Por Paulo César Regis de Souza (*)
A Previdência Social é uma balança com dois pratos, o da receita e o da despesa. A sustentação da Previdência depende do equilíbrio da balança. A receita tem que ser suficiente para cobrir a despesa. O conceito universal previdenciário, insisto, proclama que não há benefício sem financiamento.
Um ex-presidente da República, caçador de marajá, cassou benefícios dos velhinhos e se deu mal, outro chamou os aposentados de vagabundos e se destrambelhou, um ex-ministro da Previdência tentou obrigar os velhinhos a se recadastrar em macas, outro tentou atropelar aposentados na entrada privativa do Ministério. Mas o presidente Temer superou a todos, abrindo seu saco de maldades tirando dele um cachorro louco, colocando como dono do cofre e do alto de sua raiva morder a Previdência, ferindo de morte 32 milhões de velhinhos. A raiva é uma doença que mata.
Há anos que a Previdência vem enfrentando o ódio dos que metem a mão no patrimônio dos trabalhadores. Se não reagirmos, ou privatizam ou acabam.
Em 2007, a balança começou a se desequilibrar. Levaram a receita da Previdência, a 2ª maior da República, e a dívida ativa de R$ 300 bilhões para a Fazenda e se proibiu o Ministério da Previdência de formular políticas previdenciárias. Desde então, a Previdência foi eliminada do conhecimento de sua receita e do comando das questões previdenciárias. Isto é incrível!
Na gestão, pública ou privada, há um princípio clássico de que toda tomada de decisão guarda interesses claros e interesses ocultos. Na ida da receita previdenciária para a Fazenda prevaleceu o “interesse oculto” com a manipulação da Receita e seu uso como instrumento de política fiscal, a não cobrança da dívida ativa, os seguidos Refis, o não combate à sonegação, a criação de benefícios sem financiamento (Supersimples e Micro Empreendedor Individual -MEI), a inclusão da Previdência na Desvinculação das Receitas da União-DRU e a imposição da desoneração. O que era oculto ficou escancarado, com pesadas e graves consequências para a Previdência.
Ao final de 2015, colocou-se na Previdência um ministro para combater a reforma e se omitir na gestão do INSS. Um Ministro anódino e inapetente.
Agora, na nova configuração do governo Temer esperávamos um Ministério da Previdência Social, forte e capaz de enfrentar as reformas do financiamento e depois, dos benefícios, mas fomos premiados com uma cesta de “interesses ocultos”, que surpreendeu o país, porque se tentou apagar a memória de 93 anos de Previdência Social pública, de proteção social, os 42 anos de Ministério, ignorando-se o esforço de gerações de servidores que construíram a cultura previdenciária no Brasil, de reconhecimento mundial.
Foi verbalizado pelo Presidente Temer e pelos ministros Henrique Meirelles e Eliseu Padilha, que entendem de Previdência tanto quanto de Física Quântica, que o objetivo claro do fim do Ministério seria para que a Fazenda pudesse comandar a Reforma da Previdência, com a simples mágica da fixação de uma idade mínima. Mais de uma vez, já declarei que a reforma de que a Previdência precisa é na área de financiamento, não de benefícios.
Para acalmar o reino animal, os “temíveis“ ou “temerários” vociferaram que a reforma da Previdência não atingirá as pessoas que já estão no Regime Geral de Previdência Social-RGPS nem os direitos adquiridos. A futura geração bem como a bolha demográfica pagará a conta.
Qualquer idiota percebe o objetivo oculto da nova configuração.
Aliás são muitos os “interesses ocultos” que levaram a extinção do Ministério, exclusão sumária de qualquer referência à Previdência Social transferindo para a Fazenda os fundos de pensão, estatais e privados, os fundos dos Regimes Próprios, da União, Estados e Municípios, as Secretarias fins de Previdência Social e Complementar, a Dataprev, o Conselho de Recursos, os Conselho de Previdência Social e Complementar e para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário os escombros do INSS, responsável pela execução do que é de sua competência histórica, com qualidade e reconhecimento.
Quem é o pai desta aberração administrativa não se sabe, mas se sabe que seus efeitos serão desastrosos. É a construção de uma hidrelétrica sem água, de uma barragem sem rio e de um samba do crioulo doido!
Então quais os objetivos ocultos? Transformar a Previdência – incluindo COFINS, CSLL, ativos dos planos de previdência e dos fundos de pensão, inclusive dos regimes próprios, dívida ativa – em instrumento de política fiscal, com a manipulação de R$ 2,4 trilhões (mais da metade do PIB), colocar o bode na sala com a necessidade de uma reforma adiável e enganar os trouxas “da plebe rude e da população ignara”, reduzir, se possível, o benefício assistencial, de 4 milhões de idosos e incapacitados, para meio salário mínimo, e criação de um salário de referência para as aposentadorias e pensões, para desvincular os benefícios pagos pelo INSS do reajuste do salário mínimo.
Não temos o monopólio da verdade, mas desejaríamos que a sociedade brasileira entendesse, como entendemos, que nada se faz por acaso.
A configuração é temerária (sem trocadilho) e injustificável.
Levar o Conselho de Recursos da Previdência Social para a Fazenda pra que? A parte relativa à receita já tinha sido levada para o CARF, que está no olho da corrupção, com a farra de “zelotes”. Os recursos são sobre benefícios e não sobre arrecadação. Não teria razão. Qual o objetivo oculto?
Levar Conselhos e secretarias fins da Previdência Social para Fazenda não se justificaria, pois não há um só país no mundo em que as políticas de Previdência Social pública estejam no âmbito de Ministérios da Economia, de Finanças ou de Fazenda.
Levar a Dataprev para a Fazenda só se for para fundir com o Serpro, destruindo uma cultura de 50 anos de informática ou de TI – Tecnologia da Informação previdenciária. Os ignorantes não sabem que a DATAPREV nasceu no IAPI e no INPS e distanciá-la do INSS é cortar uma irmã siamesa;
É uma situação inacreditável e que nos deixou perplexos.
Fomos levados ao fundo do poço e ao pesadelo pelo descalabro do lulopetismo. Nossas expectativas eram de um novo horizonte, de esperanças para uma proteção social mais efetiva para os 65 milhões de segurados contribuintes da Previdência Social e os 28 milhões segurados beneficiários do RGPS e os 35 mil servidores ativos.
Ainda há tempo para corrigir o erro.
Lamento dizer mas o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, estava certo, quando indagou: “É essa gente que resta para governar o país, governar a gente?”
Sempre defendemos a gestão profissional da Previdência Social e um ministério com os plenos poderes de administrar o presente e definir o futuro de nossas gerações. Não mudamos de ideia nem desistimos.
Um país em que seu povo muda um governo pode muito bem mudar uma decisão sem lógica, sem razão, sem ética, sem futuro e com excesso de objetivos ocultos.
(*) Paulo César Regis de Souza é vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social-ANASPS.
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