De janeiro a maio de 2021, 102 crianças e adolescentes brasileiros foram apreendidos por agentes de migração dos EUA após atravessar sem um adulto responsável – e de modo irregular – a fronteira entre o México e os Estados Unidos.
O número, compilado pela BBC News Brasil a partir dos dados do órgão de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, já supera o total de 2020 (94) e mostra a contribuição do Brasil para uma das faces mais dramáticas da atual crise migratória no país.
Apenas no ano fiscal de 2021, os EUA receberam mais de 1 milhão de migrantes indocumentados pela fronteira. Desses, pelo menos 80 mil eram menores de idade, sozinhos e sem documentos.
O número foi tão expressivo que o governo americano teve que construir novos abrigos para menores às pressas, o que não impediu que parte dessas crianças e adolescentes passassem dias recolhidos em centros de detenção para adultos do serviço de migração.
“Havia um represamento grande de famílias na fronteira, resultados das políticas da gestão Trump, que manteve muita gente esperando no México. Com a mudança de governo, os pais começaram a enviar as crianças sozinhas. A motivação de muitos é o desespero e uma tentativa de garantir algo para os filhos: se esses adultos não conseguirem ficar nos EUA, acabarem deportados ou nem conseguirem cruzar, ao menos seus filhos não serão enviados de volta ao país de origem e terão uma chance melhor na vida”, afirma Paul J. Angelo, especialista em migração e América Latina do Council on Foreign Relations.
O governo americano não deporta menores de idade que chegam ao país desacompanhados. Se essas crianças e adolescentes não tiverem nenhum parente em situação regular nos EUA para assumir a guarda, o governo americano é obrigado a prover abrigo, alimentação e educação para eles até os 18 anos de idade.
A entrada de menores desacompanhados ocorre há anos e é relativamente frequente entre migrantes mexicanos ou guatemaltecos. Mas, de acordo com Sueli Siqueira, socióloga da Universidade do Vale do Rio Doce e especialista em migração internacional, esse é um fenômeno novo entre os brasileiros.
O fluxo, no entanto, já chama a atenção. Apenas em abril e maio de 2021, agentes americanos encontraram mais de um menor brasileiro sozinho por dia nas imediações da fronteira.
A pesquisadora afirma que, por ser uma situação nova, ainda faltam pesquisas para determinar o perfil e as motivações das pessoas que optam por enviar seus filhos aos EUA nessas condições, mas acredita se tratar de uma tentativa de reunião dessas crianças com parentes que já estejam em território americano, onde existe a maior comunidade brasileira fora do Brasil.
“O que temos visto é uma espécie de família transnacional. A mãe fica no Brasil, mas manda o filho menor de idade cruzar a fronteira em um grupo de conhecidos dela, para se encontrar com o pai, que já está esperando por ele em território americano”, explica Siqueira.
Em grupos de aplicativos de mensagens de brasileiros interessados em entrar nos EUA de modo irregular via México, a BBC News Brasil presenciou diálogos de pessoas que se apresentaram como coiotes e que sugeriram a mães que se separassem dos filhos no momento de cruzar para o lado americano.
A criança, então, seria “atravessada” por algum ponto da fronteira bem vigiado, com um bilhete no bolso com dados de familiares ou amigos que pudessem assumir a responsabilidade dela nos EUA, após a apreensão pelos agentes americanos. Já a mãe seguiria sozinha para pontos mais favoráveis da fronteira, onde pudesse passar sem ser detida, e se reuniria mais tarde com a criança.
“Como estamos falando de uma rede de migração de mais de 30 anos, há uma comunidade bem estabelecida e também redes conhecidas para operar as rotas, por meio das quais esses migrantes podem se sentir minimamente seguros para fazer isso”, diz Siqueira.
Em abril, um vídeo de duas irmãs equatorianas sendo jogadas de um muro na fronteira entre México e EUA causou comoção internacional.
As cenas foram gravadas no fim de março, pelas câmeras de segurança americanas da cidade de El Paso, no Texas. As crianças, sozinhas, foram socorridas ao hospital por agentes dos EUA.
Recorde de brasileiros na fronteira
Na América do Sul, apenas o Equador enviou mais migrantes irregulares aos EUA em 2021 do que o Brasil. Somente nos cinco primeiros meses deste ano, 21,9 mil brasileiros foram detidos pelas autoridades americanas após cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos.
O número, ainda parcial, já é o maior da série histórica iniciada em 2007, de acordo com os dados do órgão de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos.
O volume atual de brasileiros na rota migratória irregular supera, inclusive, a alta de 2019, quando 18 mil deles entraram irregularmente no país, o que justificou a decisão do então presidente americano, o republicano Donald Trump, de incluir os cidadãos do Brasil em um processo de deportação sumária, algo que não ocorria há décadas.
Agora, o país é a oitava nação a mais enviar imigrantes irregulares aos EUA no mundo, à frente de países como a Venezuela e a Colômbia, por exemplo, e em patamar semelhante ao de Cuba.
Para se ter ideia do tamanho desse fluxo, é como se os agentes de migração dos EUA encontrassem, em média, 150 brasileiros por dia tentando acessar o país a pé.
Fonte:BBC BRASIL