DownloadDivulgação/Agência FapespEm seu primeiro mês de funcionamento, 1.583 moradores do município situado na Grande São Paulo foram testados em domicílio por meio do programa Corona São Caetano. Quase 30% tiveram diagnóstico confirmado para COVID-19 e, desses, apenas 6,7% precisaram ir ao hospital
Graças a uma parceria entre a Prefeitura de São Caetano do Sul, a Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), o Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP) e a startup MRS – Modular Research System, foi desenvolvida uma plataforma online para organizar o monitoramento remoto de moradores com sintomas de COVID-19 por equipes de saúde e a coleta domiciliar de amostras para diagnóstico.
A ideia do programa em curso na cidade da Região Metropolitana de São Paulo é evitar deslocamentos desnecessários às Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou aos hospitais, bem como detectar precocemente os infectados de modo a evitar a disseminação do novo coronavírus.
Os primeiros resultados do programa Corona São Caetano, lançado oficialmente em 6 de abril, acabam de ser divulgados na plataforma medRxiv, em artigo ainda sem revisão por pares. O estudo contou com a participação de pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), que são apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Apresentamos os dados do primeiro mês de funcionamento do serviço, sem contar a primeira semana por ser considerada uma fase-piloto. Dos 2.073 casos suspeitos nesse período, foram testados 1.583 [76,4%] pelo método de RT-PCR [capaz de identificar o material genético do vírus] e 444 [quase 30%] foram positivos. Entre os casos confirmados, apenas 6,7% precisaram ser hospitalizados e 0,7% evoluíram para óbito. Mais de 90% dos moradores com sintomas puderam ser monitorados em casa sem grandes complicações”, conta à Agência Fapesp o médico Fábio Leal, professor da USCS e um dos idealizadores do projeto.
Taxas
A taxa de letalidade por COVID-19 apontada no estudo está bem abaixo da média nacional: 4%, segundo os dados do Ministério da Saúde atualizados no dia 5 de julho. Em Estados mais afetados pela pandemia, como o Rio de Janeiro, o percentual de mortes entre os casos diagnosticados chegou a ultrapassar 10%.
Na avaliação de Leal, a diferença se deve ao fato de que, na maioria dos municípios brasileiros, somente têm acesso ao teste de RT-PCR os pacientes que evoluem para a forma grave da doença e precisam ser hospitalizados.
“Praticamente todos os dados disponíveis sobre a pandemia no Brasil provêm de pacientes que procuraram serviços de saúde e precisaram ser internados, muitas vezes em unidade de terapia intensiva [UTI]. Nossa estratégia é diferente, pois abre um canal para que todas as pessoas sintomáticas possam ter acesso tanto à assistência clínica quanto ao diagnóstico e acompanhamento médico”, afirma o pesquisador.
“Dessa forma, conseguimos caracterizar a epidemia dentro da comunidade e não somente no ambiente hospitalar. Por esse motivo acreditamos que as taxas de letalidade e de hospitalização que encontramos estão mais próximas da realidade da COVID-19”, acrescenta.
Como funciona
No programa, a triagem inicial dos pacientes é feita por estudantes de Medicina da USCS, com auxílio de um algoritmo de inteligência epidemiológica normalmente usado em pesquisas acadêmicas e adaptado para uso na assistência básica. A coleta domiciliar das amostras para diagnóstico é feita por equipes do Programa Saúde da Família (PSF), também com a colaboração dos estudantes. Pacientes que testam positivo são acompanhados remotamente por 14 dias e orientados a ir ao hospital em caso de agravamento dos sintomas.
No período analisado, de modo geral, os sintomas mais relatados foram tosse, fadiga, mialgia (dor no corpo) e dor de cabeça. Febre, perda de olfato (anosmia) e de paladar (ageusia) foram os sintomas mais associados a um diagnóstico positivo. Pacientes com idade avançada e os obesos foram os mais frequentemente hospitalizados.
Uma carga viral mais elevada foi observada mais frequentemente nos pacientes do sexo masculino e nos mais idosos. Febre e atralgia (dor nas articulações) foram os sintomas mais associados a uma carga viral elevada.
“Com base nos dados dos moradores atendidos, estamos conseguindo fazer uma boa caracterização clínica tanto dos pacientes com diagnóstico positivo quanto das pessoas que tiveram resultado negativo na comunidade. Esse conhecimento, aliado a algoritmos de inteligência epidemiológica e outras ferramentas tecnológicas, abre a possibilidade de criar, no futuro, uma metodologia que possibilite o diagnóstico clínico da doença em locais sem acesso a testes laboratoriais”, afirma Leal.
Estratégia
Para a pesquisadora do IMT-USP Ester Sabino, coautora do artigo, esse tipo de estratégia permite – além de organizar os serviços de saúde de forma mais eficiente – obter informações sobre a doença de modo automático, abrindo inúmeras possibilidades de pesquisa.
“Por meio da plataforma, estamos aprendendo sobre a doença. Conseguimos saber, por exemplo, se o número de casos está aumentando ou diminuindo, qual é o percentual de infectados que perdem o paladar e o olfato, quais sintomas são mais frequentes em homens e em mulheres ou nos idosos”, diz Sabino à Agência Fapesp.
Caso se descubra que a doença pode causar complicações no longo prazo, avalia a pesquisadora da USP, será possível localizar os pacientes atendidos por meio do programa para monitorar a evolução da doença. Também será possível descobrir se houve casos de reinfecção entre os que testaram positivo.
Em pouco mais de três meses de funcionamento, o programa já atendeu quase 13 mil moradores de São Caetano, viabilizou em torno de 7 mil visitas domiciliares e 5,7 mil testes diagnósticos e confirmou mais de 1,5 mil casos de COVID-19 (dados atualizados em 07 de julho).
O artigo (em inglês) pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.06.23.20138081v1.full.pdf.