Hoje, a mídia informou que o hacker que clonou o celular da primeira-dama Marcela Temer e cobrou dinheiro da família para não divulgar fotos íntimas e áudios foi condenado a cinco anos, dez meses e 25 dias de prisão em regime fechado, pelos crimes de estelionato e extorsão.
No entanto, essa sentença é ilegal. Passo a explicar por quê.
Primeira coisa a fazer é definir os crimes imputados.
- Estelionato; e
- Extorsão.
O estelionato é o crime previsto no artigo 171 do Código Penal
Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
A extorsão, por sua vez, está prevista no artigo 158 também do CP
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Passaremos a explicar cada um deles. Primeiramente, comete estelionato quem obtém algo alheio induzindo ou mantendo alguém em erro. Isso é, para configurar o estelionato é preciso que meio fraudulento tenha sido aplicado. Sem fraude antecedente, que provoca ou mantém em erro a vítima, levando-a à entrega do objeto, não se há falar em crime de estelionato.
Eis as discórdias. O celular da Marcela Temer foi clonado. Não houve fraude para que a Marcela entregasse o seu celular ao hacker, mas tudo aconteceu por meio do Backup do iCloud e sem a vítima ser induzida a erro algum.
O crime de Estelionato, pois então, não está presente.
O segundo crime é a extorsão. É constranger a vítima, ou seja, obrigá-la, forçá-la, coagi-la mediante grave ameaça ou violência. Houve o crime de extorsão? Sim. Houve! Poucas coisas precisamos discutir aqui. Se o agente do delito tem fotos, áudios e ameaça divulgar se não receber dinheiro em troca não há dúvidas que houve a extorsão.
O crime de Extorsão, pois então, está configurado.
E aqui começa o nosso problema. Se não houve fraude, por que ele respondeu por Estelionato (art. 171)? E se por alguma razão a gente considerar que houve Estelionato, esse crime não pode ser “somado” ao crime de Extorsão. Por quê? Pelo princípio da Consunção: o crime fim absorve o crime meio. Se o agente do delito pratica o estelionato com a intenção de depois extorquir a vítima, ele responde apenas pelo crime de extorsão.
Sendo assim, de uma forma ou de outra, o crime de Estelionato não poderia entrar na sentença: seja porque ele não existiu ou seja porque, existindo, foi absorvido pela Extorsão.
Mas a coisa fica mais bizarra. Pelo crime, o hacker amargou uma sentença de o5 (cinco) anos, 10 (dez) meses e 25 (vinte e cinto) dias de prisão em regime fechado. Absolutamente ilegal – ou desproporcional.
Vejamos. O artigo 33, § 2º, b, diz que
O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto.
Só houve um crime, a pessoa não era reincidente e a pena não passou de 8 anos. Qual a necessidade de manter o regime fechado para o sujeito se ele, além disso, encaixa-se no artigo 59 do Código Penal? O problema é esse “poderá”, né? Se poderá, quem vai querer tendo do lado de lá uma bela, recatada e do lar? Isso, infelizmente, pesa muito!
Importa lembrar a Súmula 269 do STJ:
É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.
De qualquer forma ele deveria cumprir a pena inicialmente no semi-aberto. De qualquer forma, menos no formato punitivo que o Brasil está mergulhado.
Outra coisa curiosa no processo: foi aberto em Abril, ganhou classificação “prioritária” e foi concluído 6 meses depois. Prioridade por que se não é idosa, nem criança e nem portadora de doença grave, conforme artigo 1.048 da lei 13.105/15? Prioridade no Processo Criminal é Habeas Corpus ou Idoso. E concluído em 6 meses? Isso é que é celeridade processual, viu?! Certamente passou por cima do artigo 12 do Código de Processo Civilque diz “que os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”. Não vale pra o Código de Processo Penal? Deveria, de forma subsidiária…
O hacker merece ser punido, sim; dentro dos limites da lei. E essa sentença é no mínimo injusta, para não ser indelicado e chamar do que realmente é: ilegal. Merece ser reformada!