A desigualdade voltou a aumentar no país. Ao atingir patamares recordes em 2016, o desemprego fez com que a disparidade da renda domiciliar per capita no Brasil registrasse o primeiro aumento em 22 anos, desde o início do Plano Real, mostra o índice de Gini calculado pela FGV Social. O indicador — que varia de zero a um e que, quanto mais perto de zero estiver, mais igual é a sociedade — chegou a 0,5229 no ano passado, alta de 1,6% em relação ao ano anterior. Com o resultado, o Brasil voltou três anos no tempo e anulou a redução da desigualdade registrada em 2014 e 2015.
— Além do aumento do desemprego, tem a inflação corroendo a renda média. O desemprego se tornou sério porque aumentou, mas também porque é de longa duração. A pessoa fica desempregada e demora a sair da situação — analisa o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo Neri, o aumento na desigualdade registrado no ano passado preocupa principalmente porque o bolo a ser dividido não só encolheu, mas murchou para os mais pobres. Além do custo social, o economista observa que os efeitos sobre esse grupo são muito ruins para a economia, pois os mais pobres comprometem a maior parte da renda com consumo. Eles são, portanto, parte importante na demanda que tanto se espera destravar para que a atividade econômica brasileira volte a crescer.
— Estamos andando para trás em justiça social. Em 2015, apesar de o índice de Gini ter ficado estável, a renda dos 5% mais pobres já havia caído 14%, e a pobreza, aumentado 19,3%. O resultado de 2016 penalizando este grupo novamente é uma desgraça. Se os mais pobres estão perdendo mais, as empresas vendem menos. A queda do consumo é mais forte quando a desigualdade aumenta. Programas voltados aos mais pobres, como o Bolsa Família, têm um impacto multiplicador sobre a demanda da economia três vezes maior que o da Previdência ou o do FGTS — exemplifica o diretor da FGV Social.
MAIS POBRES SÃO OS MAIS PENALIZADOS
Manuel Thedim, economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), não se surpreende com esses dados:
— Quem perde o emprego primeiro na recessão são os mais pobres e menos escolarizados, logo, o de menor produtividade. Um economista, na década de 1950, conseguiu comprovar que renda, escolaridade e produtividade têm uma correlação forte. Quem tem mais anos de estudo terá mais renda do que quem tem menos anos de estudo. Se o desemprego tivesse atingido os mais ricos, a desigualdade teria caído.
Ele lembra que, quando esse trabalhador consegue uma recolocação em meio à crise, é em uma ocupação inferior:
— São pessoas que vão deixar, por exemplo, de ser vendedores de sapato e, para sobreviver, vão virar ambulantes. Além do desemprego, há a perda da qualidade do posto de trabalho para um grande grupo.
Marcelo Lima de Carvalho, de 34 anos, é um desses cidadãos afetados pela queda na renda. Desempregado há quatro meses, o morador do Caju, Zona Norte do Rio, mantém a rotina de sair de casa às 5h30m, como quando trabalhava como garçom.
— Minha mulher está empregada, mas tivemos que cortar pela metade quase todas as coisas lá em casa. Cortamos TV a cabo, plano de saúde. Procuro emprego todos os dias. Passo o dia todo na rua, só paro de procurar alguma coisa lá pela 18h. Fiquei sem dinheiro, dependo dos bicos que as pessoas me arrumam, como pintor. Nessa crise, a gente aceita o que vier. Na minha família, meu primo e meus irmãos também estão sem emprego — comenta.
Com a taxa de desemprego em 12,3%, atingindo 12,6 milhões de pessoas, difícil é não conhecer alguém nessa situação. E, quando a falta de emprego atinge um membro da família, não apenas o desempregado é afetado, mas toda a casa sente as consequências.
— Minha irmã trabalhava em limpeza e perdeu o emprego há dois meses. Ela mora comigo, meu irmão e minha mãe. Sem o salário dela, ficamos sem uma renda em casa, e isso impactou muito a ajuda à minha mãe, que tem muitos problemas de saúde — conta Pierre de Oliveira Rodrigues, de 31 anos, que trabalha em suporte técnico.
BEM-ESTAR CAI HÁ DOIS ANOS
Para piorar o cenário, o indicador de bem-estar medido pela FGV Social, que observa os efeitos do crescimento da renda, do somatório geral e a dinâmica da sua divisão junto às diferentes classes, cai há dois anos.
— A crise se instalou no mercado de trabalho e no bolso do brasileiro no fim de 2014. No primeiro ano, a queda de renda puxou a piora do bem-estar, pois a desigualdade ficou estável. Já a partir de 2016, a perda se dá nas duas pontas: o bolo de renda cai e atinge mais fortemente os pobres — explica Neri.
Mas há uma boa notícia, ressalta o economista da FGV Social. Apesar do aumento forte da desigualdade em todos os trimestres de 2016, a queda na renda média real vem desacelerando. Nas contas de Neri, no último trimestre do ano passado, a renda média registrou, em relação ao mesmo período de 2015, a oitava queda seguida. No entanto, a variação do recuo já havia caído pela metade em relação ao segundo trimestre de 2016. Enquanto no período de abril a junho, a renda encolheu 6%, em relação aos mesmos três meses de 2015, no quarto trimestre de 2016, a queda foi de 2,8%.
— A queda da renda está perdendo força. Ainda não está no azul, mas está convergindo para uma estabilidade, ainda este ano, porque a inflação está desacelerando — completa Neri.
Fonte:O globo