Médicos e hospitais ainda não se sentem confortáveis quando o paciente assume o protagonismo do seu problema de saúde e os enchem de perguntas ou questionamentos. Passei por essa experiência no último sábado, após sofrer uma queda e, em seguida, um desmaio em Recife (PE).
Por precaução, fui levada a uma emergência de um hospital privado. O plantonista, um cirurgião plástico, não me examinou, mal me olhou e já pediu um raio-X do joelho direito (que ficou todo ralado com a queda) e uma tomografia de crânio, mesmo após eu e meu acompanhante garantirmos que não havia batido a cabeça (já estava sentada e amparada por um amigo quando apaguei).
Questionei o motivo da indicação da tomografia e se os riscos (radiação acumulada aumenta a chance de câncer) não seriam maiores do que os benefícios (já que o médico mesmo reconhecia que muito provavelmente o exame daria normal porque não havia batido a cabeça). Ele insistiu com os exames e indicou medicação endovenosa para dor e para minha queixa de enjoo.
Insisti que não precisava de medicação na veia já que havia alternativa de medicamento oral (lembrei de uma piada entre os médicos de que medicação endovenosa, em alguns casos, é uma espécie de ‘sequestro relâmpago’ dentro dos hospitais). Muito a contragosto, ele substituiu a medicação.
Mas continuava incomodada com a falta de assistência. Para mim, apenas a prescrição de remédios e exames não se traduzem em cuidado adequado. Liguei então para um amigo de Recife, um médico de família, que prontamente foi até o hospital me avaliar e, como já esperava, concluiu que estava tudo bem. O cansaço, o calor, o desgaste emocional gerado por entrevistas “muitas muito tristes”, o susto com a queda (ocorrida em uma rampa malfeita) e o fato de ter acabado de almoçar justificavam o desmaio.
Pedi para ser liberada, não tive sucesso. O médico que escolhi para me assistir pediu a mesma coisa e não foi atendido por não fazer parte do corpo clínico do hospital. O plantonista ficou tão furioso que se recusou a falar com o meu médico.
Resumo da ópera: quase precisamos chamar a polícia para fazer valer o meu direito de ouvir uma segunda opinião médica e optar por ela em vez de seguir o recomendado pelo médico plantonista.
Isso me fez lembrar dos inúmeros tratamentos médicos desnecessários e de uma campanha, chamada de Choosing Wisely (escolhendo sabiamente, em tradução livre), que está em curso para diminui-los. Nela, os pacientes também são incentivados a fazer mais perguntas sobre os procedimentos. É uma iniciativa que deveria ser abraçada por todas as especialidades médicas. Por enquanto, só a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e a Sociedade Brasileira de Cardiologia encamparam a ideia no Brasil.
A iniciativa começou em 2012, nos EUA, por meio da Abim (American Board of Internal Medicine). Hoje está consolidada em diversos países, entre eles, Canadá, Itália, Holanda e Suíça. Por aqui, a campanha está sendo facilitada pela Proqualis.
Choosing Wisely surgiu da percepção de que falta sabedoria quando há utilização exagerada ou inapropriada de recursos na saúde. A campanha convida as especialidades médicas a fazer uma autocrítica sobre condutas que não deveriam estar sendo adotadas por serem comprovadamente deletérias, ineficazes ou inúteis.
Em sua lista, a SBC, por exemplo, recomenda que não sejam colocados stents em pacientes assintomáticos. O procedimento é invasivo, obriga a pessoa a ficar usando remédios e não previne infartos, mesmo em quem tem grande placa de gordura. A campanha também considera desnecessária a tomografia computadorizada para confirmação de sinusite, ou mesmo para obter imagem cerebral após o paciente sofrer um desmaio (o que foi o meu caso).
Que fique bem claro: não sou contra exames preventivos quando bem indicados e usados de forma racional. Mas cada vez mais desconfio de médico que mal te olha, não te examina e já sai pedindo exames.
Artigo por
Cláudia Collucci
Fonte:Folha de São Paulo