Uma paciente do Tocantins conquistou na Justiça o direito de receber de forma gratuita a substância fosfoetanolamina sintética, um produto supostamente anticâncer e que foi criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). A mulher, que não teve a identidade revelada, sofre de um câncer na mama direita já em estágio avançado e entrou com uma ação na comarca de Colinas do Tocantins, no norte do estado, após tomar conhecimento do tratamento experimental com a fosfoetanolamina. A decisão foi proferida na última quinta-feira (29).
A fosfoetanolamina começou a ser sintetizada por um pesquisador do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) no final da década de 1980. Distribuída pela USP de São Carlos por causa de decisões judiciais, a fosfoetanolamina, alardeada como cura para diversos tipos de câncer, não passou por testes em humanos necessários para se saber se é mesmo eficaz, e por isso não é considerada um remédio, como destaca a própria universidade. Ela não tem registro na Anvisa e seus efeitos nos pacientes são desconhecidos. Tampouco se sabe qual seria a dosagem adequada para tratamento. Relatos de cura com o uso dessa substância não são cientificamente considerados prova de eficácia, já que não tiveram acompanhamento adequado de pesquisadores.
Na decisão, a juíza Grace Kelly Sampaio, da 1ª Vara Cível da comarca de Colinas do Tocantins, levou em consideração os altos custos dos medicamentos convencionais. “Os tratamentos de câncer custam fortunas aos cofres públicos e aos bolsos dos pacientes portadores de câncer e seus familiares”, afirmou.
A magistrada também falou sobre os lucros das indústrias farmacêuticas e comparou o baixo custo de produção da fosfoetanolamina sintética.
“A indústria da doença, em nível nacional e mundial, é algo aterrador. Quantas doenças crônicas hoje em dia mantêm os altos lucros das indústrias farmacêuticas e a respectiva arrecadação de impostos. […] sessões de quimioterapia para tratar câncer de mama, por exemplo, em 2013, saíam por cerca de R$ 2,5 mil ao mês. […] Já o custo de produção de cada cápsula da fosfoetanolamina é muito baixo, gira em torno de módicos R$ 0,10”.
Segundo a juíza, a situação dos pacientes “ainda é a de um condenado à morte certa e com data estimada”. Para exemplificar a afirmação, ela cita o vocabulário médico, que trata as pessoas que sobrevivem ao tratamento convencional como “pacientes em remissão” e não como “pacientes curados”. Isso porque elas ganham uma sobrevida “estimada em meses ou poucos anos”.
A magistrada considerou que os riscos do tratamento com a fosfoetanolamina sintética podem até compensar, se comparar com os efeitos colaterais “cruéis”, baixa sobrevida e alto custo financeiro dos tratamentos convencionais contra o câncer. Ela ainda autorizou os oficiais de justiça a agirem se necessário e definiu que a decisão deve ser cumprida em caráter “urgentíssimo”.
O G1 tentou contato com os responsáveis pela pesquisa na USP de São Carlos, onde a substância foi desenvolvida, para saber se já foram notificados da decisão, mas até a publicação desta reportagem não conseguiu uma resposta.
Veredicto fundado em compaixão
No documento, a juíza Grace Kelly Sampaio ainda expõe o ponto de vista dela sobre a decisão. “Peço licença para abrir aqui um pequeno parêntese para esclarecer que este veredicto não se funda em paixão, mas em compaixão, pois, graças a Deus, esta magistrada, até hoje, não teve em sua família qualquer caso de câncer. Isto, entretanto, não me impede (e aqui novamente dou graças a Deus!) de compreender e me compadecer pelo sofrimento de pessoas que se encontrem na situação da parte autora desta ação.”
E ela continua: “Sinto-me realizada por, através do exercício deste honroso cargo, poder ajudar o jurisdicionado a obter ao menos um pouco de ESPERANÇA! Não só esperança de cura ou redução das dores cruéis provocadas pelo câncer e perspectiva de uma morte mais digna, mas também esperança por dias melhores neste país, para si e para as próximas gerações. Esperança de que a verdade vencerá a mentira. A honestidade vencerá a corrupção. E a bondade triunfará.”
Fonte: G1