Sem vacina disponível até o momento nem tratamento bem estabelecido para a COVID-19, surge o consenso em saúde pública da necessidade de testar, rastrear e isolar indivíduos infectados como forma de diminuir a propagação do vírus e, assim, reabrir gradualmente a economia com segurança. Nessa área, tecnologias de rastreamento de contágio despontam como estratégias importantes para o enfrentamento da pandemia.
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“Nas atuais condições, torna-se extremamente importante ouvir especialistas de diversos países, sobretudo para compreender como o comportamento das pessoas pode moldar o avanço da pandemia. Isso se torna necessário mesmo com a corrida para o desenvolvimento de novas drogas e vacinas para a COVID-19, que, na melhor das possibilidades, ainda precisarão de meses até estarem disponíveis”, disse à Agência Fapesp Luiz Eugenio Mello, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, na abertura do seminário online Contact tracing and lockdown easing plan: Effectiveness X Limitations, o 3º FAPESP COVID-19 Research Webinars, realizado em 1º de julho.
No debate, cientistas da Nigéria, México, Estados Unidos e Brasil apresentaram os principais desafios do uso de tecnologias para o rastreamento de movimentação da população e o monitoramento de pessoas que tiveram contato com infectados.
Informações
No Brasil, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a empresa InLoco, utilizaram dados de mobilidade (fornecidos voluntariamente por usuários de celular) para mapear pontos críticos de transmissão de COVID-19 e também analisar os efeitos do isolamento social.
“O monitoramento permitiu calcular um dado importante: a porcentagem de isolamento social necessária para prevenir uma curva de contágio muito acelerada e o eventual colapso do sistema de saúde”, contou à Agência Fapesp Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
Em outro estudo, realizado em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os pesquisadores da USP conseguiram verificar como a epidemia se espalhou ao longo do tempo pelo estado de São Paulo. “O uso desses dados e de outras informações pode facilitar o desenvolvimento de um plano, não apenas de lockdown, mas também para elaborar estratégias direcionadas à reabertura”, disse.
Para Leany Lemos, que foi secretária de planejamento do Rio Grande do Sul e coordenou o plano de distanciamento do estado gaúcho, além do monitoramento e de testes (que não estão amplamente disponibilizados no Brasil), o enfrentamento exige comunicação com os diversos setores da sociedade.
“Já em março instituímos seis protocolos baseados em dados que iam além do número de mortos e contaminados. Contamos com a participação da indústria e de empresários nessa iniciativa. Era preciso que todos entendessem a necessidade da quarentena. Também regionalizamos o plano de ação, criando 30 regiões de saúde no Estado de acordo com a capacidade de atendimento hospitalar e número de UTIs [unidades de terapia intensiva] e comunicamos isso à população”, disse à Agência Fapesp.
Experiências internacionais
Na cidade do México, pesquisadores observaram o aumento de movimentação em duas datas festivas: o Dia das Crianças (comemorado em abril) e o Dia das Mães (no segundo domingo de maio). De acordo com Jorge Velasco Hernandez, do Instituto de Matemática da Universidad Nacional Autónoma de México, a maior movimentação nessas datas alterou a curva de contágio e, por consequência, os planos de reabertura da economia.
“Todos sabem da importância de coordenar a quarentena para diminuir a movimentação das pessoas e, consequentemente, o contágio. No entanto, esses dias de comemorações foram completamente fora do padrão esperado, o que causou o adiamento do plano de reabertura. As pessoas saíram mais de suas casas para comprar presentes, entregar pinhatas para crianças e visitar suas mães. Verificou-se que esses eventos atípicos devem ser levados em conta nos planejamentos dos governos”, afirmou o pesquisador à Agência Fapesp.
Na Nigéria, dados cedidos por usuários de celular também serviram para monitorar a movimentação da população durante a epidemia. No entanto, de acordo com Iniobong Ekong, diretor da Secretaria de Saúde e Recursos Humanos, questões ligadas à privacidade da população, que precisam ser respeitadas, vêm dificultando a implementação de um aplicativo de rastreamento de contatos para mapear a COVID-19 no país.
“Já é consenso global que monitorar o contato das pessoas é uma maneira eficiente de conter os avanços do novo coronavírus. Mas na Nigéria também não temos condições de testar toda a população e, assim, não conseguimos rastrear pessoas que entram em contato com infectados. Por isso, desenvolvemos estratégias no intuito de identificar hotspots. No entanto, é preciso monitorar a movimentação sem infringir a privacidade das pessoas”, salientou à Agência Fapesp.
Para Pratik Sinha, professor da Washington University St. Louis, dos Estados Unidos, as grandes empresas de tecnologia, como Google e Apple, por exemplo, podem ajudar a fornecer soluções inovadoras para enfrentar os desafios do rastreamento de contatos. “O fato é que ainda não temos a adesão necessária da população nem a infraestrutura para fazer esse rastreamento. A minha pergunta é: como as grandes empresas de tecnologia poderiam ajudar fornecendo soluções inovadoras e quais os riscos de segurança digital e privacidade para os envolvidos?”, questiona à Agência Fapesp.
De acordo com especialistas, no entanto, o rastreamento sozinho não evitaria a necessidade de isolamento social. “Em termos tecnológicos é perfeitamente possível rastrear todos os casos da doença. No entanto, fora a questão de privacidade, acredito que já seja para implantar essas tecnologias com o objetivo de evitar o isolamento social. Atualmente, elas devem ser vistas como uma ferramenta importante para o planejamento”, finalizou Nakaya.