O recém-criado São Paulo Futebol Clube – fundado no dia 25 de janeiro de 1930 – não havia completado ainda dois anos de existência quando, no dia 10 de janeiro de 1932, conquistou o primeiro título oficial da história da associação: o Campeonato Paulista de 1931.
A conquista, obtida com a goleada de 4 a 1 na casa do rival Corinthians (o Parque São Jorge), ficou para a posteridade como a principal vitória do time de Friedenreich, Luizinho, Araken, Armandinho e companhia, que, até aquela data, havia sido também vice-campeão estadual na edição anterior, de estreia. Tais resultados renderam a esse time o apelido de Esquadrão de Aço.
Apesar da partida decisiva ter sido realizada contra o time alvinegro da Capital, o Corinthians foi apenas o sexto colocado na classificação final do Paulista de 1931. O título, na verdade, foi conseguido em disputa acirrada com os outros dois rivais do estado: o Palestra Itália e o Santos, que terminaram dois pontos atrás do Tricolor na tabela (o equivalente a uma vitória de diferença, na época).
DISPUTA ACIRRADA
O Palestra Itália liderou o certame por praticamente todo o torneio até a 20ª rodada (faltando seis para o fim). Quando, então na 21ª rodada, foi goleado impiedosamente pelo Tricolor por 4 a 0, na Chácara da Floresta – Esta goleada foi um trauma tão grande para os palestrinos que eles juraram retribuí-la, até que em 1939 o São Paulo aplicou a maior goleada da história do Choque-Rei: um 6 a 0, e aí deixaram isso de lado -. Com o resultado, houve um empate tríplice no primeiro lugar do campeonato: São Paulo, Santos e Palestra no topo, com 35 pontos.
A derrota frente ao Tricolor baqueou muito os palestrinos, que na rodada seguinte perderam para o Santos em casa, por 2 a 1. Desde então, até a penúltima rodada (25ª), somente São Paulo e Santos disputaram a liderança do Paulistão. Nesta penúltima rodada, Santos e São Paulo detinham 41 pontos, dois a mais que o terceiro colocado, o Palestra Itália. Mas o Santos tropeçou e empatou com a Portuguesa, em 2 a 2, fora de casa, enquanto o Tricolor venceu o Sírio, na Floresta e o Palestra venceu o Germânia, por 5 a 2, no Parque Antártica.
Assim, antes da realização da última rodada, o Tricolor liderava com somente um ponto à frente do Santos e dois à frente do Palestra. Caso o time praiano vencesse o Juventus, fora de casa, o São Paulo perderia o título se fosse derrotado pelo Corinthians nos domínios dele. Se o Majestoso acabasse empatado, nesta situação, haveria jogo extra decisivo contra os santistas. Ao Palestra cabia torcer contra os outros dois times, vencer o América da Capital (apesar do mando do jogo ser do América, a partida foi disputada no Parque Antárctica), e esperar o extra contra o clube da Floresta.
CENAS DA TEMPORADA
Contudo, o Santos somente empatou com o Juventus por 1 a 1, e a vitória do Palestra por 6 a 3 sobre o América foi inútil, graças à atuação de Friedenreich, Araken e Armandinho na linha de frente são-paulina contra o Corinthians. O Tricolor dominou o adversário, na casa dele, desde o início.
VALENDO O TÍTULO
Aos quatro minutos, após cobrança de escanteio, a bola caiu nos pés de Friedenreich, que passou para Armandinho. Este, com um chute cruzado, colocou a bola no canto esquerdo do goleiro Onça e abriu o placar para o São Paulo: 1 a 0. O jogo seguiu aberto, mas com os tricolores desperdiçando mais oportunidades, com chutes além da meta.
Depois de uma bola alçada na área, que o zagueiro Grané não dominou corretamente, a pelota sobrou macia para Armandinho bater de primeira para o gol, sem chances de defesa para o arqueiro rival, encoberto pela zaga: 2 a 0 para o Tricolor, aos 27 minutos da etapa inicial.
Melhores na partida, os são-paulinos partiram ainda mais para a ofensiva. Munhoz, de cabeça, impediu um gol de Friedenreich, na sequência. Os corintianos cederam faltando três minutos para o fim do primeiro tempo. Bino tocou para Araken. Fried, que se encontrava ao lado de Araken, partiu em disparada para a área adversária. Araken compreendeu a jogada e levantou a bola para o centroavante por cima da marcação. O goleiro deixou a meta e tentou interceptar “El Tigre” após o lançamento, mas o atacante tricolor foi mais rápido e, com um toque certeiro, mandou a bola para o fundo das redes: 3 a 0 para o São Paulo!
Antes do apito do árbitro, o Tricolor perdeu outra chance, com Araken e defesa de Onça, que mandou para escanteio. Encerrada a etapa inicial, “os tricolores, na sahida, são ovacionados” (A Gazeta Esportiva).
Para surpresa geral, foi o Corinthians que marcou um gol logo após o reinício da partida, aos 2 minutos, com Guimarães. Descontado o placar, o Tricolor voltou à carga, com alguns bons ataques, embora só tivesse controlado efetivamente o jogo por volta dos 15 minutos. Aos 19, Armandinho correu à linha de fundo pela direita e cruzou para a área, Grané tentou cortar, mas o zagueiro “furou” categoricamente. A bola chegou a Araken, que ajeitou e fulminou com destria. Onça ainda se atirou no lance, mas nem perto esteve de defender: 4 a 1 para o São Paulo!
“Balançam as redes… O sol aparece, festivo, como para saudar a victoria do S. Paulo, que está decretada, de uma vez… O público começa a retirar-se”. (A Gazeta Esportiva). O que se seguiu foi um vareio são-paulino. O arqueiro rival conseguiu, junto a algumas bolas atiradas ao léu pelos atacantes tricolores e ao fato de o juiz não ter marcado um pênalti em Luizinho, impedir um massacre ainda mais histórico. A poucos minutos do fim, o som de fogos e morteiros disparados das gerais tomou conta do cenário: era a torcida são-paulina em animada comemoração. No último lance, Grané salvou os corintianos mais uma vez, após chute de Luizinho. Fim de jogo: o resultado garantiu o primeiro título são-paulino na história!
“Com isso, finda o memorável prélio. O São Paulo é o vencedor por 4 a 1. Os torcedores invadem o campo e carregam, triumphalmente, os novos campeões”. (A Gazeta Esportiva).
“4 a 1! Essa contagem num jogo entre contendores de tal categoria diz muito do valor dos tricolores que galhardamente souberam colocar o S. Paulo á frente de todos os clubes da Associação Paulista de Esportes Atleticos”. (Diário Nacional).
Após a festa dos tricolores na casa do Corinthians, no Parque São Jorge, os torcedores fizeram uma passeata, do bairro do Tatuapé ao centro da cidade, visitando as redações dos principais jornais da capital e empunhando bandeiras, estandartes e faixas com menções ao título e aos grandes jogadores da conquista. A diretoria e os jogadores são-paulinos comemoraram o título no salão de festas do Clube Commercial. A gala foi regada a canapés e coquetéis, como também a muitos gritos de torcida, tal qual o “Pim… Pam… Pum! São Paulo! São Paulo! São Paulo!”.
Tamanho festejo era mais do que justificado. A campanha final dos tricolores foi excepcional: 92 gols marcados em 26 jogos (média de 3,6 gols por partida), 20 vitórias, cinco empates e apenas uma derrota. Friedenreich terminou a competição como o principal goleador tricolor, com 32 gols, atrás de Feitiço (39), do Santos, na artilharia geral. Araken, com 16 tentos, Armandinho e Luizinho, com 15, também marcaram mais de dez gols no torneio. Vale frisar que muito do mérito dessa campanha coube, também, ao treinador Rubens Salles, que assumira o time apenas no returno, levando-o à conquista.
O resultado também coroou uma geração que amou tanto o Tricolor que, mesmo após os infortúnios de 1935, regressaria ao time nos anos seguintes para ajudar o São Paulo a se restabelecer como um grande clube do futebol brasileiro (foi o caso de Luizinho, Araken, Armandinho, por exemplo).
PUBLICAÇÕES SOBRE A CONQUISTA
O JOGO DECISIVO
10.01.1932
São Paulo (SP)
Estádio do Parque São Jorge (Parque São Jorge)
Sport Club CORINTHIANS Paulista 1 x 4 SÃO PAULO Futebol Clube
SCCP: Onça; Grané e Juvenal; Parras, Oswaldo e Munhoz; Filhote, Tony, Gambá, Bertoni e Guimarães. Técnico: José de Carlo.
Gols: Guimarães, 2/2
SPFC: Joãozinho; Clodô e Barthô; Milton, Bino e Sasso; Luizinho, Armandinho, Friedenreich, Araken Patusca e Junqueirinha. Técnico: Rubens Salles.
Gols: Armandinho, 4/1; Armandinho, 27/1; Friedenreich, 37/1; Araken Patusca, 19/2
Árbitro: Virgilio Friedrighi
Renda: Réis 51:998$000
Público: 20.222 pagantes
A CAMPANHA
Fase única – Turno
29.03.1931 – 2 X 2 – SANTOS Futebol Clube (SP)
12.04.1931 – 3 X 1 – Sport Club INTERNACIONAL (São Paulo – SP)
01.05.1931 – 2 X 3 – Società Sportiva PALESTRA ITALIA (SP)
10.05.1931 – 2 X 2 – GUARANI Futebol Clube (SP)
16.05.1931 – 4 X 1 – Sport Club GERMÂNIA (SP)
24.05.1931 – 4 X 2 – Associação Athletica SÃO BENTO (São Paulo – SP)
31.05.1931 – 3 X 1 – Clube Atlético JUVENTUS (SP)
07.06.1931 – 2 X 0 – Clube Atlético YPIRANGA (SP)
14.06.1931 – 3 X 3 – Clube ATLÉTICO SANTISTA (SP)
21.06.1931 – 8 X 1 – Club Sportivo AMÉRICA (São Paulo – SP)
28.06.1931 – 2 X 2 – Sport Club CORINTHIANS Paulista (SP)
20.09.1931 – 5 X 1 – Sport Club SÍRIO (SP)
27.09.1931 – 2 X 1 – Associação PORTUGUESA de Esportes (SP)
Fase única – Returno
18.10.1931 – 6 X 0 – Clube Atlético YPIRANGA (SP)
25.10.1931 – 4 X 2 – SANTOS Futebol Clube (SP)
31.10.1931 – 2 X 0 – Sport Club INTERNACIONAL (São Paulo – SP)
08.11.1931 – 7 X 1 – Club Sportivo AMÉRICA (São Paulo – SP)
15.11.1931 – 3 X 1 – Associação PORTUGUESA de Esportes (SP)
22.11.1931 – 8 X 1 – Clube Atlético JUVENTUS (SP)
29.11.1931 – 1 X 1 – Clube ATLÉTICO SANTISTA (SP)
06.12.1931 – 4 X 0 – Società Sportiva PALESTRA ITALIA (SP)
13.12.1931 – 2 X 0 – GUARANI Futebol Clube (SP)
20.12.1931 – 3 X 1 – Sport Club GERMÂNIA (SP)
27.12.1931 – 4 X 2 – Associação Athletica SÃO BENTO (São Paulo – SP)
03.01.1932 – 2 X 1 – Sport Club SÍRIO (SP)
10.01.1932 – 4 X 1 – Sport Club CORINTHIANS Paulista (SP)
OS CAMPEÕES
Jogador | P | J | V | E | D | GM | GS | %PG | MM | MS |
Barthô (Bartholomeu Vicente Gugani) | DF | 26 | 20 | 5 | 1 | 1 | 0 | 83,33 | 0,04 | 0,00 |
Clodô (Clodoaldo Caldeira) | DF | 26 | 20 | 5 | 1 | 0 | 0 | 83,33 | 0,00 | 0,00 |
Friedenreich (Arthur Friedenreich) | AT | 26 | 20 | 5 | 1 | 32 | 0 | 83,33 | 1,23 | 0,00 |
Luizinho (Luiz Mesquita de Oliveira) | AT | 26 | 20 | 5 | 1 | 15 | 1 | 83,33 | 0,58 | 0,04 |
Milton (Milton Aguiar) | LM | 26 | 20 | 5 | 1 | 1 | 0 | 83,33 | 0,04 | 0,00 |
Bino (Albino de Oliveira) | LM | 26 | 20 | 5 | 1 | 0 | 0 | 83,33 | 0,00 | 0,00 |
Araken (Araken Patusca da Silveira) | AT | 24 | 19 | 4 | 1 | 16 | 0 | 84,72 | 0,67 | 0,00 |
Joãozinho (João Dedivitz) | GL | 23 | 19 | 4 | 0 | 0 | 24 | 88,41 | 0,00 | 1,04 |
Armandinho (Armando dos Santos) | AT | 20 | 15 | 4 | 1 | 15 | 0 | 81,67 | 0,75 | 0,00 |
Siriri (José de Andrade Torres) | AT | 17 | 12 | 4 | 1 | 6 | 0 | 78,43 | 0,35 | 0,00 |
Junqueirinha (Fausto de Andrade Junqueira) | AT | 12 | 11 | 1 | 0 | 3 | 0 | 94,44 | 0,25 | 0,00 |
Emílio Armiñana (Emílio Armiñana) | LM | 11 | 6 | 4 | 1 | 1 | 0 | 66,67 | 0,09 | 0,00 |
Fábio (Fábio Villalva) | LM | 11 | 10 | 1 | 0 | 1 | 0 | 93,94 | 0,09 | 0,00 |
Nestor (Nestor de Almeida) | GL | 3 | 1 | 1 | 1 | 0 | 5 | 44,44 | 0,00 | 1,67 |
Biba (Álvaro Marcondes Machado) | AT | 3 | 2 | 1 | 0 | 0 | 0 | 77,78 | 0,00 | 0,00 |
Alves (Luiz Ramalho Alves) | LM | 2 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 100,0 | 0,00 | 0,00 |
Álvaro (Álvaro Souza Machado) | AT | 2 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 66,67 | 0,00 | 0,00 |
Sasso (João Sasso) | LM | 2 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 100,0 | 0,00 | 0,00 |
A CLASSIFICAÇÃO FINAL
C. | Clubes | PG | J | V | E | D | GP | GC | SG | P3 | %PG | MGP | MGC |
1º | São Paulo FC | 45 | 26 | 20 | 5 | 1 | 92 | 31 | 61 | 65 | 83,3 | 3,5 | 1,2 |
2º | SS Palestra Itália | 43 | 26 | 21 | 1 | 4 | 84 | 35 | 49 | 64 | 82,1 | 3,2 | 1,3 |
3º | Santos FC | 43 | 26 | 19 | 5 | 2 | 80 | 28 | 52 | 62 | 79,5 | 3,1 | 1,1 |
4º | C Atlético Santista | 35 | 26 | 14 | 7 | 5 | 66 | 44 | 22 | 49 | 62,8 | 2,5 | 1,7 |
5º | A Portuguesa E | 32 | 26 | 14 | 4 | 8 | 55 | 35 | 20 | 46 | 59,0 | 2,1 | 1,3 |
6º | SC Corinthians P | 29 | 26 | 10 | 9 | 7 | 66 | 48 | 18 | 39 | 50,0 | 2,5 | 1,8 |
7º | Guarani FC | 26 | 26 | 11 | 4 | 11 | 54 | 49 | 5 | 37 | 47,4 | 2,1 | 1,9 |
8º | CA Juventus | 23 | 26 | 10 | 3 | 13 | 47 | 64 | -17 | 33 | 42,3 | 1,8 | 2,5 |
9º | SC Sírio | 22 | 26 | 10 | 2 | 14 | 60 | 56 | 4 | 32 | 41,0 | 2,3 | 2,2 |
10º | SC Internacional | 20 | 26 | 7 | 6 | 13 | 36 | 51 | -15 | 27 | 34,6 | 1,4 | 2,0 |
11º | AA São Bento (SP) | 13 | 26 | 4 | 5 | 17 | 45 | 75 | -30 | 17 | 21,8 | 1,7 | 2,9 |
12º | CS América (SP) | 12 | 26 | 5 | 2 | 19 | 33 | 95 | -62 | 17 | 21,8 | 1,3 | 3,7 |
13º | CA Ypiranga | 11 | 26 | 4 | 3 | 19 | 31 | 82 | -51 | 15 | 19,2 | 1,2 | 3,2 |
14º | SC Germânia | 10 | 26 | 4 | 2 | 20 | 35 | 91 | -56 | 14 | 17,9 | 1,3 | 3,5 |
Por Michael Serra / Arquivo Histórico João Farah