Cunha errou. Fachin também.
O presidente da Câmara dos Deputados, na formação da Comissão Especial para admissão da instauração de processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, não respeitou o Regimento Interno da Casa. Entretanto, a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 378 está baseada em situação fática diferente do equívoco cometido por Eduardo Cunha.
Para melhor compreender a questão, deve-se voltar ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados. O Capítulo VII daquele texto normativo tem como título “Do processo nos crimes de responsabilidade do presidente e do vice-presidente da república e de ministros de Estado” e estabelece os procedimentos adotados no caso, por exemplo, de processos que podem resultar em impeachment da Presidência da República. O Regimento Interno esclarece:
Art. 218. É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câmara dos Deputados o Presidente da República, o Vice-Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade.
§ 1º A denúncia, assinada pelo denunciante e com firma reconhecida, deverá ser acompanhada de documentos que a comprovem ou da declaração de impossibilidade de apresenta-los, com indicação do local onde possam ser encontrados, bem como, se for o caso, do rol de testemunhas, em número de cinco, no mínimo.
§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.
Um dos questionamentos na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 378 seria a não recepção de trechos da Lei n. 1.079/50 – que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento – pela Constituição Federal de 1988. Ocorre que parte dos dispositivos questionados foi reproduzida no Regimento Interno da Câmara dos Deputados que, como se sabe, possui status de lei ordinária federal, tendo sido aprovado após a entrada em vigor da CF/88 e cuja constitucionalidade não foi questionada. Todavia, esse não é o objeto principal deste ensaio. Nesse momento cabe destacar, em verdade, as normas que regem as Comissões Especiais:
Art. 33. As Comissões Temporárias são:
I – Especiais;
II – de Inquérito;
III – Externas.
§ 1º As Comissões Temporárias compor-se-ão do número de membros que for previsto no ato ou requerimento de sua constituição, designados pelo Presidente por indicação dos Líderes, ou independentemente desta se, no prazo de quarenta e oito horas após criar-se a Comissão, não se fizer a escolha.
Diante desse artigo, tem-se que a Comissão Especial prevista no art. 218 é uma espécie do gênero Comissão Temporária, devendo ser regida pelas normas expostas acima. Muito embora a Comissão Especial tenha sido criada em 03/12/2015 (quinta-feira) e o prazo estabelecido para a indicação dos membros sido esgotado em 07/12/2015 (segunda-feira), havia prerrogativa dos Líderes para indicarem os representantes de cada partido para a composição. Ainda que houvesse controvérsia sobre os componentes, não havia previsão regimental para uma votação em formato de chapas, sendo hermeneuticamente mais plausível a extensão do prazo de indicação, devido à complexidade da matéria, aos Líderes do que a criação de uma eleição para a escolha dos representantes.
Entretanto, esse não foi o entendimento, e fundamento, da decisão proferida pelo Ministro Edson Fachin na ADPF n. 378. Para justificar a suspensão da formação da Comissão Especial, o Ministro expôs seus argumentos da seguinte forma:
“Em relação ao pedido cautelar incidental que requereu a suspensão da formação da Comissão Especial em decorrência da decisão da Presidência da Câmara dos Deputados de constituí-la por meio de votação secreta, verifica-se, na ausência de previsão constitucional ou legal, bem como à luz do disposto no art. 188, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a plausibilidade jurídica do pedido, bem como, ante a iminência da instauração da Comissão Especial, o perigo de dano pela demora da concessão liminar requerida.”
A fundamentação, contudo, não encontra respaldo jurídico no dispositivo mencionado. O art. 188, inciso III, indica uma possibilidade jurídica, justamente, a contrário sensu do sustentado pelo Ministro, fulminando a plausibilidade da medida cautelar.
Art. 188. A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintescasos:
III – para eleição do Presidente e demais membros da Mesa Diretora, do Presidente e Vice-Presidentes de Comissões Permanentes e Temporários, dos membros da Câmara que irão compor a Comissão Representativa do Congresso Nacional e dos dois cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições;
Sendo assim, tendo sido deflagrado um processo de eleição, por meio de chapas, para a composição da Comissão Especial, não existe qualquer irregularidade na votação por meio de voto secreto. Muito pelo contrário, nesse ponto assiste integral razão ao Presidente da Câmara dos Deputados que seguiu a previsão regimental do art. 188, inciso III. Entretanto, conclui-se o ensaio destacando que, apesar de inexistir determinação legal que conduza a hipótese na qual os partidos não chegaram ao acordo quanto às indicações dentro do prazo, também não havia norma que permitisse a eleição, deixando questionamentos quanto a sua legalidade.