Considerado o padrão-ouro no diagnóstico de COVID-19, os testes de RT-qPCR (transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase quantitativa, na sigla em inglês) são realizados hoje, em sua maioria, em um modelo chamado singleplex, em que material genético do novo coronavírus (SARS-CoV-2), extraído de amostras de secreção do fundo da garganta ou do nariz dos pacientes, é processado em quatro tubos, com diferentes marcadores de detecção. Esse procedimento torna o exame caro e demorado, limitando a aplicação, avaliam especialistas.
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Por meio de um projeto apoiado pelo Programa Fapesp Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), a startup Cellco Biotec, estabelecida em São Carlos, no interior de São Paulo, está desenvolvendo um kit de diagnóstico de COVID-19 por RT-qPCR pelo método multiplex, em que todas as reações ocorrem em único tubo.
Segundo pesquisadores da empresa, o método possibilita não só realizar testes de RT-qPCR de uma amostra muito maior de pacientes de uma única vez como também barateá-los, uma vez que a quantidade de reagentes utilizados será menor.
Seleção
O projeto foi um dos seis primeiros selecionados em um edital lançado pelo Pipe-Fapesp em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), para apoiar o desenvolvimento de produtos, serviços ou processos criados por startups e pequenas empresas de base tecnológica no estado de São Paulo, voltados ao combate à enfermidade.
“A proposta é entregar ao mercado brasileiro, em breve, um kit de detecção do tipo RT-qPCR multiplex totalmente nacional”, diz Naiara Utimura Torres, pesquisadora responsável pelo projeto, ao boletim Pesquisa para Inovação.
De acordo com a cientista, além da diminuição do custo, a realização do teste de RT-qPCR pelo método multiplex permitirá testar mais amostras em uma mesma faixa temporal. Atualmente, a maioria das máquinas utilizadas em laboratório para o processamento dos testes do tipo RT-qPCR tem capacidade para 96 tubos amostrais.
Essa capacidade limitada das máquinas permite que em uma mesma rodada de análise, que dura por volta de duas horas, seja possível saber, de uma única vez, se 24 pacientes foram infectados pelo vírus, uma vez que cada amostra de secreção é avaliada em quatro tubos diferentes.
Pelo método proposto pela Cellco, será possível analisar as amostras de 96 pessoas, de uma única vez, no mesmo período de tempo. “Isso será possível porque os fragmentos do material genético do vírus, que são usados para detectá-lo, serão analisados só uma vez, em um único tubo”, explica Torres.
Desafio biotecnológico
De acordo com a pesquisadora, um dos maiores desafios no projeto é produzir um meio reacional único, onde as quatro enzimas usadas de forma isolada durante o teste de RT-qPCR convencional possam desempenhar a mesma função e de forma bastante harmônica, dentro de um único tubo.
“Sempre é necessária a ação de quatro enzimas para realizar testes de RT-qPCR”, afirma Torres. Uma das enzimas, chamada transcriptase reversa, é usada para converter o genoma do vírus SARS-CoV-2 de RNA para DNA. Outra enzima é responsável por inibir a degradação do RNA viral, e a terceira, por dar o sinal por fluorescência de que há material genético do vírus na amostra.
Se o vírus estiver presente na amostra, seu material genético será replicado milhões de vezes e a luz emitida por moléculas fluorescentes ligadas às sequências de DNA será registrada pelo sensor do equipamento de análise como um sinal da infecção. Dependendo da intensidade dessa luz, é possível até estimar a quantidade de vírus presente no paciente.
Já a quarta enzima é encarregada de garantir a especificidade do teste, ou seja, de que realmente detectou a infecção pelo SARS-CoV-2, sem nenhuma contaminação cruzada, explica a pesquisadora. “Estamos realizando testes agora para garantir que essas quatro enzimas vão trabalhar em harmonia em um mesmo meio de reação”, afirma Torres.
Demanda
Segundo a pesquisadora, com o surgimento da pandemia de COVID-19 algumas empresas estrangeiras desenvolveram e lançaram testes RT-qPCR pelo método multiplex no mercado. Esses testes importados, porém, têm custo alto em razão do câmbio e da alta demanda por testes de diagnóstico da doença.
Atualmente, a empresa já produz 90% dos insumos necessários para compor o teste-padrão do tipo RT-qPCR, validados por meio de uma parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Também chamado de teste molecular, o exame do tipo RT-qPCR possibilita identificar o vírus logo no início da infecção, a partir do terceiro até o sétimo dia do início dos sintomas, e isolar mais rapidamente os pacientes de modo a diminuir o contágio.
Já os testes sorológicos, que verificam a resposta imunológica ao coronavírus, são capazes de constatar a doença em uma fase mais tardia – a partir do décimo dia do início dos sintomas, quando já foram produzidos os anticorpos.