Um projeto de pesquisa desenvolvido pelo Instituto de Pesca (IP), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, busca compreender de que forma o setor da pesca encara a questão da sustentabilidade dos recursos pesqueiros. “Hábitos e preferências de consumo variam muito entre as regiões do Brasil, seja por diferenças de origem e oferta de produtos, pela disponibilidade de outros tipos de carne, por diferenças na produção, ou mesmo por questões culturais”, afirma Marie Anne Najm Chalita, pesquisadora do IP que coordena o projeto.
De acordo com ela, para atender à crescente demanda do brasileiro por pescado, a indústria aumenta a exploração dos organismos de maior preferência do consumidor e, por sua vez, o perfil do consumo reforça as características predatórias da atividade, num mercado marcado pelo baixo valor agregado, o que acaba impactando as populações dessas espécies-alvo.
“O preço do pescado também é fator inibidor do consumo sustentável e define, em grande medida, as espécies de peixe e frutos do mar que serão adquiridas”, acrescenta. Marie Anne pontua que uma das dificuldades em tornar o consumo do pescado sustentável no país é a falta de instrumentos institucionais de qualidade que orientem o consumidor no ato da compra.
“Quando a qualidade não estabelece a relação entre espécie, características sensoriais e situação dos estoques de maneira transparente, junto ao consumidor, a atividade pesqueira permanece operando com um custo de extração, mas não de exploração do recurso natural, isto é, há reposição de custos privados, mas não de custos públicos derivados do esgotamento dos recursos pesqueiros”, argumenta. “Isso ocasiona sobrepesca e comprometimento da rentabilidade da atividade, característica histórica da estrutura do mercado do pescado”, complementa.
Controle
De acordo com a especialista, apesar de estudos científicos mundo afora indicarem uma tendência de esgotamento dos recursos pesqueiros decorrente da sobrepesca em muitas regiões oceânicas e mesmo em águas continentais, ainda são poucas as ferramentas efetivas no controle dos processos de exploração. No Brasil, a situação não é diferente.
“As políticas públicas voltadas à proteção da biodiversidade, no caso da pesca, compõem-se pela emissão de licenças onerosas e pela definição de períodos de defeso e, no caso do cultivo, por licenças ambientais”, elucida Marie Anne. Segundo ela, tais políticas incitam pouca adesão do mercado à sustentabilidade, fazendo com que questões relacionadas à biodiversidade sejam observadas apenas quando há “posicionamentos voluntaristas dos agentes econômicos” em circunstâncias comerciais específicas.
Nesse contexto, o projeto do IP, órgão da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, busca analisar os motivos que levam o mercado do pescado brasileiro a ser pouco flexível às imposições de ordem ambiental, não internalizando os limites de sustentabilidade da atividade pesqueira. “Parte deste setor é sensível a esta questão, mas parte não”, avalia a pesquisadora do Instituto.
“Na maior parte das vezes, a pesca comercial de grande escala, por exemplo, visa a atenuar barreiras ambientais originárias do campo das políticas públicas, que são tidas como barreiras aos negócios”, avalia, ao adicionar que, atualmente, tem sido mais difícil avançar nesse tema, devido à recessão econômica derivada da atual pandemia.
Segurança alimentar
Conforme menciona a especialista do IP, o atual período de pandemia do coronavírus tem trazido à tona reflexões importantes sobre a sustentabilidade ambiental, enquanto elemento indissociável da promoção da saúde humana. “Várias frentes de discussão durante este período têm se debruçado sobre a necessidade de fazer o sistema agroalimentar global avançar no sentido da sustentabilidade ambiental, necessidade evocada principalmente pela insegurança alimentar e pela insegurança sanitária”, assegura.
Para Marie Anne, é essencial que a dimensão ambiental passe a ser frontalmente considerada num mundo de mercado globalizado. “Alinhar as transações econômicas a um consumo de massa ou a uma busca de redes de consumo mais exigentes em termos de sustentabilidade ambiental é um debate que não pode ser mais adiado”, aponta a pesquisadora. “Esse debate pode resultar, inclusive, em possibilidades mais favoráveis nos comportamentos futuros da balança comercial brasileira de pescado”, acrescenta.
Nesse cenário, a especialista vê como primordial o papel do consumidor enquanto agente responsável por pressionar e induzir mudanças nas cadeias produtivas. Para ela, a relação consumo-mercado adquire hoje quatro frentes de reflexão, a partir das possibilidades de ação dos consumidores, que podem ser:
– Para auxiliar os mercados a criarem dispositivos regulatórios que exijam intervenções estatais;
– Para que sejam criados dispositivos regulatórios por iniciativa própria dos mercados, auxiliando na segmentação da oferta (certificações, labels; criação de mercados paralelos de circuito curto);
– Como cidadãos, ao se expressarem no espaço público (fair trade, produção agrícola ou piscicultura orgânicas);
– Na criação de mercados de bens substitutos aos bens naturais (produção de carne de peixe em laboratório e difusão do veganismo, entre outros).