Na música Sapato 36, Raul Seixas fala de um pé que cresce e de um sapato que insiste em apertar. Na política brasileira de 2025, dá para olhar para o bolsonarismo e enxergar exatamente isso. O mito está preso, inelegível, e o campo da direita segue procurando alguém para caber no lugar que ele ocupava.
Embora digam que sim, os filhos não calçam 36, a esposa não calça 36, os chegados ao redor tampouco. O sapato do bolsonarismo ficou grande demais em alguns momentos e pequeno demais em outros, sufocado por crise, derrotas jurídicas e muito desgaste. Há uma crise aberta dentro do próprio campo conservador, com o grupo tentando se reencontrar sem o seu principal ativo em circulação.
É aí que entra Tarcísio. Foi inventado politicamente por Bolsonaro, virou governador de São Paulo e, desde então, faz um jogo duplo permanente. Em alguns momentos diz que nunca foi bolsonarista raiz e tenta se vender como gestor técnico, moderado, capaz de dialogar com mais gente do que o núcleo duro da extrema direita.
“Eu nunca fui bolsonarista raiz. Comungo das ideias econômicas principalmente desse governo Bolsonaro. A valorização da livre iniciativa, os estímulos ao empreendedorismo, a busca do capital privado, a visão liberal. Sou cristão, contra aborto, contra liberação de drogas, mas não vou entrar em guerra ideológica e cultural”, disse Tarcísio à CNN Brasil em dezembro de 2022.
Em outros momentos, abraça a base bolsonarista, fala em anistia, critica o Supremo e sobe em ato pró Bolsonaro, calculando cada palavra para não perder o espólio eleitoral do padrinho. Lideranças de centro-direita leem isso como estratégia para herdar esse campo em 2026, enquanto analistas apontam o risco de ele ficar marcado como oportunista, sempre em busca do ponto exato entre palanque radical e conversa com o centrão.
Enquanto isso, pesquisas mostram que quem gosta de Tarcísio é mais diverso do que quem gostava de Bolsonaro. Tem bolsonarista órfão, tem eleitor de Lula, tem gente que só quer um gestor que pareça mais calmo e menos incendiário. É nesse espaço que começa a ganhar forma uma nova etiqueta de direita, o tarcisismo.
O tarcisismo tenta ser a direita que soa moderna sem romper totalmente com a velha. Uma direita que fala em mercado, gestão, infraestrutura e, ao mesmo tempo, sinaliza para a base conservadora nos temas de costume. Não é o bolsonarismo raiz, não é centro clássico, não é terceira via pura. É a costura em que o pé 37 testa se o sapato passa pela aprovação do mercado, do centrão, do judiciário e ainda agrada a militância revoltada.
No fundo, é a história do sapato. Bolsonaro foi o 36 que apertou e feriu o sistema inteiro. Tarcísio é o pé 37 que experimenta, ajusta, flerta com todos os lados e tenta encontrar um calçado que não machuque demais quem manda no orçamento, mas ainda aqueça o coração da base. Ele já entendeu que precisa de um sapato que não aperte tanto quanto o do mito, mas também não pode ser confortável demais a ponto de virar mais do mesmo.
Se isso é construção de liderança ou só conveniência bem calculada, o tempo é que vai dizer. O fato é que o bolsonarismo está sem o dono da chapa e, enquanto isso, o tarcisismo testa o próprio tamanho na vitrine.
Na música, Raul canta “pois eu já escolhi meu sapato que não vai mais me apertar”. Na política, Tarcísio parece caminhar na mesma direção. A pergunta que fica não é só qual número ele calça, mas se o tarcisismo vai caber no país inteiro ou se vai apertar em algum ponto que ainda não apareceu no espelho.
Qual é o seu sapato na política? Com a consultoria certa, baseada em pesquisas sérias e análises isentas, dá para construir uma estratégia coerente e fortalecer sua carreira política sem andar com “sapato apertado” em eleição nenhuma.
Por Ivan Lara – estrategista, consultor de marketing político e especialista em comunicação governamental
