
Diferentemente de assassinatos coletivos provocados por desavenças entre traficantes, a chacina que dizimou uma família, há um mês, na zona norte de Porto Alegre, pode ter como motivo a vingança pelo nascimento de um filho indesejado. Há indícios de que um homem matou a mãe da criança, o próprio filho — com poucos dias de vida —, além da avó, o tio e um irmão do bebê.
Quatro das vítimas foram executadas a tiros dentro de casa, no bairro Jardim Itu-Sabara. O recém-nascido morreu provavelmente asfixiado sob o corpo da mãe. A chacina foi descoberta uma semana depois, com corpos em decomposição. O suspeito do crime é um policial militar aposentado de Santa Catarina, preso no Presídio Militar em Porto Alegre, cujo nome é mantido em sigilo. Detido em 9 de junho, com prisão temporária válida por um mês como suspeito da chacina, o PM deverá ser interrogado nos próximos dias.
A tragédia familiar começou a se desenhar em agosto. Luciane Felipe Figueiró, 32 anos, costumava viajar a Tubarão (SC) — terra natal da mãe Lourdes Felipe, 64 anos, e onde vivem parentes — para tratar da documentação de um terreno que herdou. Na cidade, ao visitar uma prima, Luciane conheceu o PM suspeito da chacina. Separado do primeiro casamento, 52 anos, o policial era amante da prima havia anos. Luciane se envolveu com o PM e engravidou.
Em princípio, com vergonha da situação, ela tentou esconder as transformações no corpo. Mas, quando já não podia mais ocultar a barriga, decidiu se expor. No começo do ano, foi a Tubarão e contou ao PM que esperava um filho dele. O policial não acreditou, alegando que estiveram juntos apenas uma vez. A prima e amante do policial também se enfureceu. Desejosa de um filho, a familiar de Luciane não conseguiria engravidar e viria seu sonho se materializar na prima com seu amado.
Revoltado, o PM teria exigido que Luciane aceitasse abortar. Ela discordou, mas aceitou sair para um passeio com ele. Horas depois, a mulher sofreu um sangramento. Desconfiou ter ingerido um abortivo dissolvido na bebida, e que tivesse perdido o filho. Em uma consulta em Porto Alegre, ouviu do médico que a gestação seguia normal.
Tempos depois, o PM se queixou para amigos que estaria sendo pressionado por Luciane, e ela começava a receber mensagens de um celular desconhecido — que seria usado pelo PM. Um dos textos dizia: “tu quer ganhar a vida nas minhas costas”. O policial tem padrão de vida estável em Tubarão. Dirige uma caminhonete Jeep ano 2015, e teria presenteado a prima de Luciane com uma casa e uma motocicleta.
Acompanhado de dois parentes de Luciane, o PM esteve em Porto Alegre se dizendo disposto a fazer teste de DNA para ter certeza sobre a paternidade e assumir suas responsabilidades. Combinaram que o exame seria em Tubarão por causa do melhor preço e viajaram para lá em 3 de maio. No dia seguinte, Luciane ganhou o bebê no Hospital Nossa Senhora da Conceição, na cidade catarinense. Enfrentou picos de pressão arterial e precisou ficar internada por uma semana.
A prima, amante do PM, furiosa, teria invadido o quarto com uma tesoura nas mãos. Dizia querer cortar um pedaço do cabelo do menino, alegando que seria para o teste de DNA, mas sua intenção parecia bem mais do que isso e ela foi expulsa do hospital. Foi coletado material do menino e de Luciane. Enquanto isso, o PM teria ido sozinho a um laboratório e oferecido R$ 5 mil para que o resultado de paternidade fosse negativo. O dinheiro não foi aceito e ele teria dobrado a proposta, também rejeitada.
Em 10 de maio, o PM apareceu no laboratório para ceder material genético — coleta de saliva com cotonete. A prova inicial teria falhado porque ele tinha iogurte na boca. Naquele dia, Luciane deixou o hospital e voltou para Porto Alegre, registrando o filho com o nome de Miguel Felipe Figueiró, sem constar dados do pai no documento. O PM demonstrava preocupação. Teria confidenciado a amigos que “não sabia o que faria da vida”.
Rotina normal em Porto Alegre

Em Porto Alegre, a rotina da família de Luciane se manteve inalterada até 24 de maio. Naquele dia, o filho mais velho dela, João Pedro, cinco anos, brincou com um amigo. Walmyr, irmão de Luciane, foi visto caminhando pela rua onde morava, a José Marcelino Martins. Cláudia, 34 anos, irmã mais velha de Luciane, que mora em outro bairro, visitou a família levando para a mãe, Lourdes, uma panela para cozinhar feijão. E vizinhos ouviram vozes na casa até 23h.
Desde então, o caso se tornou um mistério. Luciane não voltou para Tubarão como era esperada para pegar o resultado do exame de DNA que confirmou o bebê como filho do policial. Parentes de Santa Catarina telefonavam para ela e ninguém atendia. Na capital gaúcha, familiares e amigos acreditavam que as vítimas estavam em viagem para Tubarão, como era costume. E vizinhos começaram a sentir cheiro desagradável vindo da moradia.
A partir de 27 de maio, o PM demonstrou interesse incomum por notícias de Luciane. Telefonou dezenas de vezes e foi com fisionomia apreensiva até a casa e ao local de trabalho de um parente dela em Tubarão. Com o laudo do DNA nas mãos, tentava passar a ideia de estar feliz porque seria pai de novo — tem dois filhos do primeiro casamento — e disse ter comprado um berço para o bebê.
Os dias se passaram, e, preocupada, Cláudia foi até a casa da família na manhã de 2 de junho, quando a chacina foi descoberta. A porta da moradia estava destravada, mas aberturas fechadas e luzes acesas. Na cozinha, o espalha-chama do gás do fogão estava aberto, e o botijão, vazio. Ao lado, um recipiente com feijão cru, o que fez Cláudia lembrar da visita na semana anterior, quando a mãe iria preparar o alimento. Outro detalhe que reforça a suspeita de que a chacina teria acontecido na noite de 24 de maio é o fato de o corpo de Lourdes ser encontrado com a mesma roupa de quando conversou com a filha.
Ainda não se sabe se gás liberado pelo fogão entorpeceu as vítimas. Segundo laudo pericial, ninguém teria esboçado reação ao ser alvejado na cabeça por tiros de pistola calibre .22 — estojos foram apreendidos no local.
Em um primeiro momento, a polícia não localizou o corpo do recém-nascido, achando os de Lourdes e de João Pedro em quartos distintos. Walmyr e Luciane estavam no mesmo cômodo. Junto a eles, o cachorro de estimação que latiu ferozmente após a chegada de policiais.
A atitude do animal leva a suspeitar de que o autor da chacina teria convívio com a família. Também converge para isso o fato de o matador ter acesso à casa pela porta, já que não deixou marcas de arrombamento. Uma cópia da chave costumava ficar escondida no pátio, e poucas pessoas sabiam disso.
Assim que a chacina virou notícia, e que o bebê não tinha sido encontrado, uma vizinha da família telefonou para o PM, contando o caso e querendo saber sobre o paradeiro do filho — que seria encontrado mais tarde por peritos sob o corpo da mãe. Em seguida, o policial foi a uma delegacia em Tubarão registrar ocorrência. Narrou o caso, dizendo que esperava Luciane para contraprova do exame de DNA, mas que acabava de saber que ela e parentes foram mortos por envenenamento.
A amante prestou depoimento em Tubarão, negou envolvimento no caso e disse que o suspeito estaria com ela na possível data do crime.
ZH tentou falar com Cláudia, ela atendeu a uma das chamadas e desligou o celular. ZH também pretendia entrevistar o PM, mas não teve autorização.
Fonte: Diário Catarinense