Diariamente, o aposentado Oswaldo dos Santos, de 78 anos, pega o trem em Santa Cruz às 6h para a Central do Brasil, onde trabalha como ambulante, vendendo doces até as 18h. O percurso, que dura mais de uma hora, torna-se ainda mais cansativo para o idoso quando ele não consegue se sentar ao embarcar. Assentos preferenciais estão visivelmente sinalizados, mas, muitas vezes, não são ocupados por quem tem direito ao lugar. Cenas como essa foram facilmente flagradas pela equipe do GLOBO, que viajou em alguns transportes públicos da cidade. Sem cerimônia, jovens e adultos ocupam as cadeiras preferenciais.
— Desde que parei de trabalhar como pedreiro, há dez anos, faço esse trajeto, pois preciso ganhar a vida. No início, estranhava o fato de os passageiros mais jovens não cederem o lugar para os idosos. Hoje, vejo que isso virou um hábito — comentou o aposentado.
O relato de Oswaldo é corroborado por um levantamento feito pelo Laboratório de Pesquisa da UniCarioca com 636 pessoas, na cidade do Rio. Com o tema “Respeito aos assentos preferenciais no transporte público”, o estudo teve como objetivo descobrir o que o carioca pensa a respeito da Lei Federal 10.741/2003 e da Lei Municipal 4.584/2007, que asseguram assentos preferenciais para idosos, deficientes, grávidas e pessoas com criança de colo. Segundo a pesquisa, 92% dos cariocas concordam com a legislação, e 8% afirmaram desconhecê-la. No entanto, menos da metade dos entrevistados, 49%, disseram que respeitam a norma sempre. Os outros 51% tendem a ignorá-la.
APOIO À LEI, MAS NÃO À PUNIÇÃO
Do total de entrevistados, 52% são mulheres; 42% têm entre 21 e 30 anos, 21%, entre 31 e 40 anos; 18%, até 20 anos; e apenas 2%, acima de 60 anos. Quanto à escolaridade, 47% completaram o ensino superior, 36% têm o ensino médio e 9% fizeram pós-graduação e mestrado. A renda familiar de 46% é de até R$ 3 mil; 22% ganham de R$ 3 mil a R$ 5 mil e 17%, acima de R$ 7 mil. Moradores da Zona Norte foram 36%, seguidos dos da Zona Oeste (20%) e da Zona Sul (19%).
Para o coordenador do Laboratório de Pesquisas da UniCarioca, Jalme Pereira, o resultado não foi nenhuma surpresa. Segundo ele, cenas de idosos, gestantes, deficientes e pessoas com bebê no colo de pé nos transportes públicos podem ser vistas diariamente.
— O objetivo deste estudo é provocar uma reflexão. É comum ouvir as pessoas afirmando que concordam com a lei, mas não querem ser punidas em caso de descumprimento dela. É um processo que tem que começar na educação dentro de casa. Assim, futuramente, teremos uma população com uma postura mais ética, de respeito ao próximo — analisa Pereira.
Sancionada no município do Rio este ano, a Lei 6.073/2016 estabelece multa no valor de R$ 100 para os usuários que não têm direito e, mesmo assim, utilizam os assentos preferenciais. Eles também podem ser retirados do transporte.
Na última quarta-feira, a reportagem do GLOBO esteve em dois ramais da SuperVia, Deodoro e Santa Cruz, para observar o comportamento dos usuários. Mesmo com o clima olímpico, com muitos passageiros a caminho de competições, não foi difícil encontrar pessoas que exemplificassem o desrespeito à lei. Os aposentados Genival Guedes e Glória Nascimento, moradores da Tijuca, vão a Campo Grande três vezes por semana e, geralmente, não conseguem embarcar sentados nos bancos preferencias. Tímido, Guedes afirma que jamais pede para que alguém lhe ceda o lugar. Ela, no entanto, não hesita em brigar pelos seus direitos.
— Ter transporte público com assentos preferenciais é uma grande conquista, mas é preciso que as pessoas respeitem esse direito. Sempre exijo o meu lugar — relata Glória.
Vale destacar que 100% dos entrevistados da pesquisa afirmaram que já presenciaram o descumprimento da lei, sendo que 87% deste total não são beneficiários dela. Para o antropólogo e escritor Roberto DaMatta, o processo educacional brasileiro tem que reforçar que ninguém tem o direito de ocupar o lugar do outro. Com 80 anos, DaMatta já viveu situações de desrespeito ao idoso. Ele recorda que, certa vez, ficou sem lugar para se sentar no aeroporto de Salvador, porque os bancos da sala de embarque estavam todos ocupados por pessoas mais jovens e também por suas malas.
— O grande problema do brasileiro é a relação teoria versus prática. Não adianta termos leis avançadas, se elas não forem cumpridas. Percebo que existe uma ausência do mínimo de consideração, de cordialidade pelo outro — comenta o antropólogo.
Simular que estão dormindo, lendo ou conversando são as atitudes mais comuns entre passageiros que utilizam, indevidamente, os assentos preferenciais e não querem ceder o lugar para quem tem direito. Grávida de nove meses, a artesã Ágatha Cristina Alves entrega pessoalmente os produtos que vende pela internet.
— Nem sempre as bolsas que preciso carregar e o fato de estar grávida são suficientes para que me cedam o lugar. Às vezes, outros passageiros compram a briga por mim — relata.
Sem qualquer constrangimento, o estudante de administração Caio de Souza não esconde que geralmente finge estar dormindo para não ceder o lugar.
— Uma vez ofereci o assento a uma senhora e ela se sentiu ofendida. Não faço mais. Além disso, tem dia que o cansaço impera — argumenta.
Para o sociólogo Geraldo Tadeu Monteiro, ignorar leis é uma defasagem cultural, e a população precisa aprender que o cumprimento de normas beneficia a todos.
— As pessoas precisam ser bem informadas das regras estabelecidas, e é necessário que haja um controle efetivo. Todos têm que saber que há punição em caso de descumprimento das normas. Muitos alegam que os assentos são preferências e não exclusivos, porém, dar lugar às pessoas que têm mais dificuldade de ficar em pé no transporte público também é uma questão de educação, de respeito ao próximo — conclui o sociólogo.
Fonte:Oglobo