O acidente ocorrido na tarde desta quinta-feira na Lagoa causando a morte de duas turistas argentinas e ferimentos em quatro parentes foi uma tragédia anunciada. Moradores próximos da esquina da Avenida Alexandre Ferreira com a Rua General Tasso Fragoso, vias internas do bairro da Lagoa, dizem que reclamam com a prefeitura há anos sobre o perigo a que motoristas se expõem nesse cruzamento.
O motivo principal é que motoristas que seguem pela Avenida Alexandre Ferreira e entram em seguida na Avenida Lineu de Paula Machado, que é uma sequência da primeira, preferem dobrar à esquerda para acessar a Avenida Borges de Medeiros pela Rua Tasso Fragoso. Isso se dá porque eles querem evitar ficar parados no sinal de trânsito mais adiante, na Lineu de Paula Machado, alegando que demoram demais para acessar a Borges de Medeiros.
Além disso, carros estacionados ao longo do canal que divide as pistas da via dificultam a visibilidade de quem quer entrar na Rua Tasso Fragoso para acessar a Borges de Medeiros. Foi o que aconteceu na tarde de quinta-feira no acidente envolvendo os turistas argentinos. Num carro alugado, o grupo seguia pela Avenida Alexandre Ferreira e entrou à esquerda para cruzar a pista no sentido contrário e acessar a Tasso Fragoso. Uma picape que seguia pela Lineu de Paula Machado em direção ao Humaitá e cruzava a Rua Tasso Fragoso bateu na lateral do carro onde eles estavam matando a mulher do motorista e sua sogra, que estavam do lado direito do veículo.
– Moro aqui há 20 anos e quase semanalmente acontecem acidentes. Muitos motoristas fogem da demora do sinal em frente à Hípica e pegam a Rua General Tasso Fragoso exatamente para cortar caminho para a Lagoa. Só que gera um fluxo de tráfego muito grande num trecho muito pequeno residencial. Há carros estacionados no canteiro central que atrapalham a visão de quem vai atravessar a rua. Os carros que vêm da Lineu de Paula Machado chegam em alta velocidade. Já enviei ao menos seis mensagens e e-mails para a CET-Rio alertando sobre o perigo desse cruzamento. Já houve acidentes anteriores wm que carros invadiram a sede do Vasco da Gama. Muita gente fala em pôr sinal, quebra-mola, mas acho que não cabem essas alternativas. A solução mais simples seria inverter a mão do trecho da Rua Tasso Fragoso, entre a Borges de Medeiros e a Alexandre Cardoso para acabar com esse atalho que as pessoas pegam para a Lagoa – sugeriu o consultor Marcus Verol, que mora e é síndico de um edifício da Tasso Fragoso, bem na esquina perigosa.
Verol afirmou que mesmo após a insistência nos contatos com a CET-Rio nunca recebeu respostas.
– Nunca recebi resposta da CET-Rio. Ontem mesmo, falei com o pessoal da companhia que estava aqui por causa do acidente e eles disseram para ligar para o 1746. Mas isso já foi feito no passado. Mas nenhuma resposta a gente recebeu ao longo desses anos todos que vimos avsando. Pelo menos uns seis contatos e envio de fotos nós já fizemos – contou.
Um dos e-mails enviados à CET-Rio foi no dia 10 de dezembro de 2012 com o assunto “Avaliação de cruzamento perigoso na Lagoa. Ana Lúcia Cerol, mulher de Marcus Verol, encaminhou a mensagem a Marize Queiroz que, à época, pertencia à Coordenadoria Regional de Tráfego da Zona Sul. Nele, Ana Lúcia diz:
“Moro na esquina da Rua General Tasso Fragoso com Avenida Alexandre Ferreira, ponto em que esta passa a ser chamada de Lineu de Paula Machado. Como a rua Alexandre Ferreira é de mão dupla e a rua General Tasso Fragoso, a partir do cruzamento, dá mão de um lado para a Rua Jardim Botânico e do outro para a Avenida Borges de Medeiros, este cruzamento permite transito de carros para todos o lados. Quase que semanalmente, há acidentes. As fotos anexadas são de um acidente que aconteceu na sexta-feira (07/12), por volta das 12h. Por sorte não havia ninguém na calçada aonde um dos carros subiu. Normalmente, neste horário, há no local atletas do Vasco conversando e pedestres aguardando para atravessar.
Nós, moradores, sabemos quando entramos na Rua General Tasso Fragoso sentido Lagoa, que os carros estacionados no canteiro da Lineu de Paula Machado impedem a visão dos carros que estão vindo no sentido Humaitá e tomamos cuidado com o cruzamento. Entretanto, quem não possui o hábito de passar pelo local pode não perceber que há um ponto cego, o que pode estar causando os acidentes.
Assim, solicito que sejam analisados meios de tornar o cruzamento mais seguro e a possibilidade de bloquear o estacionamento no canteiro da Rua Lineu de Paula Machado nos locais que atrapalham a visão do motorista que está entrando no cruzamento”, escreveu ela.
No dia 2 de janeiro de 2013, Ana Lúcia enviou novo e-mail cobrando resposta. Nessa nova mensagem ela diz:”Com relação às minha mensagens abaixo gostaria de saber se já foi realizada alguma análise do cruzamento. Informo que após o envio do e-mail já ocorreu um outro acidente em que um motociclista ficou muito machucado em um quase atropelamento de um casal. Informo ainda que desde antes do Natal a há uma Kombi estacionada no canteiro central da via impedindo completamente a visão dos motoristas que estão entrando na Rua General Tasso Fragoso, sentido Lagoa”.
No dia 29 de agosto de 2014, Ana Lúcia Verol volltou a alertar a CET-Rio.
“Conforme relatado nos e-mails abaixo, moro, há 20 anos, na esquinas das ruas General Tasso Fragoso com Alexandre Ferreira, ponto em que esta passa a ser chamada de Lineu de Paula Machado . Durante todo este tempo presenciei diversos acidentes de carros. No final de 2012, resolvi fazer contato com a CET Rio para solicitar uma avaliação do cruzamento. Nunca recebi respostas às minhas solicitações e os acidentes continuaram a ocorrer. Ontem aconteceu um leve e, hoje, por volta das 7:45 aconteceu um outro acidente que poderia ter sido de enormes proporções, pois foi entre duas vans, sendo uma de transporte escolar!!! Cabe ressaltar, que esses acidentes quase sempre terminam com um dos carros em cima das calçadas e que por muita sorte nos últimos deles não havia pedestres no momento da colisão, vez que há grande movimentação de crianças esperando transporte, atletas do remo do Vasco entrando e saindo e todos os outros moradores da redondeza se encaminhando à Lagoa ou à Rua Jardim Botânico. Acredito que o problema é de fácil solução, já que a maioria dos acidentes ocorre por falta de visão do motorista que entra na General Tasso Fragoso (sentido Lagoa), em função dos carros que ficam estacionados no canteiro da Rua Lineu de Paula Machado. Peço, mais uma vez, que este cruzamento seja avaliado e que sejam tomadas providências que mitiguem os riscos de acidentes”, escreveu Ana Lúcia mais uma vez.
Na manhã desta sexta-feira, dois engenheiros de transportes da CET-Rio estiveram no local para iniciar estudos para modificar o trânsito para evitar novos acidentes. Um deles disse que a iniciativa partiu da própria prefeitura e que, buscando nas ouvidorias da Secretaria de Transportes e da CET-Rio, não encontrou nenhuma reclamação de usuários nem de moradores em 2017.Também nesta sexta-feira, Marcos Almeida, administrador da sede Náutica do Clube Vasco da Gama, que teve a parte dos fundos destruída pela terceira vez em três anos por causa de acidentes no local, foi com funcionários nos fundos da sede limpar os vestígios do desastre a fim de, mais uma vez, iniciar a reconstrução do espaço.
– Aqui tem acidente mês sim, mês não. Isso é um absurdo. Por sorte não tinha nenhum atleta nessa área. Agora vamos pensar uma forma de evitar novas destruições à sede Náutica. Estamos pensando em colocar obstáculos na calçada para evitar a colisão com a estrutura do prédio. Mas, certamente, observando as normas da prefeitura – disse Marcos Almeida.
O contador Hélio Guimarães, que mora na Avenida Alexandre Ferreira, disse que a maioria dos acidentes são provocados pela visibilidade prejudicada em função dos carros parados no estacionamento na calçada e também pela alta velocidade dos veículos que seguem pela Lineu de Paula Machado sentido Humaitá.
– Eu mesmo quando saio de casa para pegar a Borges de Medeiros entro à esquerda para acessar a Tasso Fragoso porque é muito mais rápido. O sinal de trânsito na Lineu de Paula Machado perto da hípica, que dá acesso à Borges de Medeiros, demora 30 segundos, tempo que as pessoas acham que demasiado – comentou.
O administrador de empresas Marcelo Mattos diz achar necessária a inversão de mão no trecho da Rua General Tasso Fragoso, que dá acesso à Avenida Borges de Medeiros.
– É necessário que o sentido seja contínuo na Tasso Fragoso no sentido Jardim Botânico. Ou então que impeçam que essa calçada central seja um estacionamento. Ou ainda que instalem um sinal de trânsito no local – sugeriu.
Fabrício Alves da Silva, de 23 anos, que trabalha levando cachorros para passear, disse que estava na hora do acidente e viu tudo.
– Estou tremendo até agora. Nunca mais vou esquecer daquele momento. Foi um acidente muito grave. Vi o motorista falando pelo WhatsApp com alguém. Foi muito triste. A mulher que estava do lado dele e a outra que estava atrás dela, na parte direita do carro, foram as pessoas que morreram. As crianças (filhos do motorista e da passageira que faleceu) estavam chorando muito e uma médica que passou pelo local tentou acalmá-las e socorrer os feridos – contou Fabrício ainda muito emocionado.
Já o economista Guilherme Siepmann saiu de casa quando viu um carro da CET-Rio parado próximo ao local para conversar com os engenheiros de Transportes e sugerir que reponham um espelho côncavo que havia na esquina para evitar acidentes com motoristas que seguem pela Avenida Alexandre Ferreira em direção à Lineu de Paula Machado.
– Os carros fazem uma fila enorme para entrar à esquerda na Alexandre Ferreira e pegar a Tasso Fragoso em direção a Borges de Medeiros. Quem está seguindo em direção à hípica precisa sair da fila e seguir em frente. O perigo está no retorno que pessoas que estão na Lineu de Paula Machado fazem para voltar ao sentido hípica. A quantidade de carros parados para entrar na Tasso Fragoso em direção à Avenida Borges de Medeiros é muito grande e impede a visão de quem está fazendo o retorno. Muitos acidentes já aconteceram aqui por causa disso – contou ele aos agentes da CET-Rio.
Segundo a Secretaria municipal de Saúde, das quatro vítimas sobreviventes do acidente, dois adultos tiveram alta e as duas crianças foram transferidas para um hospital da rede privada.
Acidente em 2018 (acima); acidente em 2012 (abaixo)
Fonte: O Globo
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