A população brasileira tem 51% de mulheres e 54% de negros, mas os homens brancos dirigiram 75,4% dos longas-metragens nacionais lançados comercialmente em 2016, um total de 142 filmes. Na outra ponta da tabela, as mulheres negras não assinaram a direção, o roteiro ou a produção executiva de nenhum filme nacional naquele ano.
Os dados foram apresentados hoje (25) pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e fazem parte do estudo Diversidade de Gênero e Raça nos lançamentos brasileiros de 2016.
A pesquisa levantou 1.326 profissionais – atuando na direção, produção e como atores – envolvidos nos 142 longas lançados comercialmente em 2016. No recorte de gênero, 62% eram homens e 38%, mulheres. Já em relação à raça, 71% foram identificados como brancos, 5% como pretos e 3% como pardos, segundo a terminologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nenhum indígena foi contabilizado essas produções, e não foi possível determinar a raça de 21% dos profissionais.
A definição da cor da pele dos profissionais foi feita por dois analistas, que, quando entravam em divergência, submetiam a classificação a uma comissão de sete pessoas.
O estudo concluiu que 75,4% dos diretores desses longas são homens brancos e 19,7%, mulheres brancas. Os homens negros, por outro lado, dirigiram 2,1%, e as mulheres negras não assinaram a direção de nenhum dos 142 filmes.
O roteiro desses filmes também foi escrito principalmente por homens brancos (59,9%), mulheres brancas (16,2%) e parcerias entre homens brancos e mulheres brancas (16,9%). Os homens negros foram roteiristas em 2,1% dos filmes e estiveram em parcerias com homens brancos em 3,5%. Os longas-metragens brasileiros lançados em 2016 também não tiveram nenhuma mulher negra como roteirista, segundo a pesquisa.
Na produção executiva dos filmes, as mulheres brancas (36,9%) ficaram à frente dos homens brancos (26,2%). Parcerias entre mulheres e homens brancos realizaram mais 26,2% dos filmes. Os homens negros permaneceram no percentual de 2,1% nesta função, e as mulheres negras, mais uma vez, foram totalmente excluídas.
Defensora das mulheres negras no Brasil pela ONU Mulheres, a atriz, roteirista e diretora negra Kenia Maria destaca que é preciso abrir espaço para que novas narrativas transformem o imaginário da população sobre o negro no Brasil. “Têm milhares de histórias que não estão sendo contadas. E o mais graves é que, na maioria das vezes, quando elas são contadas, elas são contadas por brancos”, diz ela. “Se a gente respeita a diversidade do Brasil, são mais de 110 milhões de habitantes [negros], e a gente precisa ser ouvido, a gente tem história bonita pra contar”.
Desigualdade nos elencos
A desigualdade racial apontada nas funções de realização no cinema brasileiro continua quando observado o elenco principal dos filmes. Segundo a Ancine, apenas 13,3% do elenco dos 142 filmes eram formados por pretos e pardos.
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De acordo com a pesquisa, 42% dos filmes lançados no Brasil em 2016 não tiveram ator ou atriz negro ou negra no elenco principal, e 33% dos longas foram filmados com apenas 1% a 20% de negros. Somente 9% dos filmes têm ao menos 41% dos papéis principais ocupados por negros, que representam 54% da população do país.
Financiamento público
A cineasta Sabrina Fidalgo acompanhou a apresentação dos dados e pediu a palavra para lembrar que muitos desses filmes recebem recursos públicos, pagos também pela população negra que fica de fora deles.
“Esses filmes são, em sua maioria, financiados pela Ancine com dinheiro público, e, sendo a população negra a maioria no país, a conclusão que se chega é que pessoas negras patrocinam filmes em que elas não são representadas. A população negra é mecenas de filmes de realizadores brancos, filmes excludentes racialmente ou por questões de gênero”.
Segundo a pesquisa, 61,3% dos filmes analisados tiveram recursos de incentivo, sejam eles diretos ou indiretos. Apesar de a presença de mulheres ser maior entre esses filmes, a de negros fica ainda menor.
Os dados mostram que 100% dos filmes incentivados foram dirigidos por brancos e 98% também foram roteirizados por brancos. Entre os filmes não incentivados, 94% dos diretores são brancos, e 93% dos roteiristas também.
A presença de negros na direção dos filmes, segundo a Ancine, aumenta as chances de haver mais atores e atrizes negras em 65,8%. Quando o roteirista é um homem ou uma mulher negra, as chances aumentam em 52,5%.
Corrigindo diferenças
Para o cineasta mineiro Joel Zito, é preciso adotar uma medida semelhante a que foi tomada para reduzir as desigualdades entre os incentivos à produção audiovisual do Sudeste e das outras regiões do país. A agência já trabalha com indutores regionais que determinam a participação de projetos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em editais, respeitando exigências técnicas.
“A Ancine já tem experiência em corrigir desigualdades, e o que estou pleiteando é que essa experiência seja aplicada pra corrigir essa desigualdade de gênero e raça”, argumentou o cineasta, que considera inadmissível o nível de desigualdade entre negros e brancos no cinema brasileiro. “Não se trata de criar políticas para minorias. Se trata de criar políticas para a maioria. A maioria está excluída”.
O secretário do audiovisual do Ministério da Cultura, João Batista Silva, também assistiu à apresentação e reconheceu que “há uma dívida histórica com a população negra, e uma dívida cultural com a questão de gênero”. Ele afirmou que o assunto será discutido na próxima reunião do Conselho Superior de Cinema, em 6 de fevereiro, e que o próximo edital da Secretaria de Audiovisual trará ações nesse sentido já em 7 de fevereiro.
“Estamos finalizando um grande programa de fomento da Secretaria de Audiovisual que será lançado nos próximos dias. Esse programa terá, sim, resposta para essas questões. Terá ali um tratamento bastante significativo e realista para essa questão”, prometeu.
Edição: Davi Oliveira