O artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que o motorista que deixa o local de um acidente de trânsito “para fugir à responsabilidade penal ou civil” comete crime.
O texto estabelece que a pena pode variar de seis meses a um ano de detenção. Entretando, motoristas fujões vêm conseguindo anular nos tribunais condenações de primeira instância. Alega-se que a lei é inconstitucional, já que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Uma encrenca nascida no Rio Grande do Sul chegou a Brasília. E o Supremo Tribunal Federal decidiu julgar a constitucionalidade do dispositivo legal, colocando um ponto final na controvérsia.
O STF reconheceu que o tema, por relevante, precisa ser tratado sob as regras da “repercussão geral”. Significa dizer que a decisão do plenário da Corte terá de ser seguida pelas instâncias inferiores do Judiciário no julgamento de processos idênticos. Relator do caso, o ministro Luiz Fux sustenta que ele “transcende o interesse das partes envolvidas, sendo relevante do ponto de vista social e jurídico”. Daí a necessidade “de traçar os limites dos direitos constitucionais ao silêncio e ao de não produzir prova contra si.”
O caso que será julgado pelo plenário do Supremo envolve um motorista que trombou com outro veículo e fugiu do local do acidente. Amargou na primeira instância uma condenação a oito meses de prisão, convertida em pena de restrição de dirietos. Inconformado, recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Foi absolvido sob o argumento de que o artigo 305 do Código de Trânsito é inconstitucional. Prevaleceu o entendimento segundo o qual a presença do motorista representaria uma autoincriminação, violando o direito de não produzir provas que possam ser usadas contra ele. Os desembargadores realçaram na decisão que, no caso específico, a fuga não resultou em omissão de socorro.
Coube ao Ministério Público gaúcho recorrer ao Supremo. O recurso sustenta que o Código de Trânsito não fere a Constituição, porque a permanência do motorista no local do acidente não tem o peso de uma confissão ou admissão de culpa. Basta que a pessoa se recuse a falar para que seu direito ao silêncio, previsto no artigo 5º da Constituição, permaneça incólume. Segundo Luiz Fux, o tribunal gaúcho não foi o único a considerar inconstitucional o artigo do Código de Trânsito. Decidiram na mesma linha os tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais, além do Tribunal Regional Federal 4ª Região.
Em março de 2015, o procurador-geral da República Rodrigo Janot já havia protocolado no STF uma ação pedindo que fosse confirmada a legalidade do Código de Trânsito. Valeu-se de uma ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade). Nela, Janot já citava os mesmos tribunais enumerados por Fux. Acrescentara à lista o Tribunal de Justiça de Santa Catarina. “Ao contrário do que decidiram os aludidos órgãos jurisdicionais, o artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro não incorre em violação a quaisquer princípios constitucionais”, anotou Janot.
Para o chefe do Ministério Público Federal, a fuga deve ser criminalizada quando for constatada a intenção do motorista de se esquivar de processos por atropelamento ou morte, por exemplo.
O mesmo raciocínio se aplica quando ficar provado que o fujão quis evitar ser responsabilizado civilmente pelo pagamento do conserto de veículos de terceiros ou de indenizações. A ação de Janot foi à mesa do ministro Marco Aurélio Mello, que não chegou a deliberar sobre o caso.
Na sua petição, Janot esgrime argumentos semelhantes aos que foram utilizados no recurso do Ministério Público gaúcho. Argumenta que, se preferir, o motorista pode permanecer em silêncio. “Ao ser obrigado a permanecer no local do acidente, o motorista, mesmo sendo eventualmente o responsável pelo ocorrido, poderá, tranquilamente, sem ser preso, ou independentemente de qualquer sanção, calar-se ou se negar a assumir eventual responsabilidade civil ou penal”, escreveu Janot.
Na visão do procurador-geral, o objetivo da lei é esclarecer os fatos. “O artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, ao impedir a fuga dos condutores quando houver acidente de trânsito, objetiva impor aos condutores a obrigação de contribuírem com as autoridades competentes no exercício de suas atribuições, favorecendo, em última análise, a própria segurança do trânsito.”
Fonte:Uol