A OMS (Organização Mundial da Saúde) abriu investigação sobre os resultados preliminares da pesquisa conduzida no Brasil que indica a possibilidade de a epidemia de microcefalia no Nordeste estar relacionada não apenas ao zika, mas também a um vírus que até então se imaginava afetar somente o gado. Os dados iniciais do trabalho, revelados ontem pelo Estado, já são considerados internamente pela OMS como “novas pistas” sobre o impacto da doença.
Pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio) e do Ipesq (Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto) encontraram em amostras de fetos com microcefalia provocada por zika traços do BVDV. Conhecido há mais de 50 anos por afetar rebanhos, como o gado, o vírus causa diarreia, problemas respiratórios, más-formações e abortos nos animais. “Fomos informados sobre esses resultados preliminares”, informou a OMS, em um comunicado enviado ao Estado. “Estamos levando a sério a questão, ainda que tenhamos muitas perguntas sobre as descobertas que ainda não foram respondidas.”
A OMS promete avançar no assunto, diante do que parece ser uma pista importante. “Estamos trabalhando com especialistas relevantes e com autoridades para encontrar respostas”, disse a agência de saúde da Organização das Nações Unidas.
No Brasil
Pesquisadores brasileiros se mostram igualmente cuidadosos. Eles alertam para o fato de que serão necessários estudos complementares, antes de fazer qualquer afirmação categórica sobre a relação entre o zika, o BVDV e a microcefalia no Nordeste. Ontem, resultados de novos exames trouxeram um pouco mais de segurança à equipe. Uma outra técnica de diagnóstico foi empregada e os resultados também foram positivos para o BVDV.
Para o grupo, no entanto, isso não basta. Maior certeza sobre a relação zika, BVDV e microcefalia somente será possível quando não apenas traços, mas o vírus inteiro for encontrado em amostras analisadas. “Além disso, é preciso verificar não apenas a presença do vírus, mas o seu papel no ataque das células do embrião infectado”, afirmou um integrante da equipe.
Pesquisadores estimam que nos próximos dias devam chegar a novas conclusões. No entanto, eles precisam de recursos para que a pesquisa siga em frente. Todos os recursos usados até o momento neste trabalho foram obtidos com outras linhas de estudo. Não houve nenhum financiamento específico para a pesquisa com zika.
O Ministério da Saúde, que recebeu o pedido de aporte de verbas, informou ontem que o assunto está sendo tratado como prioridade e uma liberação deverá ocorrer em breve. A fonte dos recursos, no entanto, ainda não foi definida.
A ideia de pesquisar uma eventual relação entre o BVDV e o surto de microcefalia no Nordeste não foi à toa. Além de os dois vírus pertencerem à mesma família (Flaviviridae), o BVDV provoca em embriões de gado infectados más-formações que se assemelham às que são constatadas em bebês com síndrome causada pela zika: microcefalia e artrogripose (problema que atinge as articulações).
Na OMS, em Genebra, grupos de especialistas nos últimos meses reforçaram as suspeitas de que microcefalia poderia estar associada a mais de um vírus, além do zika. Testes relacionados com vários cenários chegaram a ser feitos, incluindo com suspeitas de uso de fertilizantes. Até o momento, porém, nenhuma resposta convincente foi descoberta.
Emergência internacional
Em uma reunião realizada no mês passado, a OMS reforçou a necessidade de se criar um plano de trabalho até 2017 para permitir que a pesquisa no setor seja incrementada, justamente para cruzar informações e realizar estudos sobre o impacto de outras doenças e vírus combinados com o zika vírus. Um dos obstáculos, porém, tem sido a falta de recursos e de doadores, que têm sido pouco solidários.
A esperança agora da diretora-geral da OMS, Margaret Chan, é de mobilizar governos e especialistas para que respostas comecem a ser encontradas. Esse foi, segundo a OMS, um dos motivos que levaram a entidade a declarar o zika, e não apenas a microcefalia, como emergência internacional.