Quase um mês depois de o ex-presidente Lula entrar no olho do furacão da Lava Jato, com denúncias sobre um triplex no Guarujá e um sítio em Atibaia, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Governo decidiram sair da toca e defender publicamente sua principal liderança.
No sábado, um dia depois de se reunir com Lula, Dilma Rousseff disse que o ex-presidente “está sendo objeto de uma grande injustiça”. Nesta segunda foi a vez do PT se manifestar por meio de uma reunião do seu conselho político, formado por 31 membros. A portas fechadas, Lula se reuniu com lideranças para tratar, basicamente, de dois temas: as formas de retomada do crescimento econômico e as “investidas contra o Estado Democrático de Direito”, segundo nota enviada à imprensa.
Após o encontro, que durou cerca de quatro horas em um hotel na zona sul de São Paulo, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, evitou falar diretamente sobre Lula, direcionando o discurso para as “ameaças de violação” que o Estado pode vir a sofrer em decorrência dos fatos que levaram às acusações contra o ex-presidente e sugerem conexões com empreiteiras do esquema da Petrobras. “Há um risco efetivo de se gestar um embrião de um estado de exceção dentro de um Estado de Direito”, afirmou em uma coletiva de imprensa que durou oito minutos e foi encerrada após três perguntas de jornalistas.
O presidente do partido listou uma série de indícios para endossar sua tese de que é o Estado, e não apenas Lula, que está sendo violado: “prisões preventivas sem necessidade, a abolição do habeas corpus, delações forçadas, criminosos que depois de fazer delações são transformados em heróis na mídia”, afirmou. “Um conjunto de circunstâncias que não dizem respeito somente ao PT, mas à própria democracia do país”.
Horas antes do encontro, Falcão havia publicado uma nota em sua página no Facebook afirmando que os ataques a Lula seriam um dos “temas prioritários” da reunião. Na entrevista, porém, disse que não discutiram esse assunto, mostrando a dificuldade que o partido tem tido para afinar o discurso sobre o assunto que pode prejudicar as pretensões eleitorais do PT para 2018. Nos últimos dias, vozes dentro do partido diziam que o PT deveria se posicionar com mais força sobre as acusações contra Lula.
Ainda assim, Falcão foi questionado por jornalistas, após a reunião, sobre o sítio em Atibaia. O local, frequentado pelo ex-presidente, está sendo investigado sob a acusação de ter sido reformado por empresas envolvidas na Operação Lava Jato. Um dos donos do sítio é sócio de um dos filhos de Lula, mas a Justiça investiga se o ex-presidente não seria o verdadeiro dono da propriedade. “São denúncias infundadas, haja vista que o sítio tem escritura, tem nome e o proprietário faculta as visitas a quem quiser”, afirmou Falcão. “As pessoas têm que provar que são inocentes. Embora esse sítio esteja registrado em cartório em nome de outra pessoa, o presidente Lula tem que provar que esse sítio não é dele”, indignou-se.
Defesa do Governo
Apesar de não admitir fazer uma defesa institucional do ex-presidente, o Governo Dilma Rousseff, por meio de ministros e de seus representantes no Legislativo, tem se manifestado no sentido de contra-atacar os que acusam o petista de irregularidades. O principal ministro do PT, Jaques Wagner, da Casa Civil, disse na manhã desta segunda-feira que o ex-presidente é alvo de uma caçada. “É uma caça a uma liderança nacional. Poderia ser uma caça a bandidos, mas neste caso é uma caça praticamente constante”, afirmou, sem citar quem seriam os caçadores.
O líder do Governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE) foi além. Disse que o petista é alvo de um “massacre midiático”. “É uma injustiça. Vão atrás até de saber se ele comprou bebida A ou bebida B. É uma perseguição do tamanho de um oceano”, ponderou, também nesta segunda. Nas últimas semanas, reportagens de revistas e jornais brasileiros mostraram que o ex-presidente foi 111 vezes em quatro anos ao sítio e enviou parte de sua mudança (incluindo 37 caixas de bebida) do Palácio do Planalto para essa propriedade rural.
O contra-ataque dos petistas e de seus aliados também tem como objetivo minimizar eventuais danos à combalida gestão Rousseff, que é afilhada política de Lula. O temor do Governo é que a imagem dela possa se fragilizar ainda mais e dificultar a aprovação, pelo Congresso Nacional, de pontos considerados chaves pela administração, como a recriação da CPMF (imposto sobre movimentações bancárias) e as reformas previdenciária e trabalhista.
Havia a expectativa de que a pauta econômica, algo que divide o partido, fosse debatida na reunião do PT desta segunda. Falcão confirmou que o partido está elaborando um “Plano Nacional de Emergência” para o crescimento econômico, mas não entrou em detalhes. “Levaremos ao diretório”, disse, se referindo à reunião do diretório nacional, que ocorre no final do mês no Rio de Janeiro.
O conselho político do PT é um órgão consultivo criado no ano passado, durante o Congresso do partido em Salvador. Esta foi a segunda vez que o grupo se reuniu. Estavam presentes o prefeito de São Paulo Fernando Haddad, o governador do Acre Tião Viana, o assessor especial da presidência Marco Aurélio Garcia e o escritor e biógrafo de Lula, Fernando Morais, dentre outros.
Reunião com Dilma
A escalada de reações públicas do PT e seus dirigentes às denúncias ligadas ao ex-presidente Lula começou na sexta-feira. Dilma Rousseff e Lula se reuniram em São Paulo para debater as denúncias ligadas ao sítio de Atibaia e a um tríplex no Guarujá.
No dia seguinte, a presidenta saiu publicamente em defesa de Lula: “Acho que ele está sendo objeto de uma grande injustiça”, disse, em uma entrevista coletiva no Rio de Janeiro. “Respeito muito a trajetória do presidente Lula e tenho certeza de que esse será um processo que será superado porque acredito que o país, a América Latina e o mundo precisam de uma liderança com as características do presidente Lula”.
O ex-presidente e sua mulher prestarão depoimento pela primeira vez na condição de investigados nesta quarta-feira. À Justiça, Lula terá de esclarecer as acusações relacionadas ao sítio em Atibaia e ao tríplex no Guarujá. De acordo com Rui Falcão, diversos setores estão se mobilizando para ir até o fórum em São Paulo, onde o depoimento acontecerá, para prestar apoio ao ex-presidente.
Fonte: El País