Em depoimento prestado à Polícia Federal (PF) no dia 4 de março no pavilhão de autoridades do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que cobra US$ 200 mil por cada palestra que profere. Lula foi levado de forma coercitiva para prestar este depoimento.
O ex-presidente estava acompanhado dos advogados Roberto Teixeira, Cristiano Zanin e Rodrigo Ferrão e respondeu a perguntas de dois delegados da Polícia Federal e de dois procuradores do Ministério Público Federal.
“(…) A gente fazia discurso primeiro mostrando o que aconteceu no Brasil em oito anos, que era o que todo mundo queria, e depois a gente dizia qual era o futuro do Brasil, o que o Brasil tinha de perspectiva para a frente, e decidimos, decidimos cobrar um valor, todas as minhas palestras custam exatamente 200 mil dólares, nem mais e nem menos”, relata o ex-presidente. O delegado Luciano Lima, presente ao depoimento, quis saber a quem o ex-presidente se referira ao falar “nós decidimos”.
“Eu decidi, eu decidi. Nós pegamos um valor do Bill Clinton [ex-presidente americano] e falamos o seguinte: “Nós fizemos mais do que ele, então nós merecemos pelo menos igual”, e aí passamos a viajar, eu viajei muito em 2011, até porque eu queria sair do Brasil para não ficar atrapalhando a presidente [Dilma Rousseff] que tinha tomado posse, não sei se você sabem que um ex-presidente deixa o cargo ficando no mesmo espaço, depois de 2011, em outubro eu peguei um câncer, aí fiquei paralisado quase em 2012, em 2013 fiz palestras, em 2014 eu parei em março de fazer palestras por causa das eleições, em 2015 eu quase não fiz palestras porque eu queria que primeiro a presidenta apresentasse os grandes programas de futuro para o Brasil”, disse Lula no depoimento.
Sobre as remunerações por palestras, colocadas sob suspeita por delatores da LavaJato, Lula disse que as empresas interessadas em suas palestras procuram o Instituto Lula.
“Entram em contato com o instituto, entram em contato com o diretor do instituto perguntando da minha disposição, se eu estou disposto a fazer palestra”. Frequência de palestras O ex-presidente declarou também ter feito apenas “duas ou três palestras” em 2015, porque “o Brasil está em crise”. Indagado pelo delegado da PF Luciano Lima, Lula disse que no ano passado não havia mais um “portfólio” que se pudesse vender ao mundo, como ocorria com a camada pré-sal do petróleo.
“(…) Em 2013 o pré-sal era um baita de uma coisa nesse país, as construções da ferrovia, das hidrelétricas, das linhas de transmissão, era uma coisa muito pujante, a Copa do Mundo era uma coisa muito pujante. Hoje você não tem, hoje, como o governo ainda não tem um programa denso, ou seja, eu não quero mais viajar só falando do meu governo, porque já faz seis anos que eu deixei o governo, então chega uma hora que não dá mais para você ficar falando o que aconteceu até 2008, 2009, 2010, e não falar do futuro”, disse.
Uma das frentes da investigação sobre Lula, suspeito pela Lava-Jato de corrupção e lavagem de dinheiro com recursos desviados da Petrobras, são as remunerações a título de palestras recebidas por meio da Lils Palestras, empresa constituída pelo ex-presidente para tal finalidade.
O ex-presidente afirmou que em 2011, quando deixou a Presidência da República após dois mandatos, foi o ano em que mais viajou, chegando a viajar mais do que uma vez por semana. O objetivo foi ficar longe da presidente Dilma Rousseff, que assumiu o cargo.
“Foi o ano que eu mais viajei porque eu tinha dois interesses. Primeiro, era me afastar um pouco do Brasil. Eu não queria ficar no Brasil para… Um dia eu vou lhe contar a história do vaso chinês. Um ex-presidente é que nem um vaso chinês. Quando você está na Presidência, você ganha aquele vaso chinês. Tem palácio para você colocar. Quando você sai da Presidência que você vai pra sua casa, o que você faz com aquele vaso? Ele não cabe na tua casa. Então um ex-presidente ele termina ficando incomodando, se quem é eleito é de oposição é bom porque já começa a descer o cacete nele no dia seguinte, mas, se é uma pessoa que você ajudou a eleger, você tem a responsabilidade de ficar quieto e deixar a pessoa governar, é por isso que eu viajei muito”.
No depoimento, Lula disse ainda ter feito muitas palestras também em 2013. Ele explicou que, nas viagens ao exterior, era remunerado pela palestra. “E fazia reunião com o movimento sindical onde tinha, fazia palestra para discutir o programa Fome Zero com as pessoas que cuidam de políticas sociais”, afirmou.
Ao ser abordada a questão da remuneração dos seguranças em viagens (ex-presidente tem direito à segurança providenciada e custeada pelo Estado), Lula aproveitou para dizer ao delegado que as diárias a funcionários públicos federais “melhoraram” depois de seu governo. “Eu acho que continua pequena ainda, pequena, mas melhorou um pouco, era bem pior, você não tem noção do que era isso.”
O delegado Luciano Lima rebateu: “Eu tenho, eu viajei muito ganhando R$ 59,60 de diária, eu viajei para fazer combate ao crime organizado, contra tráfico de drogas na fronteira, crime organizado, tive que ficar seis meses ganhando R$ 59,60, isso…” “Mas a partir do meu governo melhorou”, replicou Lula. “Isso em 2006”, disse o delegado.
Investigação é “sacanagem”
Lula afirmou considerar uma “sacanagem homérica” a investigação que apura irregularidades no tríplex do condomínio Solaris, no Guarujá (SP). O ex-presidente chamou o imóvel, de 215 metros quadrados, de “Minha Casa Minha Vida”, por considerá-lo pequeno e com escadas em excesso.
O ex-presidente afirmou ter dito ao ex-presidente e sócio da OAS, Leo Pinheiro, que não ficaria com o apartamento. A empreiteira assumiu a construção do empreendimento depois da falência da incorporadora original, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop).
“Quando eu fui a primeira vez [ao tríplex], eu disse ao Leo que o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um tríplex de 215 metros é um tríplex ‘Minha Casa Minha Vida’’.
A transcrição do depoimento mostra que Lula se irritou algumas vezes. Em certo momento, o ex-presidente disse ao delegado que ele “deveria estar entrevistando o Ministério Público, trazer o [promotor de Justiça estadual Cássio] Conserino aqui e fazer pergunta para ele, para ele dizer que é meu, para ele dizer que o apartamento é meu, para ele dizer que eu paguei o apartamento, ele que tem que dizer, não eu”. Conserino conduz investigação que apura o beneficiário do tríplex reformado no Guarujá pela OAS. Ele e outros dois promotores denunciaram Lula na semana passada por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica e pediram a prisão preventiva do ex-mandatário.
Lula disse ao delegado “que o [Conserino] cidadão conta uma mentira e eu sou obrigado a ficar respondendo a mentira dele”.
O delegado rebateu: “Mas se o senhor não responder, quem vai responder?”.
O expresidente, então, aproveitou para criticar a imprensa: “Um cidadão que é membro do Ministério Público, que fica a serviço da Globo, do Jornal Globo, da Revista Veja, fazendo insinuações e eu tenho que responder? Ele que diga, ele que prove, no dia que ele provar que o apartamento é meu alguém vai me dar o apartamento, ou o Ministério Público vai me comprar o apartamento ou a Globo me compra o apartamento, ou a Veja me compra o apartamento, ou sei lá quem vai me comprar o apartamento, o que não é possível é que a gente trabalhe tanto para criar uma instituição forte nesse país e dentro dessas instituições pessoas que não merecem estar nessa instituição estejam a serviço de degradar a imagem de pessoas, não sou eu que tenho que provar que o apartamento é meu, ele é que vai ter que provar que é meu, ele vai ter, eu espero que ele tenha dinheiro para depois pagar e me dar o apartamento, eu já estou de saco cheio disso, essa é a verdade, estão gravando aqui para ficar registrado. Eu estou de saco cheio de ficar respondendo bobagens”.
Em seguida, Lula se refere ao promotor Conserino como “moleque”.
“(…) instituições fortes pressupõem pessoas sérias, não pode ter moleque, não pode ter moleque, tem que ter gente séria. Antes de eu levar o nome de alguém à dúvida, eu tenho que ter prova, uma instituição séria não pode estar a serviço do, como é que eu vejo hoje, como é que eu vejo hoje, qualquer coisinha vaza, qualquer coisinha, faz 7 anos que esse Brasil vive assim, na quinta¬feira alguém da operação Lava Jato vaza uma matéria para a Folha de São Paulo, vaza uma matéria para O Estadão, vaza uma matéria para a Veja, vaza para a Época, aí trabalhar sábado e domingo, eu estou de saco cheio disso”.
Em seguida, o delegado chama a atenção para os advogados que acompanharam Lula no depoimento, Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, sobre uma matéria veiculada no Jornal Nacional da Rede Globo, e sugere que os vazamentos criticados por Lula não são responsabilidade da PF.
“Doutor, o senhor viu que na semana passada teve uma fase envolvendo o João Santana, o senhor viu quem vazou? Ficou o documento, o interrogatório foi para o Jornal Nacional, não foi? (…) O senhor viu que estava escrito assim ‘Cópia ao advogado’? Talvez o senhor não tenha percebido, mas está lá”.
Reportagem: Valor