Em 26 de maio de 2016, quando se prontificou a ir voluntariamente até a sede da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, para prestar depoimento, o empresário Eike Batista assim explicou aos procuradores Robson Pozzobon e Júlio Carlos Motta Noronha, do Ministério Público Federal, a razão de fazer generosas doações a campanhas políticas: “Fazia isso constantemente como brasileiro, essa é minha contribuição política, quero que a democracia flua”.
As investigações da Operação Eficiência mostraram nesta quinta-feira, contudo, que as relações do ex-bilionário com os poderosos, especialmente com o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), não se baseavam no civismo de Eike, acusado de pagar ao menos 16,5 milhões de dólares em propina ao peemedebista.
No depoimento, o empresário não fez qualquer menção a pagamento de propinas. “Minha cultura é de fazer a coisa certa”, garantiu. Quando voltar do exterior, entregar-se às autoridades brasileiras e for levado à prisão, Eike pode se ver inclinado mudar o discurso e explicar as reais motivações de alguns de seus investimentos políticos.
Além das propinas milionárias pagas no esquema descoberto pelo MPF e a Polícia Federal, Eike doou oficialmente 12,6 milhões de reais a campanhas políticas entre 2006 e 2012, conforme o Sistema de Prestação de Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A lista de beneficiários do dinheiro do ex-bilionário é estrelada e suprapartidária: envolve 13 partidos, do DEM ao PCdoB, e nomes de ex-presidentes, ex-presidenciáveis, ex-prefeitos, parlamentares e ex-parlamentares.
O ano em que o ex-bilionário debutou no financiamento de campanhas políticas foi 2006, quando ele gastou 4,38 milhões de reais em doações, divididas entre sete candidatos e os comitês financeiros de PMDB, PFL, PSB, PT e PDT. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um milhão de reais. André Puccinelli (PMDB) e Delcídio do Amaral (então no PT), os dois principais candidatos ao governo do Mato Grosso do Sul, onde Eike tinha negócios, levaram 400.000 reais a cada um. O PMDB do Rio de Janeiro, reduto de Cabral, foi agraciado com outros 400.000 reais.
Nas eleições municipais de 2008, quando distribuiu 1,7 milhão de reais a candidatos e partidos, Eike demonstrou como interesses econômicos – e não apenas o desejo de que “a democracia flua” – guiavam a lógica de suas contribuições.
Receberam 50.000 reais cada os desconhecidos Breno Costa (DEM) e Reinaldo Guimarães (PMDB), candidatos à prefeitura da pequena Conceição do Mato Dentro (MG), onde a MMX, mineradora de Eike, produzia minério de ferro. Além deles, as campanhas dos ex-prefeitos do Rio Eduardo Paes (PMDB) e de Belo Horizonte Márcio Lacerda (PSB) levaram 500.000 reais e 400.000 reais, respectivamente.
Foi nas eleições nacionais de 2010, no entanto, que o então bilionário mais abriu a carteira, com doações oficiais de 6 milhões de reais, divididas entre cinco candidatos e os comitês financeiros de PSDB, PT, PR, PSB, PV, PCdoB, PDT e DEM.
Entre os presidenciáveis, o tucano José Serra e a petista Dilma Rousseff receberam um milhão de reais cada, enquanto Marina Silva (PV) ficou com 500.000 reais. Candidato à reeleição ao governo do Rio, Cabral foi beneficiado com 750.000 reais por Eike, que ainda injetou 500.000 reais na campanha de Delcídio ao Senado e 100.000 reais na de Cristovam Buarque (PDT-DF).
A única eleição em que o empresário preferiu fazer doações por meio de uma de suas empresas, e não de sua pessoa física, foi a de 2012. Naquele ano, a MMX doou 500.000 reais, distribuídos entre PMDB, PSD, DEM, PP, PSDB, PTB, PTC e PSB.
Mantega e Santana
O depoimento de Eike aos procuradores da Lava Jato foi crucial para a prisão – mesmo que por poucas horas – do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na 34ª fase da operação, a Arquivo X.
Em seu depoimento, Eike explicou em detalhes como Mantega pediu doação ao PT, no valor de 5 milhões de reais, em forma de quitação de campanha. A reunião foi no dia 1º de novembro de 2012, fora de período eleitoral.
Segundo o empresário, a mulher do marqueteiro João Santana, Mônica Moura, procurou o advogado Flávio Godinho, também alvo da Operação Eficiência nesta quinta-feira, e o orientou a encaminhar o pagamento a uma conta do casal no exterior. Eike disse aos procuradores que exigiu de Santana a prestação de algum serviço em troca do dinheiro, o que teria sido feito por meio de uma consultoria junto aos governos de Venezuela e Angola.
Fonte: Por João Pedroso de Campos na Veja. Com