Um documento da Igreja Católica com orientações a novos bispos estipula que “não é necessariamente o dever” dos religiosos reportar acusações de abuso sexual de crianças por membros do clero às autoridades e que tal atitude deve ser tomada pelas vítimas e por suas famílias.
O guia para bispos em treinamento estabelece que os sacerdotes devem observar as leis do país em que estejam, mas que o único dever deles é lidar com estes episódios através de procedimentos internos da Igreja.
“De acordo com o estado das leis civis de cada país onde informar [as autoridades] é obrigatório, não é necessariamente dever do bispo reportar os suspeitos às autoridades, à polícia ou a promotoria do Estado no momento em que eles passam a saber sobre crimes ou atos pecaminosos”, estabelece o documento.
As orientações foram elaboradas pelo monsenhor Tony Anatrella, consultor do Conselho Pontífice para a Família, e divulgadas pelo Vaticano no dia 01 de fevereiro com o objetivo de receber “sugestões para aprimorar a experiência”, segundo o cardeal canadense Marc Ouellet, como relata o jornalista John Allen, editor do siteCruxnow, que cobre o Vaticano.
Anatrella é conhecido dentro e fora da Igreja Católica por sua homofobia, tendo já dito, em 2005, que pessoas homossexuais são “imaturas, narcisistas e manipuladoras” e que a homossexualidade é “uma forma de imaturidade profunda da sexualidade humana”.
Allen observa que a Comissão Pontífice para a Proteção de Menores, criada pelo papa Francisco, aparentemente não exerceu nenhuma influência sobre o programa de treinamento de novos bispos, apesar de supostamente estar desenvolvendo estratégias para prevenir e lidar com o abuso clerical.
O guia reconhece que “a Igreja tem sido particularmente afetada por crimes sexuais cometidos contra crianças”, mas enfatiza estatísticas que mostram que a maioria dos abusos sexuais contra crianças são cometidos por membros da família, amigos e vizinhos.
Segundo Allen, o curso de treinamento para novos bispos começou a ser ministrado em 2001 e foi frequentado por cerca de 30% dos prelados católicos. As orientações sobre como proceder em caso de acusações de abuso de crianças foram apresentadas aos bispos em setembro do ano passado no curso anual de treinamento da Congregação de Bispos do Vaticano.
A Rede de Sobreviventes de Abusos de Padres (SNAP, na sigla em ingês), organização baseada nos EUA, afirmou que tal informação mostra que a Igreja Católica não mudou substancialmente em relação à questão. “É enfurecedor e perigoso que tantas pessoas acreditem no mito de que os bispos estão mudando a maneira em que eles lidam com o abuso e tão pouca atenção seja dada quando evidências do contrário – como mostra o artigo de Allen – aparecem”, declarou o grupo em comunicado ao jornal britânico The Guardian.
Fonte: Opera Mundi