um espaço o qual eu só notaria se todos sumissem de uma hora para a outra.
Meu vizinho, agora falecido, estava próximo, mas longe ao mesmo tempo. Se me arrependo de ter perdido a oportunidade em conhecê-lo? Não. Nossos caminhos não se cruzaram. Ainda assim, desejo que ele esteja em paz. Acredito que as conveniências da vida nos separaram. Para a posteridade, fui respeitoso dentro do possível. Educação é o mínimo que se espera em uma sociedade dita civilizada.
Quem somos e para onde vamos é uma pergunta recorrente em meu imaginário. Meu vizinho… espero que ele tenha levado adiante um único momento de felicidade. Creio que sim, apesar da esposa tinhosa. Torço que, livre dos grilhões terrenos, ele consiga encontrar todas as respostas que o mundo não nos dá. Caso as respostas não existam, e nesse breve tempo de humanidade os céticos sempre tiveram razão, as oportunidades de agora se transformam em nosso destino. Aproveite-as ao máximo.
Por Gabriel Bocorny Guidotti
Jornalista e escritor
Porto Alegre – RS (Brasil)
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