Salários baixos e, ultimamente, pagos com atraso ou em parcelas. Más condições de trabalho, casos de corrupção e imagem da corporação desgastada. E, principalmente, o risco inerente à profissão potencializado pela violência no Rio: foram 50 mortes só em 2016 – já contando o óbito do tenente que atuava na segurança do prefeito Eduardo Paes, no domingo (26). Diante de tantos indícios desanimadores, o que ainda leva alguém a optar pela carreira de policial militar no Rio de Janeiro?
Embora os candidatos se mantenham firmes na intenção de ingressar na corporação, é fácil perceber que a precaução já é regra antes mesmo de vestir a farda: praticamente todos só concordaram em falar sob a condição de não serem identificados, por temerem represálias.
Os entrevistados estiveram em uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), na quarta-feira (22), na qual foi discutida justamente a lentidão na incorporação dos aprovados – cerca de 4,5 mil ainda esperam pela convocação. Para uma candidata, de 32 anos e casada com um PM lotado numa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), a corporação foi a oportunidade mais palpável de se recolocar no mercado de trabalho, mesmo contra a opinião do marido.
“Sou formada em administração de empresas, mas fui mãe e precisei cuidar da minha filha. Estou há cinco anos fora do mercado e só consigo empregos de baixa qualificação, como telemarketing. Então optei por ao menos ter alguma estabilidade no serviço público, embora meu marido tenha tentado me fazer desistir”, conta ela.
Chance de melhorar de vida
Único dos entrevistados que aceitou se identificar, Nilton Monteiro, 30 anos, vê o ingresso na polícia como uma tentativa de melhorar de vida que, para ele, atrai principalmente quem não tem muitas opções.
“Um sujeito cuja família tenha recursos não escolhe ser praça da PM, é claro, mas para muitos é a única chance de ter um salário e poder até bancar os estudos. E ainda há a possibilidade de fazer carreira na PM”, explica, acrescentando que o medo de ser identificado por um criminoso e acabar baleado também deve ser considerado.
“Quando você escolhe ser policial, tem que abdicar de pelo menos parte da sua vida social, mas há os que preferem manter a rotina e acabam se expondo a riscos.”
A vocação para a carreira de policial e a influência familiar também têm peso na escolha de muitos, como uma jovem loura também presente à audiência.
“No meu caso, a escolha da profissão tem a ver com a vocação mesmo: eu sempre quis ser policial, desde que me entendo por gente”, disse.
Opinião idêntica à de dois amigos, que são colegas do nono período de Direito e disseram trazer a vontade de trabalhar na segurança pública desde garotos.
Outro candidato ressalta que para ser policial é preciso ter bom preparo psicológico para enfrentar as ameaças do cotidiano, mas cita o ambiente no qual foi criado como impulso para escolher a PM.
“A influência familiar conta, pois tenho vários parentes policiais. Acho que posso cumprir uma função muito importante para sociedade, mas vejo as dificuldades de perto: meu pai e meu irmão, ambos PMs, não recebem o RAS desde novembro”, diz o rapaz, referindo-se à gratificação do Regime Adicional de Serviço, que é paga aos agentes que fazem horas extras para a própria Polícia Militar.
Deputados cobram solução para concursados
Enquanto mais de 200 candidatos aprovados no concurso de 2014 aguardavam nas escadarias da Alerj, cerca de 50 deles acompanhavam a audiência pública convocada pela Comissão de Segurança Pública da Casa. Sub-chefe do Estado Maior Geral Administrativo da PM, o coronel Márcio Basílio afirmou que um impasse entre a PM e a empresa Exatus, que organizou o certame, impede a convocação dos aprovados.
“Mais de três mil pesquisas de conduta social já foram feitas, mas as negativas da empresa em fornecer a listagem final dos aprovados impedem que os aprovados sejam incorporados. Temo que isso ocorra pelo medo de não receber pelo serviço. Devemos em torno de R$ 800 mil, que estão reservados para o pagamento, mas só serão repassados após a publicação da listagem final”, explicou o coronel, assegurando que a suspensão dos concursos públicos determinada pelo governador Francisco Dornelles não atinge as seleções já em andamento.
Os problemas com a Exatus levaram o deputado Paulo Ramos (PSOL), que é oficial da reserva da PM, a sugerir que a corporação volte a organizar seus concursos, evitando entregá-los a bancas contratadas.
“Durante muito tempo foi assim e sempre funcionou bem”, disse Ramos, lembrando que a grande procura pela carreira de policial não se deve apenas à falta de empregos: “Há também um apreço pela função, creio eu”.
Bruno Dauaire (PR) sugeriu que a empresa seja declarada inidônea e impedida de contratar com o poder público, enquanto Flávio Bolsonaro (PSC) lembra que isso já aconteceu em outros estados.
Segundo a tenente-coronel Rosana Fernandes, diretora de logística do Centro de Recrutamento e Seleção de Praças (CRSP), o processo de sanções administrativas contra a empresa está em andamento. “Pedimos ajuda da Procuradoria Geral do Estado para tomar medidas judiciais”, disse.
Presidente da comissão, a deputada Martha Rocha solicitou que os deputados se reúnam com o Ministério Público Estadual para pedir que a Promotoria de Tutela Coletiva entre no caso e interceda em favor da PM e dos candidatos que esperam pela convocação. Ao fim da audiência, o coronel Basílio assegurou que todos os aprovados serão incorporados, mas não estabeleceu uma data para que isso aconteça.
Fonte: G1