Gerivaldo Neiva, Juiz de Direito (Ba)
Sexo e drogas fazem muita falta nos presídios e este fato causa muitos problemas à administração penitenciária e aos detentos. Em muitos casos, por exemplo, a visita íntima é feita na própria cela. Para tanto, os demais presos são solidários e vão todos para o corredor enquanto um deles recebe a visita íntima por trás de lençóis improvisados como cortinas. Quando se permite o uso na cela, o rádio ou aparelho de som é ligado em alto volume para sufocar os gemidos dos casais e alertar aos demais que a cela está em uso. Quem não tem companheira para lhe visitar se contenta em ser solidário e depois se masturbar solitariamente. [2]
Como são muitos os presos sem visita íntima, a ansiedade causada pela falta de sexo é algo que dificulta e compromete as relações no presídio. Não vi muitos casos de homossexualidade em presídios masculinos, mas em presídios femininos é mais frequente.
Privar os detentos do sexo talvez seja pior do que privá-los da liberdade. Ora, são dezenas de homens espremidos em uma cela, dormindo em condições precárias, sem qualquer possibilidade de um momento de privacidade, e sem a possibilidade de desfrutar o prazer do sexo. Evidente que a abstinência sexual não é uma pena acessória. Em nenhuma lei está escrito que o condenado, ou preso provisório, deve se abster, mesmo compulsoriamente, da prática do sexo. Ao contrário, a visita íntima lhe é assegurada como direito. Portanto, é grande equívoco ou pura maldade dos diretores dificultar a prática do sexo dentro dos presídios. A abstinência sexual, ao lado da privação da liberdade e outros horrores da prisão, termina contribuindo decisivamente para a transformação de presos em monstros sem condição alguma de recuperação.
Maconha e outras drogas em presídios são trazidas por algum familiar, comprada de outro detento ou mesmo permitida a entrada. Drogas custam caro nos presídios e não é tão fácil conseguir, principalmente quando a revista é rigorosa. Muitas mulheres são presas em flagrante na revista com preservativos inseridos em suas vaginas ou ânus com as mais diversas drogas. A proibição da visita vexatória é questionada por alguns diretores de presídios, mas também muitos diretores e agentes sabem que a presença de drogas e a possibilidade de sexo com alguma frequência, torna o presídio mais tranquilo e fácil de administrar. Não vi muitos casos de álcool nas celas. Além de ser mais difícil de entrar, também é difícil destilar álcool nos presídios, mas já vi casos de recipientes enterrados com restos de frutas e verduras para que fermentassem e produzissem álcool.
Ora, o uso de drogas, lícitas ou tornada ilícitas, é tão normal por pessoas que cometem crime quanto sua própria existência, seja que tipo de crime for. Muitos, aliás, são praticados por causa das drogas ou por pessoas sob efeito de drogas. Evidente, portanto, que a abstinência do uso de drogas na prisão não vai “curar” a dependência química do condenado e, ao contrário, vai piorar gravemente sua convivência com os demais detentos e tornar insuportável sua própria existência. Não passa de uma grande hipocrisia, portanto, imaginar que um detento não sinta uma enorme fissura por drogas e que a abstinência vai lhe curar.
Em certo presídio que inspecionei, não sei se coincidência ou não, no exato momento da inspeção, os agentes penitenciários autorizaram que os “celas livres” dessem um “baculejo” nas celas dos detentos que estavam em banho de sol. Foram apreendidos alguns celulares e muita maconha. Ao tomarem conhecimento do “baculejo”, os detentos se revoltaram e se desesperaram na quadra em que tomavam o banho de sol. Gritavam e batiam desesperadamente nas grades. Se um “cela livre” caísse naquela quadra, seria brutalmente assassinado. Sabendo de nossa presença no presídio, os detentos pediram nossa presença e fui conversar com eles. A revolta era muito grande. Disseram que o problema maior é que os “celas livres”, além de celulares e maconha, levavam para si outros pertences seus, inclusive comida trazida por familiares.
Em todos os presídios que visitei, exceto o federal de segurança máxima de Porto Velho, a figura do preso “cela livre” é uma constante. Tratam-se de presos com muitos anos de pena e que se acomodam na prisão, pois sem a menor expectativa de outra forma de viver. O “cela livre” é uma espécie de ajudante geral do presídio e também de alcaguete. É ele que serve as refeições dos demais presos, faz a limpeza das galerias e, quando tem alguma experiência, faz reparos elétricos e hidráulicos. Normalmente, os detentos convivem bem com o “cela livre”, mas o problema é quando o “cela livre” é utilizado pelos agentes penitenciários para tarefas que os colocam em conflito com os demais detentos do mesmo presídio.
Outra relação complexa é dos presos comuns com os presos da “cela dos irmãos”. Nesta cela ficam os presos convertidos à alguma religião, separados dos demais presos e com alguma regalia. Em alguns presídios, os irmãos têm o respeito dos demais presos, mas em outros são tratados com desconfiança, pois os presos sabem que se converteram apenas para terem regalias e ou para não se filiarem a alguma facção do presídio. Enfim, religião em presídio é algo muito questionável com relação à veracidade do compromisso dos convertidos e a utilização dessa condição para obter privilégios dos agentes penitenciários e diretor do presídio.
Na verdade, no presídio não existem inocentes. De certa forma, todos são culpados de algum crime. Talvez nem seja culpado pelo crime ao qual foi condenado, mas reconhece que já praticou outros crimes e que sua prisão é justa. Os únicos presos de me disseram ser inocentes foi o pessoal das milícias do Rio de Janeiro e o Tenente Coronel Cláudio Luiz Oliveira, acusado de ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli, presos no presídio federal de segurança máxima de Porto Velho [3]. Na verdade, os detentos reclamam muito das condições de cumprimento da pena. Dizem algo como: “Cometi um crime, fui condenado e estou cumprindo minha pena, mas quero cumprir essa pena com dignidade e com o direito de não ser torturado e humilhado por agentes penitenciários, tendo o direito à saúde, um defensor e oportunidade de estudar e trabalhar”.
O que se indaga, finalmente, é para que serve essa pena privativa de liberdade cumprida nessas condições?
Ora, se é certo que o sistema prisional não recupera os detentos, que não oferece as mínimas condições de dignidade, saúde, trabalho e educação, por que continuamos a condenar pessoas e encaminhá-las para cumprimento de pena nesse sistema? Alguns podem responder, com simplicidade e conveniência, que assim o é porque não temos ainda outra alternativa. Não percebem, porém, que esse argumento significa exatamente a cumplicidade e covardia que permitem a continuidade de um sistema que promove, ao contrário do que a ingênua opinião pública acredita, mais violência e mais criminalidade.
[1] Anotações genéricas, sem sistematização ou cientificidade (pela falta de pesquisa mais abrangente) que fiz em inspeções a presídios de Rondônia e Amapá quando fui conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de julho de 2015 até quando os golpistas assaltaram o Ministério da Justiça.
[2] Uma mulher companheira de um detento me disse que não tem problemas com o companheiro, pois tem certeza absoluta da sua fidelidade e também por fazer sexo apenas quando tem vontade.
[3] Outro dia vou escrever sobre minha conversa com o Tenente Coronel Cláudio Luiz Oliveira e com Luiz Fernando da Costa (Fernandinho Beira-Mar).
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