No dia 20 de junho de 1990, o São Paulo venceu o Noroeste por 6 a 1 no Morumbi e se despediu do Campeonato Paulista daquela temporada, eliminado na fase de repescagem. Terminou na 15ª colocação em um torneio com 24 times. Foi a pior colocação do clube na história do torneio. Uma anormalidade nunca vista e jamais repetida.
Mas foi apenas isso.
De lá para cá, se tornou comum a falsa polêmica que acusava que o São Paulo teria sido, ou deveria ter sido, rebaixado ao final daquela disputa, ou ainda, que viraram a mesa para que o Tricolor disputasse o título do Paulistão de 1991, mesmo disputando a primeira fase em um grupo considerado “mais fraco” da primeira divisão.
Ambas as teorias são absolutamente falsas e podem ser refutadas de maneira simples.
Rebaixamento? O regulamento do Campeonato Paulista de 1990 não previa rebaixamento. Ele é claro em todas as letras: não haveria rebaixamento naquela edição do torneio.
Virada de mesa? Como? O que definiu o modo de disputa do Paulista de 1991, oficialmente, foi o Conselho Consultivo de 1991 e não houve mudanças em quaisquer decisões tomadas e aprovadas nele.
Principalmente: nada imposto pelo Consultivo de 1991 contrariou o estabelecido ou previsto pelo Regulamento de 1990 (por sua vez, aprovado pelo Conselho Arbitral de 1990).
Ficam expostos aqui, dessa forma, os dois alicerces legais e oficiais para qualquer discussão sobre o assunto: O Regulamento do Campeonato Paulista de 1990 e o Conselho Consultivo do Campeonato Paulista de 1991.
E tudo o que ocorreu entre as datas de estabelecimento desses dois documentos (e principalmente durante a disputa da primeira fase do Estadual de 1991) foi o que levou ao nascimento dessa lenda difamatória e a confusões de interpretação e visão mesmo no seio de jogadores do Tricolor.
Se o Regulamento e o Conselho Consultivo, antes denominado Conselho Arbitral, são os pontos chaves dessa história, é preciso explicar o porquê eles assumem essa figura – o que delegou esse poder a eles.
O Conselho Nacional de Desportos e o Conselho Arbitral ou Consultivo
Na história do futebol brasileiro, por um longo tempo as federações detinham poder absoluto na formulação das normas e tabelas de uma competição. Isso foi assim até outubro de 1986. Com a resolução 17/86 do Conselho Nacional de Desportos – CND, as federações perderam parte dessa autoridade para o recém criado Conselho Arbitral, que nada mais era que a reunião dos clubes envolvidos em cada campeonato, agora com direito a votos ponderados sobre as decisões referentes aos torneios que tomavam parte.
O CND foi um órgão administrativo voltado para a regulamentação dos esportes, criado em 1941 pelo Decreto-Lei nº 3.199/41 e que existiu até o ano de 1993. Em 1975, com a Lei 6251/1975, o CND se tornou a última instância legal no esporte brasileiro. As federações não tinham autonomia para dar a última palavra em questões jurídicas sem o aval do CND. O órgão foi responsável pela regulação e regulamentação de todos os esportes e suas respectivas federações e confederações no Brasil. Após sua extinção nenhum órgão assumiu essas funções.
Pois bem, foi com a resolução 17 de 1986 do CND que as federações – e no caso a que importa aqui, a Federação Paulista – perderam a autonomia no que tange a confecção e aprovação de um regulamento de competição. Quem passaria a definir tal questão seria o Conselho Arbitral, espécie de colegiado de clubes, cada qual possuindo um peso diferente e número de votos equivalente ao peso – que era definido conforme a classificação final do campeonato anterior.
Ou seja, somente duas coisas tinham poder para influir no modelo do campeonato de 1991 – e nenhuma delas era a Federação: O Regulamento (fruto do Conselho Arbitral que o aprovou anteriormente) da edição de 1990, e o Conselho Arbitral de 1991.
Contudo, apenas no começo de 1991, a CBF entendeu-se juridicamente com o CND e transformou os Conselhos Arbitrais em Conselhos Consultivos, devolvendo algum poder à si mesma e às federações estaduais no que tange a elaboração de campeonatos. A aprovação dos regulamentos, porém, continuava a cargo exclusivo dos clubes.
Para o São Paulo, o Campeonato Paulista de 1990 se encerrou em 20 de junho daquele ano. Até essa data, obviamente, não havia sido realizado nenhum Conselho Arbitral para a competição do ano seguinte. Logo, ao fim dessa fase, o regulamento de 1990 regia soberanamente quaisquer perspectivas futuras sobre o torneio.
E aqui é preciso abrir um aparte. Pois, de acordo com a resolução 05/1988 do mesmo CND, um colegiado de clubes do Conselho Arbitral (ou Consultivo) poderia decidir, caso tivesse 80% dos votos qualitativos, desautorizar artigos do Regulamento do campeonato anterior. Por exemplo, poderia aprovar a exclusão de alguns de seus pares do torneio, mesmo que isso não estivesse previsto antes.
Ou seja, era sim possível anular tópicos de um regulamento anteriormente em vigor, de maneira legal, caso a grande maioria dos clubes assim quisesse. Mas só os clubes poderiam decidir isso (não a Federação). E, como dito, nenhum deles havia se reunido como se deve, da maneira prevista em lei, via Conselho Arbitral, até o final do Paulistão de 1990 para tratar desse assunto.
O Conselho Consultivo do Campeonato Paulista de 1991 foi realizado somente no dia 12 de junho de 1991 e ele fez valer o regulamento de 1990.
Todas as declarações de jogadores, treinadores ou da imprensa, de modo geral, que se referem a rebaixamento do Tricolor são, assim, fatos menores em comparação, sem peso, distorcidos ou desconectados da realidade – às vezes por má fé, às vezes por ingenuidade –, pois nenhuma delas tem a legitimidade dos Conselhos Arbitrais (e de seus Regulamentos). No máximo expressavam vontades ou desejos do ambiente político interno da FPF, ou ainda impressões pessoais de terceiros afastados das letras das leis, regimentos e regulamentos, mais influenciados pelo baixo público presente aos jogos no Morumbi durante a primeira fase do Paulista de 1991, do que por qualquer outra coisa.
O Regulamento do Campeonato Paulista de 1990
O parágrafo 2º do artigo 50º do Regulamento do Campeonato Paulista de 1990 diz: “No Campeonato Paulista da Primeira Divisão de Futebol Profissional de 1990, não haverá descenso à Divisão Especial de Futebol Profissional“.
Só isso já seria algo inquestionável. Contudo, é necessário ir além e contextualizar esse Regulamento, que pode ser acessado na íntegra nesse link.
O Regulamento de 1990 foi exposto e sugerido aos clubes em reunião pré-arbitral no dia 25 de outubro de 1989 e aprovado no Conselho Arbitral do Campeonato Paulista de 1990, realizado em 7 de dezembro de 1989.
A Folha de São Paulo, de 26 de outubro de 1989, o resumia em “uma fórmula confusa, com várias fases, repescagem e sem rebaixamento… Não haverá rebaixamento e, em 91 (ano de eleição na FPF), o Campeonato Paulista terá 28 clubes. Além dos 24 que vão disputar o torneio no ano que vem, mais quatro times vão subir da Divisão Especial. Assim, o campeonato ficará sem o descenso pelo terceiro ano consecutivo”.
O artigo 50 do Regulamento de 1990 também previa, de maneira básica e sucinta, apenas para a configuração do número de participantes, elementos para o Regulamento do Campeonato de 1991:
“De acordo com a decisão unânime do Conselho Arbitral da Primeira Divisão de Futebol Profissional, a partir do Campeonato de 1991, a Primeira Divisão será integrada por 28 (vinte e oito) associações, sendo obrigatoriamente divididas em 2 (dois) Grupos de 14 (catorze) associações cada, respeitado o acesso de 4 (quatro) associações da Divisão Especial de Futebol Profissional do Campeonato de 1990”.
Para o Campeonato da Primeira Divisão de Futebol Profissional de 1991, o Grupo I Será constituído pelas 14 (catorze) associações classificadas para disputar a Quarta Fase do Campeonato de 1990, e o Grupo II será constituído pelas 10 (dez) associações restantes, que não se classificaram para a Quarta Fase e mais as 4 (quatro) advindas do Acesso da Divisão Especial de 1990″.
E nada mais sobre o Campeonato Paulista de 1991. Ele não estipula a fórmula de disputa, classificações, quem disputa o título nas fases finais, etc., nada disso. Obviamente, ele se concentra na edição de 1990, tocando aspectos do torneio seguinte apenas no que depende justamente do torneio precedente. Mas deixa claro que não haveria rebaixamento em 1990 (e abre possibilidade de ocorrer nas edições posteriores):
“No Campeonato da Primeira Divisão de Futebol Profissional de 1990, não haverá descenso à Divisão Especial de Futebol Profissional. Mas, a partir de 1991, ou a cada ano, haverá o descenso de uma associação da Primeira Divisão de Futebol Profissional e o acesso de uma associação da Divisão Especial de Futebol Profissional”.
Nas vésperas da abertura do Campeonato Paulista de 1990, os veículos de imprensa enfatizaram o fato de inexistir rebaixamento:
“Novamente ninguém cai para a Divisão Especial. Em 91, o Paulista terá 28 participantes”. (Folha de S. Paulo, 27/01/1990).
“Com poucas exceções, o objetivo dos times “pequenos” é ficar entre os 14 primeiros, que formarão o grupo I do campeonato de 1991. Neste grupo deverão ser registradas as maiores rendas, já que provavelmente será integrado pelos clubes da capital”. (Folha de S. Paulo, 27/01/1990).
“Como nos dois anos anteriores, não haverá rebaixamento”. (Regulamento de Outro Mundo, Revista Placar, edição 1024, 26/01/1990).
“Eduardo Farah, ainda desta vez pariu uma competição sem descenso”. (Futebol em Dúzias. Revista Placar, edição 1024, 26/01/1990).
“Assim, aproveitando a extinção do descenso, nove clubes, entre eles o próprio Juventus, adotaram a lei da inércia futebolística e resolveram ‘deixar tudo como está para ver como é que fica’. Ou seja, nada de loucuras nas contratações”. (A Ordem é Economizar. Revista Placar, edição 1024, 26/01/1990).
“Como não tem rebaixamento, os times pequenos podem se dar a esse luxo”. (Nelsinho Baptista, Revista Placar, edição 1024, 26/01/1990).
Grupo B não é segunda divisão
Bola rolou, e o campeão paulista de 1989 passou longe de repetir a boa campanha que levou a essa conquista. Não se classificou na primeira fase e nem na repescagem. A vitória por 6 a 1 sobre o Noroeste, no dia 20 de junho, não foi suficiente para o Tricolor superar o Botafogo de Ribeirão Preto na tabela, ficando um ponto atrás. 15º lugar na classificação final.
Após o fato, a imprensa, de modo geral, destacou a tristeza dos tricolores naquele momento. A Revista Placar (“De Marcha à Ré: São Paulo fracassa na repescagem”) em momento algum, como era de se esperar, menciona qualquer coisa sobre rebaixamento. Os jornais O Estado de S. Paulo (“São Paulo estreia na Copa e tenta apagar vexame”, 23/06/1990) e A Gazeta Esportiva (“São Paulo está fora” – agradecimentos a Alexandre Giesbrecht e Caio Bittencourt) também não fazem referência alguma a rebaixamento, se concentram no desempenho esportivo do time e, com base no Regulamento de 1990, apontam com clareza o destino do Tricolor na competição estadual do ano seguinte:
“Com a desclassificação, o São Paulo terá de disputar o grupo ‘B’ do campeonato do ano que vem, com os times que não se classificaram para a quarta fase este ano … além dos quatro que forem promovidos este ano da Divisão Especial. O campeonato de 91 terá 28 times divididos em grupos de 14 e o São Paulo terá de ficar entre os primeiros nas duas primeiras fases para, na quarta, voltar a enfrentar Corinthians, Palmeiras, Portuguesa e Santos”. (São Paulo goleia mas Botafogo ganha a vaga. O Estado de S. Paulo, 21/06/1990)
O periódico valeu-se do Regulamento de 1990 para destinar o Tricolor ao grupo correspondente, que o mantinha na luta pelo título – nada no regulamento deixa a entender um impedimento. O jornal, contudo, pareceu imaginar que o Regulamento de 1991 seria igual ao de 1990 no tocante ao número de fases de disputa. Isso, como já dito, não estava decidido e só viria a ser definido no Arbitral de 1991.
A Gazeta Esportiva (21/06/1990), por sua vez também menciona o grupo “B” como paradeiro do São Paulo na temporada seguinte, chamando-o de série “B”, apenas como sinônimo. E da mesma forma não relata nenhum impedimento às chances do Tricolor de lutar pelo título em 1991.
O ponto fora da curva do tratamento da imprensa à eliminação do São Paulo no Campeonato Paulista de 1990 foi visto, surpreendentemente, na Folha de S. Paulo de 21 de junho – o mesmo jornal que no dia 27 de janeiro de 1990 escreveu em suas páginas que não haveria rebaixamento naquela edição do estadual.
O texto do referido periódico afirmava “São Paulo vai disputar a segunda divisão em 91” e destacava passagens de dirigentes são-paulinos que diziam que cumpririam a lei, se assim estivesse previsto, como também que ainda estudavam a situação. Maliciosamente, o autor da reportagem chamou o fato de tomar conhecimento sobre o regulamento de “apelar ao tapetão”.
Essa matéria é o único artigo original, de época, que contraria todo o entendimento presente nesse artigo e, como visto aqui, totalmente incoerente com o artigo 50 do Regulamento do Campeonato Paulista de 1990, com o próprio histórico de notícias do veículo de imprensa, e com o fato de que o Conselho Arbitral de 1991, naquele momento, não tinha nem data marcada para acontecer. O autor não tinha como saber como seria a fórmula de disputa, e, caso se baseasse em relatos de vontades políticas de dirigentes da Federação, ou coisa do tipo, só resta dizer que estava, então, meramente, muito mal informado sobre os fatos, as leis e regimentos do período.
De toda maneira, essa foi a origem da lenda. A única fonte sobre.
Regulamento é para se cumprir.
Nos dias seguintes, nota-se na imprensa que essa visão descolada da realidade forçou a necessidade de explicações. O jornal O Estado de S. Paulo, do dia 22 de junho, publicou uma indireta bem direta ao concorrente e reforçou a participação do Tricolor no grupo B da competição de 1991, com uma grande ressalva, que colocava fim a qualquer ideia esdrúxula de rebaixamento:
“O São Paulo vai disputar o campeonato paulista de 91 no grupo ‘B’, que incluirá os dez piores times deste ano e mais os quatro melhores colocados na Divisão Especial, mas não está, desde já, afastado da briga pelo título da Primeira Divisão, como alguns, erradamente, interpretaram. Ontem à tarde, o presidente em exercício da Federação, Antoine Gebran, reuniu-se com os membros do departamento técnico da entidade para analisar o regulamento do campeonato e chegou à conclusão de que apenas a forma de disputa dos dois primeiros turnos de 91 está decidida. ‘Serão 14 times em cada grupo ‘A’ e ‘B’, jogando apenas entre si. Depois, poderá haver um turno final com a participação dos primeiros colocados dos dois grupos para se definir o campeão’, explicou, acrescentando que o número de times nesta última fase será definido pelo Conselho Arbitral”. (O Estado de S. Paulo, 22/06/1990)
Gebran falou sempre no futuro condicional, pois, claro, o modo da disputa – reforçando mais uma vez – só seria definido no Conselho de 1991. O que fato não deveria ser permitido acontecer, visto o Regulamento de 1990, que foi analisado pelo citado departamento técnico, era o São Paulo ser impedido de disputar esse título. Seja qual fosse o sistema da competição, o Tricolor tinha o direito de ser campeão se o qualificasse tecnicamente para isso.
Na sequência de 1990, Telê Santana chegou ao Tricolor e recuperou o bom desempenho do clube levando o São Paulo ao vice-campeonato brasileiro na temporada. No ano seguinte, o Campeonato Brasileiro foi disputado no primeiro semestre e, engrenado, os são-paulinos foram campeões nacionais pela terceira vez, abrindo as portas para a conquista da América em 1992.
O modo de disputa do Paulistão de 1991 ficou fora dos holofotes até o início de 1991, encontrando-se escassamente algumas movimentações de bastidores nos noticiários, como o fato de Farah ter sondado a possibilidade de promover mais quatro times à Primeira Divisão (Paulista de Jundiaí, Comercial de Ribeirão Preto, Bandeirante de Birigui e Rio Preto – Folha de S. Paulo, 12/12/1990), completando 32 times no torneio. A ideia não foi para frente – e ela, de toda forma, teria que ser aprovada por 80% dos votos do Conselho de 1991.
Tal Conselho enfim foi realizado no dia 12 de junho de 1991 – três dias após a conquista são-paulina em Bragança Paulista. E na data desse encontro a preocupação do São Paulo era contar com a ajuda da FPF não com o inexplicável e suposto rebaixamento, mas sim, no apoio junto a Conmebol em tornar a Libertadores viável (com adoção de testes antidoping, por exemplo), conforme relata O Estado de S. Paulo, desse dia. Nota: esse apoio era exigido, demandado na condição de clube filiado na Federação, e não solicitado como favor.
Sobre a reunião dos clubes, o mesmo periódico ainda afirma: “o critério para a formação dos dois grupos obedeceu à classificação no campeonato do ano passado. Estarão no grupo verde os 14 melhores colocados em 1990. O grupo amarelo terá os 10 piores colocados, mais os quatro que foram promovidos. Em 1990, não houve rebaixamento, e ninguém sabe informar se este ano o último colocado cairá – como constava da proposta inicial de Eduardo José Farah”.
Já a Folha de S. Paulo, no relato prévio do evento de 1991, revela a fonte de desastrada matéria de junho de 1990: Eduardo José Farah, que pretendia reformular totalmente o campeonato estadual. Ele tinha como em sua plataforma de administração a meta de reduzir o número de participantes do torneio, mas o imbróglio jurídico Bandeirantes/Ponte Preta, de 1987, forçou o dirigente a adiar suas intenções.
E, principalmente, com a vigência das normas do Conselho Arbitral em 1990, Farah não tinha poder para isso. Não sem os clubes. O autor do famigerado texto que deu origem a todas essas lendas, se estivesse abastecido com os livros do CND e regulamentos da FPF que certamente a redação da Folha de S. Paulo possuía, deveria saber disso.
Com a instituição do Conselho Consultivo por Ricardo Teixeira, em 1991, porém, Farah até teria condições para impor pelo cansaço qualquer regulamento novo e rasgar qualquer regulamento antigo, visto que os clubes passaram apenas a votar propostas (sim ou não), e não tinham mais o direito de moldar ou sugerir os próprios pontos como quisessem.
E, para desmistificar outra lenda: Farah não estava preso às amarras da disputa eleitoral para a presidência da FPF. Ele havia sido reeleito para mais um mandato, por aclamação, com mais de 240 votos, no dia 5 de outubro de 1990. Ou seja, o Regulamento aprovado oito meses depois pelo Conselho Consultivo de 1991 não foi um conchavo político com o “mundaréu” de clubes da primeira divisão. Nota: O São Paulo sequer enviou representante para a eleição do presidente da FPF.
A Federação Paulista simplesmente não rasgou o Regulamento de 1990. Claro, muito por força do São Paulo Futebol Clube, que fez valer seus direitos. Mas também, certamente, por, naquela altura, Farah ter percebido que os 28 clubes não aprovariam o rebaixamento sumário de 14 deles, ainda mais com o Tricolor entre eles.
Como o presidente da FPF não conseguia reduzir o número de times, ele fazia então o oposto! O plano de Farah, desde o dito caso Bandeirantes/Ponte Preta, foi inchar o torneio até que ele pudesse, depois, subdividi-lo, criando divisões de 14 ou 16 times. E o fato dele ter procurado times do interior, ainda em 1990, para uma promoção automática, inesperada e gratuita, é prova disso.
Regulamento de 1991 em comparação com os anteriores da gestão Farah
Isto posto, e voltando ao Conselho Consultivo do Campeonato Paulista de 1991, os clubes aprovaram a proposta da realização da competição três fases, com a primeira sendo disputada em dois grupos, verde e amarelo. Para encurtar o uso de datas, os jogos entre os times ficaram restritos ao próprio grupo. Classificavam-se à segunda-fase os cinco melhores do grupo considerado forte (verde), e os três primeiros do grupo considerado fraco (amarelo), para novamente se dividirem em dois grupos de quatro times, dos quais os vencedores avançariam à final.
Foi nesse Grupo Amarelo que o São Paulo disputou a primeira fase do Campeonato Paulista de 1991. O Tricolor conquistou a primeira posição com 17 vitórias, oito empates e apenas uma derrota (para a Inter de Limeira).
Em tempos recentes, fomentados pela lenda do falso rebaixamento, pessoas má intencionadas chegaram a falsificar imagens de ingressos dos jogos do São Paulo nessa primeira fase do Paulistão para justificar suas alucinações e tentar convencer incautos sobre o assunto. Segue, abaixo, exemplos de ingressos verdadeiros:
De modo geral, o Regulamento do Campeonato Paulista de 1991 não diferiu muito das edições anteriores, na gestão Farah:
Em 1988, o Campeonato Paulista foi disputado com dois grupos, de 10 clubes cada, classificando-se 4 à fase final. Nenhum time foi rebaixado. Neste ano, os grandes times foram separados: São Paulo e Santos no grupo “A”, Corinthians e Palmeiras no grupo “B”, mas todos os times se enfrentaram durante o decorrer da primeira etapa do torneio.
No ano seguinte novamente o campeonato foi disputado em dois grupos, agora com 11 clubes cada, sendo que os quatro principais ficaram concentrados em um só grupo e, claro, as associações do grupo paralelo não foram consideradas rebaixadas em nenhum momento da história. Como em 1988, todos os clubes se enfrentaram na fase inicial. Classificaram-se para a segunda fase os três melhores de cada grupo, mais outras seis equipes mais bem classificadas por índice técnico, independentemente de grupo, não importando a posição interna.
Nenhum time foi rebaixado nessa temporada, mas não necessariamente por não haver rebaixamento. Do Regulamento de 1989 destacasse o Artigo 49: “A associação última colocada no Campeonato de 1988, coincidindo de ficar classificada, por pontos ganhos, em último lugar em 1989, estará automaticamente rebaixada da Primeira Divisão, devendo, no ano de 1990, participar do Campeonato da Divisão Especial”.
E também o Artigo 50: “De acordo com a decisão unânime do Conselho Arbitral da Primeira Divisão de Futebol Profissional adotada nos termos da Resolução CND 05/88, no Campeonato do ano de 1989, respeitado o acesso de 2 (duas) associações nesta temporada, não haverá descenso, que será, automaticamente, restabelecido a partir do Campeonato de 1990, conforme legislação em vigor na ocasião”.
Contudo, o Conselho Arbitral de 1990 decidiu não acatar a indicação anterior de reestabelecer o rebaixamento, conforme o poder que possuía para assim decidir, herdado do CND e respaldado pelos 80% dos votos do colegiado de clubes, e expresso no Regulamento ali redigido.
Em 1990 o campeonato foi disputado em dois grupos, de 12 clubes cada, sendo que os grandes também ficaram concentrados em um só grupo, o Grupo 1, e nem por isso os clubes do Grupo 2 foram considerados rebaixados. Classificaram-se para a fase seguinte os três melhores de cada grupo, as outras seis melhores equipes por indíce técnico (pontos somados), independentemente de grupo, e ainda outros dois times via repescagem.
E, pela última vez: nenhum time foi rebaixado.
Cronologia
25/10/1989 – Reunião do Conselho Pré-Arbitral do Campeonato Paulista de 1990
07/12/1989 – Reunião do Conselho Arbitral do Campeonato Paulista de 1990 e aprovação do texto final do Campeonato Paulista de 1991.
26/01/1990 – Abertura do Campeonato Paulista de 1990, com TODOS os veículos de imprensa destacando o fato de não haver rebaixamento naquela edição.
20/06/1990 – O São Paulo goleia o Noroeste, mas não consegue classificação para a fase final do Paulista. A ausência do termo “rebaixamento” é notada em quase totalidade da mídia, exceto a Folha de S. Paulo, que se contradiz, sem nenhuma base oficial ou legal reconhecida pelos regulamentos e regimentos da época.
21/06/1990 – O presidente da FPF, Antoine Gebran, concede entrevista e explica que o São Paulo não foi rebaixado.
05/10/1990 – Reeleição de Eduardo José Farah como presidente da FPF
11/12/1990 – Reunião do presidente da FPF com o presidente do Paulista de Jundiaí sobre a possibilidade de expandir o campeonato para 32 clubes participantes com convites a times do interior.
12/06/1991 – Aprovação do texto final do regulamento do Campeonato Paulista de 1991.
Fonte: www.saopaulofc.net/noticias/noticias/historia/2020/6/20/o-rebaixamento-que-nao-existiu