O telefone tocou, atendi e um choro do outro lado da linha me preocupou.
Aos poucos uma voz começou a falar baixinho e entre soluços, dizendo: “Ela morreu! Morreu! Achei que estava dormindo, mas depois de um tempo estranhei e quando fui ver estava morta. Morreu dormindo…”, me contou em prantos a senhora sobre sua cadelinha de 17 anos.
Cadelinha esta que estava velinha, mal andava, já não enxergava nada, nem mesmo seu olfato funcionava. Há alguns anos vinha dando bastante trabalho com sua saúde frágil, sem contar que quando nova também não tinha sido fácil. Mordeu muita gente, latia incontrolavelmente gerando muita reclamação em algumas épocas. Esta senhora viveu um período de muita tristeza, pouca fala e nostalgia nas semanas que seguiram o episódio.
O sentimento não está no que ou quem se perdeu, mas sim no quanto aquela relação tinha significado para quem está sentindo
Uma outra cena aconteceu com duas crianças que receberam a ligação triste do veterinário de seu coelho de dois aninhos dizendo que infelizmente nada mais podia fazer.
Aqueles choros doídos e inconsoláveis partiam o coração de qualquer um que ouvia as crianças. Perguntavam por que isso havia acontecido? Por que Deus não salvou o ?irmãozinho? delas? Por que ele nasceu doentinho? Mas talvez a pergunta mais difícil fora: Por que nosso coração dói tanto? Uma delas dizia não quero mais falar sobre isso, pois fico sem ar. E a outra completava a tristeza, quando falava acho que não vou conseguir mais sorrir.
Essas crianças pediram para não mais ter bichinho algum, até o coração sarar. Levaram cerca de três meses para voltar a pensar em ter outro e mesmo quase um ano após o episódio choram e se emocionam quando lembram dele.
Recentemente uma personalidade famosa e envolvida com causas defensoras de animais, postou em uma rede social sua angustia e tristeza quando sua cadelinha de tantos anos também não resistiu.
Seus relatos deixavam claro o quanto tentou e tentou salvar ou prolongar a vida daquele bichinho, mas a finitude, certa a todos os seres vivos, se impôs.
Recebeu muito apoio de seus seguidores, palavras de conforto, orações e muitas trocas ou desabafos de pessoas que também relatavam a tristeza de terem perdido seus bichinhos de estimação naqueles dias, ou mesmo já há algum tempo, e se identificaram com aquela tristeza.
Existe luto por um animal de estimação?
Essas três historias de pessoas com idades e histórias tão diferentes deixam claro a tristeza que muitas pessoas vivem quando perdem seus bichinhos e isso não deve ser novidade.
Mas essas historias também relatam que as pessoas não só ficam tristes quando seus pets morrem, como também podem entrar em um processo de luto.
Mas talvez haja quem pergunte: existe luto para quem perde um bichinho de estimação? Isso não seria exagero de pessoas que confundem ou tratam seus bichinhos como gente? Sei que muitas pessoas ainda pensam assim ou mesmo confundem a ideia de luto achando que é exclusividade para perdas e mortes de seres humanos. Já ouvi algumas vezes, inclusive de pessoas muito cultas, que eles não entendiam “esse drama” e que se sentiam evoluídos pelo fato de não sofrerem com as perdas de seus bichinhos, pois sempre souberam que eram só bichinhos.
Sim, é verdade que existem historias talvez exageradas de relações entre os bichinhos e seus donos, mas não é deste caso que estamos falando aqui hoje. Desta vez, venho ajudar esclarecer ou estimular pensamentos sobre o luto.
Entendendo o luto
Quando impedimos alguém de chorar, de sentir, de questionar a vida e a morte, atrapalhamos seu processo de elaboração para que possa um dia seguir adiante com mais leveza
O luto é uma reação sentimental, emocional e psicológica que acontece em resposta a uma perda que seja significativa. Isto é, independe o que ou quem foi perdido, podendo ser uma pessoa, um lugar, um objeto e um bichinho de estimação.
O ponto principal para considerarmos é que o sentimento não está no que ou quem se perdeu, mas sim no quanto aquela relação tinha significado para quem está sentindo. O luto existe como espaço de sentimento para elaborar as perdas importantes em nossas vidas e precisa ser vivido para que se possa ter uma vida mais saudável e equilibrada emocionalmente.
Vivemos nosso dia a dia e, ao longo dos anos de vida, muitas perdas, muitos términos e assim podemos ir aprendendo e experimentando nossa relação com a ideia da finitude. Porém, a maioria destas experiências não possuem grande importância emocional, podem até nos entristecer, mas tendem a ser mais facilmente superadas, esquecidas ou trocadas, pois não havia vinculo afetivo. Já, quando há uma relação com significância emocional, ou seja, que represente e motive sentimentos e vivencias relevantes, é ai que mora o luto. Se algo ou alguém possui uma importância em sua vida, se representa uma identificação, se gera uma emoção, ou mesmo sugere a ideia de completude são estas relações que provocam o luto.
Logo essas pessoas citadas no inicio, apesar de tão diferentes, possuem em comum suas relações com seus bichinhos que representavam em suas vidas vinculo, afeto, troca, carinho, cuidado, conquista, parceria, superação, alegria… E assim como tantas outras pessoas com suas historias tristes de perdas de seus bichinhos merecem ser compreendidas e acolhidas em seus processos de lutos.
Pois não choram ou sentem apenas por um bichinho, mas pelo bichinho! Pelo ser que ele representava em suas vidas e permitia que elas sentissem e vivessem emoções, as vezes perdidas ou esquecidas ou mesmo nunca sentidas ou percebidas pela própria pessoa. Esses bichinhos se tornam, por vezes, uma chance de vivenciar experiências e aprender mais sobre a própria existência.
O que fazer?
Vale pensar que amores não são substituídos, são guardados e sentidos. Em algum momento a dor da perda vira lembrança dolorida e acha um lugar na memória para ficar, se tornando saudade
E como todo processo de luto, não há dicas ou técnicas do que ou como fazer. Normalmente tudo que se tenta fazer pelo luto é nega-lo ou não sofre-lo. Quase sempre ouvimos: “não chore, não fique assim”. Ou, no caso dos pets, é pior ainda: “vou te dar outro, um mais bonito!”. E é aí que mora a grande angustia. Quando impedimos alguém de chorar, de sentir, de questionar a vida e a morte, atrapalhamos seu processo de elaboração para que possa um dia seguir adiante com mais leveza. Propomos negar, fantasiar ou substituir aquele amor perdido (no concreto) por outra coisa, como se pudéssemos encontrar amores a cada esquina?!
Jamais digo a alguém o que fazer, pois minha base psicanalítica entende que conselhos são intromissões nas verdades dos outros.
Mas, neste caso, se há algo que posso dizer sobre o luto é para deixar a pessoa chorar e sentir a perda.
Se você conhece quem passa por isso, acolha e se mostre disponível, mas não interfira com suas verdades. Se você está passando por isso, sugiro que busque aconchego em alguém ou num lugar, para chorar e se sentir abraçado, até sua dor aliviar. Alguns rituais ou hábitos religiosos, parecem ajudar neste alivio, então porque não? Mas vale ressaltar que se deve tomar cuidados com rituais muito intensos ou contínuos que impedem o seguir adiante e ficam lamentando em cima da perda sem ajudar de fato a lidar.
O tempo de cada luto e sua intensidade é muito particular, vai depender de cada historia, sua importância e significado na relação e só merece atenção se estiver impedindo o viver ou atrapalhando novas construções. Nestes casos o melhor é buscar ajuda de um profissional.
Vale pensar que amores não são substituídos, são guardados e sentidos. Em algum momento a dor da perda vira lembrança dolorida e acha um lugar na memória para ficar, se tornando saudade. E saudade só existe daquilo que nos fez bem, pode ser triste as vezes, mas nos faz lembrar que sorrimos em algum momento da vida e que valeu a pena aquele momento.
Winnicott, um psicanalista disse uma vez, algo aproximadamente assim: A morte não é a maior tristeza ou angustia da vida, mas sim o morrer sem ter vivido!
Fonte: Minhavida.com.br