A hipertensão arterial é muito comum entre pacientes que passaram por um transplante de coração, ocorrendo em até 95% dos casos após os primeiros cinco anos de cirurgia. De acordo com um estudo conduzido na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na Universidade de São Paulo (USP), a prática regular de exercícios físicos pode ser uma forma de amenizar o problema.
O estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e publicado no European Journal of Preventive Cardiology, mostrou que a atividade física não apenas reduz a pressão arterial como aumenta a capacidade cardiorrespiratória de pessoas transplantadas.
A melhora foi ainda mais significativa em pessoas com evidências de reinervação do músculo cardíaco, ou seja, aquelas cujos nervos voltaram a crescer em volta do novo órgão transplantado.
“Durante a cirurgia, os nervos que fazem o controle dos batimentos cardíacos são cortados para a retirada do coração doente. Há indivíduos que apresentam boa reinervação do órgão transplantado após a cirurgia, principalmente durante o primeiro ano. Outros nem tanto, podendo até não apresentar nenhum sinal de reinervação”, explica à Agência Fapesp Emmanuel Gomes Ciolac, professor da Faculdade de Ciências da Unesp, em Bauru, e coordenador do estudo.
Qualidade de vida
Segundo o pesquisador, mesmo tendo uma boa recuperação e melhora da qualidade de vida, boa parte dos pacientes operados apresenta alterações nos batimentos cardíacos, que ficam mais elevados no repouso e respondem mais lentamente ao esforço físico. “Esse prejuízo da inervação cardíaca, em conjunto com o uso de medicamentos para evitar a rejeição do órgão transplantado, está associado a um maior risco de desenvolver hipertensão arterial”, conta.
No experimento descrito no artigo, um grupo de pacientes que havia recebido um novo coração há mais de um ano – período em que acontece a maior parte da reinervação do órgão transplantado – foi submetido a uma rotina de exercícios e avaliado segundo a capacidade cardiorrespiratória e a pressão arterial.
Mesmo pacientes que não tinham evidências de reinervação obtiveram melhora nos dois quesitos. Porém, os benefícios foram maiores nos pacientes com sinais de reinervação.
Estudo
A pesquisa integra o projeto “Efeitos da atividade física em piscina aquecida versus atividade física em solo na densidade mineral óssea, capacidade física e composição corporal em transplantados cardíacos”, financiado pela Fapesp.
De acordo com Ciolac, nos pacientes sem evidência de reinervação os batimentos cardíacos aumentam menos e mais lentamente durante as sessões de exercício. Tal fato pode explicar por que nesses indivíduos a prática de atividade física resultou em menor redução da pressão arterial.
“Essa resposta cardíaca reduzida pode ter promovido menores adaptações cardiovasculares, incluindo a pressão arterial e a capacidade cardiorrespiratória”, afirma.
Não existem ainda intervenções, sejam farmacológicas ou cirúrgicas, que possam aumentar a reinervação após o transplante.
Voluntários
Foram selecionados 33 pacientes para o estudo. Destes, 16 tinham evidência de reinervação cardíaca e 17 não tinham. Para saber quais voluntários se enquadravam em cada grupo, os pesquisadores usaram uma metodologia conhecida pela sigla CPX (acrônimo em inglês para teste de esforço cardiopulmonar).
Para serem considerados com evidência de reinervação cardíaca, os pacientes caminhavam em uma esteira ergométrica e tinham de se enquadrar em pelo menos dois de três critérios.
Nos primeiros 60 segundos de caminhada, a frequência cardíaca deveria subir pelo menos cinco batimentos por minuto (bpm). Em seguida, quando o voluntário atingisse o maior esforço possível, a frequência deveria chegar a 80% do máximo previsto para a sua idade. Por fim, no primeiro minuto após o término do esforço, a frequência cardíaca deveria diminuir ao menos um bpm. Quem não se enquadrasse em nenhum dos critérios era classificado como “sem evidência de reinervação”.
Estes critérios foram baseados em estudos que analisaram a resposta cardiovascular ao CPX em pacientes com e sem reinervação. Para fazer parte do estudo, os voluntários tinham de ser considerados sedentários ou insuficientemente ativos, não tendo realizado atividade física ou exercício de forma regular nos seis meses anteriores. Além disso, não podiam ter nenhum tipo de doença que influenciasse os resultados.
Depois da divisão em dois grupos, cada um dos 33 pacientes, com idades entre 20 e 60 anos, foi submetido por 12 semanas a uma rotina de treinamento. Duas vezes por semana, eles realizavam uma sequência composta de cinco minutos de aquecimento, 30 minutos de caminhada ou corrida leve numa esteira ergométrica, uma série de 10 a 15 repetições de cinco exercícios de musculação e, por fim, cinco minutos de alongamento.
Sessões
O treinamento era realizado no Laboratório de Estudos do Movimento do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HC-FM) da USP ou no Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepe). Nos fins de semana, os voluntários realizavam uma terceira sessão de 30 minutos de caminhada ou corrida leve, sem supervisão, no local que preferissem (podia ser em casa, na rua, em praça ou parque público, por exemplo).
Antes e ao fim das 12 semanas do estudo, os pacientes tiveram a pressão arterial medida por 24 horas seguidas com um aparelho de monitoração ambulatorial. Os dois grupos obtiveram melhora após o programa de exercícios, porém, os pacientes com evidência de reinervação obtiveram redução na pressão sistólica e diastólica, enquanto os pacientes sem evidência de reinervação reduziram apenas a pressão diastólica, que foi em menor magnitude e por um número menor de horas.
Capacidade cardiorrespiratória
Testes cardiorrespiratórios mostraram que os voluntários com evidência de reinervação aumentaram o consumo máximo de oxigênio em 10,8% e a tolerância ao exercício em 13,4%, enquanto os sem reinervação aumentaram apenas esse último item, em 9,9%. A chamada velocidade de onda de pulso não mudou em nenhum dos grupos.
“Este é um teste que mede a rigidez arterial por meio de sensores colocados sobre a artéria carótida e femoral, calculando a velocidade que o pulso arterial demora para percorrer esse trajeto. Quanto mais veloz, mais rígida a artéria e pior o prognóstico. Quanto mais lento, mais elástica a artéria e melhor o prognóstico. Isso não melhorou em nenhum dos dois grupos”, conta Ciolac.
Outros estudos já haviam demonstrado que a prática de atividade física beneficia pessoas com hipertensão arterial. O trabalho mostra que o mesmo se aplica àqueles que passaram por transplante de coração. Além disso, traz novas evidências para a importância da reinervação cardíaca após o transplante, o que pode inspirar novas pesquisas com o objetivo de entender melhor o processo de reinervação para poder melhorá-lo.
“O exercício tem boas implicações para a qualidade de vida da pessoa que recebeu transplante cardíaco. Mesmo os pacientes sem evidência de reinervação aumentam a sua tolerância ao esforço, melhorando sua capacidade para realizar as atividades comuns do dia a dia, por exemplo. As recomendações para o exercício em transplantados são similares àquelas para qualquer pessoa com risco cardiovascular: antes de começar, fazer uma avaliação clínica para verificar o estado geral de saúde e identificar possíveis riscos associados ao esforço físico. Depois, ter uma rotina de treinamentos orientada por um profissional de educação física capacitado”, diz o pesquisador.
O artigo (em inglês) pode ser lido em https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/2047487319880650.