É que, sendo essa forma de estado caracterizado pela ação contundente da lei em todas as áreas da vida, a lacuna existente quando do trato ao dependente químico, gera dúvidas e debates intermináveis. Mormente quanto às discussões acerca da possibilidade de internação involuntária dos usuários de drogas.
Atualmente, o regramento normativo que disciplina a questão é a lei 10.216 de 6 de abril de 2001 que, em seu art. 6º, § único, inc. III, ao se referir às formas de internação, apregoa como uma de suas espécies a internação involuntária. Esta, entretanto, deverá ser precedida por termo escrito de solicitação do familiar ou responsável legal (numa interpretação à contrário sensu do transcrito no art. 8º, § 2º).
Contudo, a prefalada lei diz respeito à internação das pessoas acometidas de transtornos mentais. De fato, o uso de substancias entorpecentes é fator de risco ao sistema encefálico humano, pois, na grande maioria das vezes, essas substancias agem diretamente no sistema nervoso central e, por essa ação contundente, causa a dependência num curtíssimo espaço de tempo. A mente, então, se acostuma com os efeitos psicoativos dos seus elementos constitutivos e a ânsia por euforia, alegria e prazer momentâneos que a droga causa ficam mais fortes e a necessidade de quem a ela credita todos os bons sentimentos da vida são potencializados e, sem que perceba, torna-se viciada.
Por esses e outros motivos, o dependente químico é considerado, para os parâmetros legais, um transtornado mental e, por essa via, é agasalhado pelo dispositivo da lei. Logicamente que, não todo usuário é que será considerado como tal, mas apenas e tão somente, os casos de maior protuberância. Os que apresentam um estado de maior dependência e que essa seja então um fator prejudicial em sua vida, sob os aspectos social e familiar.
Mas a questão quanto ao internamento continua. No Brasil, não é crime o suicídio e nem sua tentativa, por dois motivos óbvios: quanto ao primeiro, como punir o morto? Pelo segundo, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, garante a todos o direito à vida e a sua disponibilidade (leia-se, sua direção/condução, mesmo que contrário a moral e aos bons costumes, logicamente, desde que não infrinja os direitos de outrem). Nesta temática, como internar involuntariamente o usuário?
A lei 13.146 de 6 de julho de 2015, que alterou dispositivos do Código Civilbrasileiro, continua a tratar os viciados como relativamente incapazes. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 3º, considera a liberdade como um direito indisponível do ser humano. Ademais, o art. 28 de lei de drogas (lei 11.343/06) não considera crime a conduta do usuário e, por isso, não o priva da liberdade, mas, ao contrário, estipula admoestação e medidas preventivas de conscientização sobre os efeitos prejudiciais das drogas.
Realmente, como a muito se fala, o caso envolve saúde pública. Não se trata, como se pode ver, de um problema policial.
Mas e o internamento?
O sofrimento dos familiares pode fundamentar a internação contra a vontade do usuário? A agonia da mãe, do pai, da esposa e/ou do marido, a aflição dos filhos ao ver o pai afundar mais a cada dia no poço imundo e escuro das drogas, pode, realmente, servir de supedâneo à internação?
Difícil decidir. Se o usuário é considerado um relativamente incapaz, sua internação talvez soe como um absurdo em tempos de direitos e garantias fundamentais. No entanto, o sofrimento deflagrado no seio familiar pelo uso imoderado das drogas, não pode e nem deve ser ignorado pelos operadores do Direito. O tema é controverso e, quando sopesado às teorizações do direito (p. Ex. A teoria positiva de Hans Kelsen e as observações de Robert Alexi e Ronald Dworkin, quando da distinção entre regras e princípios e a não aceitabilidade de direitos absolutos – como a liberdade), o conflito exsurge onde a argumentação retórica é a regra.
Assim, segue a questão em comento ainda no solo das teses a serem concluídas: PODE O DEPENDENTE QUIMICO SER INTERNADO CONTRA A SUA VONTADE?