José Luiz Gondim dos Santos
Leonardo das Neves Carvalho
Os valores de justiça climática somente são concretização mediante uma adequada e sistemática governança ambiental, envolvendo um conjunto normativo de políticas públicas, com a interação de múltiplos atores, públicos e privados, em busca do bem-comum.
A governança ambiental refere-se ao conjunto de políticas, leis, instituições e processos que influenciam a gestão e proteção do meio ambiente. Envolve a tomada de decisões e a implementação de ações destinadas a promover a sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais, abordando questões como mudanças climáticas, poluição, biodiversidade, uso de energia, gestão de resíduos, pagamentos por serviços ambientais, mercado de ativos ambientais e outros desafios ambientais.
A governança ambiental inclui atuação sinérgica de governos, organizações não governamentais, setor privado, comunidades locais e sociedade civil. Esses atores colaboram para desenvolver e implementar políticas ambientais, estabelecer regulamentações, promover a participação pública e coordenar esforços para enfrentar os problemas ambientais.
Existem várias abordagens para a governança ambiental, que podem variar de acordo com as circunstâncias e prioridades de cada país ou região. Alguns dos elementos-chave da governança ambiental incluem:
- Políticas e marcos legais: são estabelecidos para orientar as ações e decisões relacionadas ao meio ambiente. Isso pode incluir leis de proteção ambiental, regulamentações sobre emissões de poluentes, incentivos econômicos para práticas sustentáveis e acordos internacionais.
- Participação pública: envolver a sociedade civil, comunidades locais e outros grupos interessados no processo de tomada de decisões relacionadas ao meio ambiente. A participação pública permite que diferentes perspectivas sejam consideradas e aumenta a transparência e a responsabilização.
- Cooperação internacional: muitos desafios ambientais são globais em escala e exigem cooperação entre países. Acordos internacionais, como o Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, estabelecem metas e compromissos para lidar com questões ambientais compartilhadas.
- Monitoramento e fiscalização: é necessário acompanhar e avaliar o cumprimento das políticas e regulamentações ambientais. Isso envolve a coleta de dados, a medição do desempenho ambiental, a aplicação de sanções quando necessário e a divulgação de informações para o público.
- Capacitação e educação: a governança ambiental também busca aumentar a conscientização e o conhecimento sobre questões ambientais. Isso pode ser feito por meio de programas educacionais, treinamentos, campanhas de sensibilização e acesso à informação sobre o meio ambiente.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece as bases legais para a governança ambiental. O meio ambiente é considerado um bem de uso comum do povo e deve ser protegido tanto pelo poder público quanto pela sociedade conforme preceitua o art. 225. Além disso, a Constituição prevê a responsabilidade do Estado em promover o desenvolvimento sustentável, conciliando o progresso econômico com a preservação ambiental.
Diversas leis ambientais foram promulgadas para regulamentar a governança ambiental no Brasil, além dos compromissos assumidos em normas internacionais. Destacam:
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981). “Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.”
Lei de Florestas Públicas Nacional – Lei n° 11.284/06. “Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF; altera as Leis nºs 10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências.”
PNMC – Plano Nacional de Mudanças Climáticas – Lei n° 18.187/2009. “Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências.”
Decreto n° 9.578/2018. “Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo federal que dispõem sobre o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, de que trata a Lei nº 12.114, de 9 de dezembro de 2009, e a Política Nacional sobre Mudança do Clima, de que trata a Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009.”
Código Florestal Nacional – Lei n° 12.651/2012. “Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.”
Acordo de Paris – Ratificado pelo Decreto Legislativo nº 140, de 16 de agosto de 2016. “Aprova o texto do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC, celebrado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e assinado em Nova York, em 22 de abril de 2016.”
Lei do PIB Verde – Lei n° 13.493/2017. “Estabelece o Produto Interno Verde (PIV), em cujo cálculo será considerado o patrimônio ecológico nacional.”
Portaria Interministerial nº 236 – MPOG e do MMA. “Elaborar as Contas Econômicas Ambientais da Água no Brasil, observando e adaptando as recomendações e boas práticas internacionais sobre o tema, preconizadas pela Comissão de Estatística das Nações Unidas.”
Decreto n° 10.144/19. Decreto REDD+. “Institui a Comissão Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal – REDD+.”
Regramentos do ENREDD. “Estratégia Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal – ENREDD+.”
Portaria n° 518/2020 – Floresta + e Carbono+ – Mercados Voluntários – Públicos e Privados. “… com o objetivo de incentivar o mercado voluntario, público e privado, de créditos de carbono de floresta nativa.”
Lei n° 14.119/2021 – “Institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais; e altera as Leis n os 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para adequá-las à nova política.”
O Brasil também possui órgãos e instituições responsáveis pela governança ambiental em nível federal, estadual e municipal. O Ministério do Meio Ambiente é o principal órgão federal responsável pela formulação e implementação de políticas ambientais. Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é responsável pela fiscalização e controle ambiental em nível nacional.
Em nível estadual, existem órgãos ambientais, como as Secretarias de Meio Ambiente, que têm responsabilidade pela implementação e execução das políticas ambientais nos estados. Nos municípios, há as Secretarias de Meio Ambiente e também os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental e pela fiscalização das atividades locais.
É de se destacar que no ordenamento jurídico brasileiro, em face das disposições do Decreto-Lei n° 200/67, a administração direta pode destacar competências específicas para serem desenvolvidas por instituto, fundações e empresas públicas estatais, sempre considerando um critério de especialidade e estratégia do desenvolvimento das políticas públicas, e. g., como ocorrem nos casos que envolvem pesquisa básica e aplicada, controles e regulações específicas, atuação estratégica do estado nos mercados em igualdade de condições com a iniciativa privada considerando os interesses supremos e indisponíveis da sociedade.
Além disso, o Brasil tem buscado fortalecer a participação da sociedade civil na governança ambiental, que atuam por meio de conselhos, fóruns, comitê, audiências públicas e outras formas de participação pública que permitem que a sociedade contribua para a tomada de decisões e a implementação de políticas ambientais, assegurando a participação e legitimidade das ações estatais em face das necessidades reais da sociedade.
A estrutura da governança ambiental do governo federal brasileiro é composta por vários órgãos e entidades responsáveis pela formulação, implementação e fiscalização das políticas ambientais. Os principais órgãos e instituições envolvidos incluem:
- Ministério do Meio Ambiente (MMA): É o órgão central do governo federal responsável por formular e implementar políticas e diretrizes para a preservação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais, bem como para o combate à poluição e ao desmatamento. O MMA também coordena a participação do Brasil em acordos e convenções internacionais relacionadas ao meio ambiente.
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA): É o órgão responsável pela execução das políticas nacionais de meio ambiente e pela fiscalização e controle ambiental em nível federal. O IBAMA emite licenças ambientais, promove ações de fiscalização e combate a crimes ambientais, além de desenvolver atividades de monitoramento e controle ambiental.
- Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): É uma autarquia vinculada ao MMA, responsável pela gestão das unidades de conservação federais, como parques nacionais, reservas biológicas e áreas de proteção ambiental. O ICMBio trabalha na preservação da biodiversidade, no manejo sustentável dos recursos naturais e na promoção do ecoturismo.
- Agência Nacional de Águas (ANA): É uma agência reguladora responsável pela gestão e pelo uso sustentável dos recursos hídricos no Brasil. A ANA estabelece normas para o uso da água, coordena o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e promove a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos.
- Serviço Florestal Brasileiro (SFB): É um órgão vinculado ao MMA e responsável pela gestão das florestas públicas e pela promoção do uso sustentável dos recursos florestais. O SFB realiza a regularização fundiária, o manejo florestal sustentável e o controle do desmatamento ilegal.
Além disso, existem outros ministérios e entidades, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que desempenham papéis relevantes na gestão ambiental em setores específicos. Destaca-se que os estados-federados, municípios e distrito federal terão suas estruturas de governança equivalentes em competência e similares em estrutura organizacional em atenção ao princípio da simetria federativa.
A governança ambiental no governo federal requer a coordenação e integração desses órgãos e instituições, bem como a colaboração com os governos estaduais, municipais, a sociedade civil e o setor privado. A estrutura da governança ambiental está em constante evolução, buscando responder aos desafios ambientais e promover a sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais do Brasil.
No entanto, apesar dos esforços realizados, a governança ambiental no Brasil ainda enfrenta desafios significativos atrelados às possíveis interferências políticas (desafio de prioridades, lobby de grupos de interesse, corrupção, falta de vontade política e etc.) com consequências negativas, como: enfraquecimento das políticas de conservação, a degradação ambiental, a perda de biodiversidade e o aumento das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a falta de coerência e consistência nas políticas ambientais pode prejudicar a confiança da sociedade civil, do setor privado e da comunidade internacional.
A interferência política é essencial para a tomada de decisões relacionadas ao meio ambiente em busca da justiça climática quando são guiadas por evidências científicas e objetivos de sustentabilidade, fortalecida pela participação ativa da sociedade civil, pela transparência, pela prestação de contas e pela integração de diferentes setores da sociedade como uma cultura de participação e engajamento.
A pressão sobre os recursos naturais, como desmatamento, poluição e mudanças climáticas, representa desafios que exigem uma abordagem integrada e aprimorada da governança ambiental. A efetividade da aplicação das leis ambientais e a necessidade de maior coordenação entre os diferentes níveis de governo também são áreas que requerem atenção contínua.
É importante ressaltar que a governança ambiental é um processo contínuo e dinâmico, que requer a participação de todos os setores da sociedade e a adoção de abordagens inovadoras e sustentáveis para a gestão dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente.
José Luiz Gondim dos Santos é advogado, gestor de políticas públicas, mestre em Ciências e Especialista em Economia Contemporânea, com experiência em projetos de políticas públicas e programas de integridade e Environmental, Social and Governance (ESG)
Leonardo das Neves Carvalho, é advogado, assistente jurídico da Procuradoria Geral do Estado do Acre, especialista em Ciências e Legislação do Trabalho, com experiência em gestão pública nas áreas de justiça, segurança e direitos humanos, atualmente Presidente do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Estado do Acre – IMC/AC