O podcast Folha Nobre recebeu em sua edição número 85 um dos principais nomes do tiro prático brasileiro. O amazonense Mário Neto, atleta de alto rendimento e instrutor de IPSC, esteve em Ariquemes para ministrar cursos no Clube de Tiro de Ariquemes (CTAR) e no CT Hunter e aproveitou a passagem pela cidade para contar, em uma conversa descontraída com o apresentador Ivan Lara, a trajetória que o levou dos estandes de Manaus aos pódios nacionais e mundiais.
Natural de São Luís, no Maranhão, nascido em 2000, Mário Neto se considera manauara de origem e coração. De família de atiradores, ele cresceu em Manaus e foi no ambiente de clube de tiro que encontrou cedo o seu caminho no esporte.
“Comecei cedo no tiro, comecei a frequentar estande de tiro com 9 anos. Na época era ar comprimido, competição de tiro de precisão que a gente fazia”, lembrou. O pai já era atirador e árbitro de tiro prático e foi quem o levou, ainda criança, para o primeiro contato com o esporte.
Raízes no Amazonas e início no tiro prático
A transição do ar comprimido para o tiro prático com arma de fogo veio aos 12 anos, com autorização judicial. A primeira arma de treino foi uma PT 58 calibre 380, sob orientação do instrutor Takuya Takano, figura conhecida no meio e responsável por grande parte da base técnica do atleta.
“Foi o Takuya que me ensinou a atirar. O stand que eu treino até hoje era o stand dele. É a minha casa”, contou.
Em 2013, aos 13 anos, Mário participou de sua primeira etapa de Campeonato Brasileiro, na categoria Light 380. Ainda em desenvolvimento, passou a temporada entre aprendizado e adaptação. A guinada competitiva viria nos anos seguintes.
Pan-americano, Mundial e título brasileiro
O ano de 2015 marcou a primeira grande conquista internacional. No Pan-americano realizado em Cuiabá, Mário Neto foi campeão júnior na divisão standard. Dois anos depois, em 2017, ele representou o Brasil no Mundial de tiro prático na França e terminou em terceiro lugar na categoria júnior, novamente na standard.
“Em 2018 veio o título brasileiro overall com 17 anos”, recordou. Foi o primeiro atleta do Amazonas a conquistar um Campeonato Brasileiro de tiro prático, em uma época em que a divisão standard era a mais concorrida do país.
Sobre aquele ano, ele resume como o ponto de virada da carreira. “Foi quando eu consegui colocar meu nome no cenário nacional, tipo medalha em campeonato internacional e depois título nacional”, disse. O título de 2018, segundo ele, segue sendo o mais especial, justamente por ter sido o primeiro em nível geral.
Desafios de competir morando no Norte
Ao longo da entrevista, Mário destacou um ponto que acompanha a rotina de atletas do Norte do país em qualquer modalidade que dependa de calendário nacional e internacional. A distância e o custo logístico limitam o número de provas disputadas por ano.
“Meu grande problema sempre foi competição. Lá em Manaus a gente tem as provas do estadual, que não são muitas por ano. E para sair, ou tem que gastar muito pegando voo, ou andar 800 quilômetros de carro para chegar até Boa Vista”, explicou.
Em 2024, por exemplo, ele só conseguiu participar de uma etapa do Campeonato Brasileiro, a final, e de um campeonato latino-americano, em um intervalo de um mês. Ainda assim, segue se mantendo entre os nomes fortes da modalidade.
Rotina de atleta e preparação física
Mesmo com agenda limitada de competições, Mário mantém rotina de atleta de alto rendimento. Durante anos, praticou diariamente pelo menos uma hora de treino em seco, chegando em alguns períodos a treinar até duas horas por dia.
Hoje, a preparação física combina musculação, fisioterapia preventiva e treinos específicos voltados ao gesto esportivo do tiro prático, como deslocamentos, explosão muscular e estabilização.
“Essa máquina aqui, meu irmão, se não der manutenção, vai quebrar”, resumiu, ao falar da necessidade de cuidar do próprio corpo para suportar o volume de treinos e provas.
Um capítulo importante da formação física veio com a carreira no exército. Oficial de infantaria, Mário passou cinco anos no 1º Batalhão de Infantaria de Selva, em Manaus, unidade especializada em operações aeromóveis.
“A minha experiência como oficial do Exército foi muito boa. Fiz estágio de operações aeromóveis, treinava com helicóptero toda semana, atirava muito em ambiente operacional. São oportunidades únicas”, relatou. No último ano de farda, atuou na comunicação social da unidade, antes de deixar a carreira militar em 2025.
Instrutor, mentor e formação de novos atiradores
Além de atleta, Mário Neto também se consolidou como instrutor de tiro prático. Ele começou a dar aulas em 2016, aos 16 anos, primeiro em Manaus e depois viajando para ministrar cursos em Tocantins, Piauí, São Paulo e Rondônia. A primeira turma fora de sua cidade foi justamente em Ariquemes.
“Um moleque de 16 anos ensinando marmanjos de 40”, brincou, lembrando o início como instrutor. Hoje, em Manaus, ele trabalha com turmas semanais de treinamento, modelo que considera mais eficiente que cursos esporádicos.
“Não adianta eu fazer um curso a cada seis meses e nesse intervalo não praticar nada. No curso você não fica especialista, você recebe conhecimento para praticar e aí fica bom”, explicou. Segundo ele, os pódios do Campeonato Amazonense hoje são dominados por seus alunos, resultado de um trabalho de continuidade em treinamento.
Mário também defende que praticantes busquem diferentes instrutores ao longo da formação, para construir um estilo próprio de tiro. “É interessante que você faça curso com instrutores diferentes, pra colher um pouco de informação de cada, pra montar o seu próprio estilo”, disse.
Patrocínio, Taurus e presença digital
A relação com grandes marcas do setor começou cedo. O primeiro patrocínio veio com a Tanfoglio, através do multicampeão Jaime Saldanha, que se tornou treinador e referência técnica na fase de transição do júnior para o alto rendimento.
Em 2020, Mário passou a integrar o time da Taurus, inicialmente com a TS9 nas divisões Production e Production Optics. “Deu muito certo. Muita gente adquiriu a TS9, foi uma arma que popularizou no tiro prático”, contou.
Nos últimos anos, migrou para a divisão classic com a plataforma 1911 em 9 mm, também da Taurus, destacando o custo-benefício para atletas que querem ser competitivos com investimento mais acessível em comparação a armas importadas.
A presença nas redes sociais nasceu da necessidade de divulgar as marcas, mas hoje cumpre também papel de compartilhamento de conhecimento. “No início foi o patrocínio. Hoje é mais pelo prazer mesmo de estar divulgando conhecimento e conversando com a galera”, afirmou. Ele mantém produção ativa no Instagram e planeja retomar vídeos mais longos no YouTube.
Mensagem para quem está começando no tiro esportivo
Ao final da entrevista, Mário deixou um recado direto para quem pretende iniciar no tiro desportivo, especialmente no atual contexto de regras mais rígidas e processos mais demorados para aquisição de armas e munições no Brasil.
“Pra quem tá começando no tiro hoje, a palavra-chave é o quê? Tenha paciência. Você tá entrando num momento difícil, mas você tá entrando num esporte apaixonante”, afirmou.
Ele reforçou que o foco para quem quer evoluir deve estar mais no treino que na quantidade de armas. “Se você quiser ser um atirador esportivo, invista em treinamento. Adquira uma arma boa, que seja competitiva e comece a treinar, a competir”, aconselhou.
Acima de tudo, Mário lembra que o tiro, para a imensa maioria, é um hobby e um lazer, e que essa essência não pode ser perdida mesmo em ambiente de alta performance.
“O tiro tem que ser algo que te traga felicidade, prazer. Até hoje eu atiro assim. Pessoal vem me perguntar, por que tu tá sempre rindo, tá sempre brincando? Falei, cara, porque isso aqui pra mim é minha diversão. Quando a gente atira feliz parece que o negócio até flui melhor”, concluiu.
A íntegra da conversa com Mário Neto está disponível no canal do podcast Folha Nobre no YouTube (abaixo) e os cortes especiais você pode conferir em nosso Instagram @folhanobre.