A CPI foi instaurada para investigar como 11 unidades de conservação foram criadas entre 2017 e 2018, em meio a denúncias de que os estudos ambientais e socioeconômicos exigidos por lei não teriam sido realizados ou teriam sido forjados. O caso ganhou ainda mais repercussão quando se descobriu que empresas privadas passaram a explorar créditos de carbono nessas áreas, com contratos de alto valor e sem retorno financeiro ao Estado.
O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Reservas Ambientais, instaurada pela Assembleia Legislativa de Rondônia, aponta vícios insanáveis na criação de 11 unidades de conservação no estado. Entre os nomes centrais citados nos depoimentos está o de Denison Trindade Silva, ex-coordenador de Unidades de Conservação da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam). Hoje, Denison integra o corpo técnico da empresa Permian Brasil, diretamente beneficiada pelos projetos de créditos de carbono nas áreas investigadas.
De acordo com o relatório final apresentado pelo deputado relator Pedro Fernandes e aprovado em plenário, diversos técnicos ouvidos sob juramento negaram qualquer envolvimento nos estudos que fundamentaram os decretos das reservas. O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) também confirmou que nenhuma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) foi registrada por Denison ou pelos demais servidores relacionados aos documentos. Mesmo assim, ele consta como responsável ou vinculado aos pareceres utilizados nos processos de criação das reservas.
Durante sua oitiva à CPI, Denison declarou ter conhecimento da criação das reservas, contudo, diante de questionamentos mais incisivos, ele reconheceu:
In loco não participei. Sim, participei da comissão técnica que avaliou esses estudos, esses levantamentos, na realidade. Então, de todas as 11 unidades de conservação, conheço basicamente seis unidades in loco.”
A CPI confrontou essas afirmações com o depoimento de diversos servidores. Um dos casos mais emblemáticos é o de Paulo Sérgio da Costa Lima, citado nos pareceres como gestor ambiental. Em seu depoimento, ele descreveu ter atuado apenas com apoio logístico, realizando tarefas como pilotar barcos, comprar combustível e levar marmitas, sem participação nos estudos técnicos de campo.
A situação foi resumida pelo assessor jurídico da CPI, João Francisco dos Santos, que declarou em sessão:
“Ele consta aqui na relação como Gestor Ambiental e ele disse que era um motorista que levava marmita e etc e etc.”
Outro exemplo é a engenheira florestal Priscila Rocha, também citada nos documentos, que negou ter feito levantamentos técnicos na área. Segundo os parlamentares, um parecer-padrão (nº 322) foi utilizado em todos os processos de forma genérica, sem a devida personalização ou especificidade para cada unidade.
A CPI ainda identificou que os estudos socioeconômicos apresentados como base legal para os decretos foram feitos fora da área das reservas. No caso da Estação Ecológica Soldado da Borracha, os questionários foram aplicados em outra gleba, sem relação direta com a poligonal da unidade criada — fato confirmado por análises técnicas de coordenadas geográficas.
A conexão com a Permian Brasil

O mais grave é que Denison Trindade Silva atualmente ocupa o cargo de gerente regional de projetos da Amazônia na empresa Permian Brasil, conforme consta em seu site oficial:
🔗 permianbrasil.com/quem-somos
A Permian Brasil atua na Reserva Extrativista Estadual do Rio Cautário, uma das áreas sob investigação da CPI. Essa unidade foi contemplada com contratos milionários para geração de créditos de carbono, mesmo sendo criada sob os mesmos vícios apontados no relatório.
🔗 permianbrasil.com/resex-estadual-do-rio-cautario
🔗 permianbrasil.com/noticia/permian-brasil-homenagem-policia-ambiental-de-rondonia
O vínculo direto de um ex-servidor que participou da criação das áreas com a empresa que lucra com elas reforça o indício de favorecimento e levanta suspeitas de conflito de interesses e tráfico de influência.
Contrato com a Permian Brasil pode estar nulo por vício e está judicializado
Um dos elementos mais graves apontados no relatório final da CPI das Reservas diz respeito ao contrato firmado entre o Estado de Rondônia e a empresa Permian Brasil Serviços Ambientais Ltda., identificado pelo número 0028.563470-2019-90. Esse contrato, que envolve a exploração de créditos de carbono em áreas de reservas ambientais, foi declarado nulo por vício no procedimento de contratação e, atualmente, encontra-se judicializado.
Apesar de a comissão não ter se aprofundado nos detalhes técnicos dos contratos de carbono – em razão da não contratação de consultoria especializada, embora aprovada em requerimento parlamentar – os deputados identificaram irregularidades formais e legais suficientes para declarar a nulidade do contrato da Permian. O relatório recomenda que o Ministério Público e a Procuradoria-Geral do Estado adotem as mesmas medidas de auditoria para o contrato da empresa Biofílica Investimentos Ambientais, que atua em condições semelhantes .
Além da nulidade formal, a CPI levantou uma questão de interesse público relevante: o Estado de Rondônia atua apenas como interveniente nos contratos de carbono, sem qualquer retorno financeiro garantido pela comercialização dos créditos. Segundo o documento, não foi identificado nenhum percentual desses lucros destinados aos cofres públicos estaduais, o que acentua a suspeita de favorecimento a empresas privadas em detrimento do interesse coletivo .
Esse cenário agrava ainda mais a posição de Denison Trindade Silva, ex-coordenador de Unidades de Conservação da Sedam, que participou diretamente dos processos que deram origem às reservas investigadas e hoje integra o quadro da Permian Brasil — justamente a empresa cujo contrato foi anulado e está sob investigação.
Como funcionam os créditos de carbono?
Créditos de carbono são certificados que representam a redução de emissões de gases do efeito estufa. Cada crédito equivale a uma tonelada de CO₂ que deixou de ser emitida. Empresas compram esses créditos para compensar suas emissões.
No Brasil, projetos florestais em áreas de conservação podem gerar esses créditos. No entanto, é exigido que as unidades de conservação sejam legalmente criadas, com consulta pública, estudos técnicos válidos e pareceres embasados.
A CPI apontou que essas exigências não foram cumpridas. Mesmo assim, os créditos seguem sendo negociados por empresas como a Permian.
O relatório final da CPI recomenda:
• Anulação dos decretos que criaram as 11 unidades de conservação;
• Suspensão imediata dos contratos de crédito de carbono;
• Investigação das empresas envolvidas, incluindo a Permian Brasil;
• Abertura de processos administrativos e criminais contra os agentes públicos que assinaram ou participaram dos processos;
• Envio do relatório ao Ministério Público, Procuradoria-Geral do Estado e Tribunal de Contas de Rondônia.
As revelações da CPI não apenas expõem fragilidades nos mecanismos de criação de unidades de conservação, mas também levantam questionamentos sobre o modelo atual de exploração de créditos de carbono em Rondônia. Sem fiscalização adequada e com contratos firmados sob suspeita, o modelo que deveria garantir sustentabilidade pode estar servindo como instrumento de enriquecimento privado sem contrapartidas à população.
Sobre a CPI
Instaurada em abril de 2023, a Comissão Parlamentar de Inquérito das Reservas Ambientais teve como objetivo apurar possíveis ilegalidades na criação de 11 unidades de conservação no estado de Rondônia, além de investigar os contratos firmados com empresas privadas para exploração de créditos de carbono nessas áreas. A comissão foi presidida pelo deputado Alex Redano (Republicanos), tendo como vice-presidente o deputado Jean Oliveira (MDB) e como relator o deputado Pedro Fernandes (PRD). Também integraram a CPI os deputados Cirone Deiró (União Brasil), Lucas Torres (PP) e Taíssa Sousa (PSC). Ao longo dos trabalhos, os parlamentares realizaram oitivas com servidores, gestores e representantes de empresas, além de analisar contratos e pareceres técnicos. O relatório final concluiu pela existência de vícios insanáveis nos processos de criação das reservas, sugerindo responsabilizações administrativas, civis e criminais.
Da Redação – Folha Nobre