Com a expansão do ecossistema de startups no Brasil, os serviços e produtos comercializados no modelo B2C de negócio é um dos mais utilizados, mas você que está pensando em empreender, está criando uma startup ou já está no mercado, conhece os direitos daqueles consumidores que pretende conquistar?
B2C (“Business to Consumer” ou “Empresa para o Consumidor”) define aquele modelo de negócio onde a empresa vende ou presta serviço diretamente ao consumidor final independentemente se por e-commerce, marketplace ou fisicamente. Imaginando o cenário atual do ecossistema, os serviços ou produtos oferecidos em lojas físicas representam uma parte bem pequena das startups.
Desta forma, como o relacionamento da empresa é diretamente com o consumidor, o empreendedor precisa estar ciente dos direitos básicos destes consumidores, bem como das principais implicações que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) pode causar na sua empresa, ou na forma de vender ou prestar seus serviços.
A legislação consumerista parte do pressuposto de que o consumidor se encontra em permanente vulnerabilidade diante da empresa, assim o CDC elenca no artigo 39 uma lista exemplificativa (outras práticas podem estar em outros artigos do CDC ou em outras legislações) de práticas que são consideradas abusivas e devem ser observadas pelas empresas. Assim, baseado no que dispõe o CDC este artigo irá comentar e mostrar as implicações práticas ao negócio do empreendedor.
I – Condicionamento do fornecimento de produto ou de serviço (art. 39, I);
Trata-se da prática mais cometida no mercado brasileiro e é popularmente conhecida como “venda casada” e os exemplos mais comuns são bancos que vinculam a oferta de cartão de crédito à contratação de seguros, ou os cinemas que obrigam os consumidores a consumirem produtos vendidos em suas próprias dependências.
O CDC não proíbe o fornecedor de oferecer promoções e vantagens aos clientes que queiram adquirir mais de um produto, o que é vedado é o condicionamento da venda de um produto a outro ou a exigência de que se adquira uma quantidade mínima de determinado produto, sendo permitido apenas, com justa causa, a limitação máxima de quantidade de produtos, como por exemplo, no caso de estoques limitados.
As implicações para o empreendimento que usa de tal prática podem ser graves. Além da consideração pelo Superior Tribunal de Justiça como dano moral “in re ipsa” (onde o consumidor não precisa provar o dano, mas somente a ocorrência do fato), segundo o CDC tal prática pode acarretar detenção de dois a cinco anos e multa.
É importante ter em mente que tais disposições devem ser interpretadas também com uma visão econômica, para não amparar caprichos injustificáveis do consumidor
II – Recusa de atendimento às demandas dos consumidores (art. 39, II);
Prática muito comum nos táxis brasileiros quando se recusam a realizar uma corrida por ser a viagem uma distância muito pequena. O fornecedor não pode se recusar a atender uma demanda do consumidor sem justa causa, incluindo ainda qualquer tipo de discriminação.
Ou seja, a empresa não pode oferecer ao mercado de consumo produtos ou serviços arbitrariamente escolhendo quais consumidores podem comprar, vendendo a este e não àquele. Como por exemplo, um hotel que mesmo havendo vagas, recusa um hóspede, excluindo do caso causas justas, como por exemplo forma de pagamento (estabelecimento não aceita cheque), ou outras regras do estabelecimento que sejam razoáveis.
Outro exemplo muito comum são as empresas que fornecem serviços apenas às mulheres, ou a pessoas de uma determinada localidade. Essas empresas não podem se negar a prestar o serviço a outras pessoas desde que disponíveis e possíveis.
Caso a empresa pratique este tipo de atitude no mercado, ela estará sujeita a indenizações por dano moral dentre outras penalidades previstas na legislação e jurisprudência.
III- Fornecimento de produtos ou serviços não solicitados (art. 39, III);
Qualquer serviço ou produto, para ser prestado ou enviado ao consumidor devem ser solicitados previamente, o CDC determina que esses produtos ou serviços se não solicitados são considerados amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.
O STJ entende que o envio de cartão de crédito, ainda que bloqueado, sem o pedido prévio e expresso do consumidor, caracteriza prática comercial abusiva e autoriza indenização por danos morais e ainda multa administrativa, tema que se tornou a súmula 532.
Desta forma o empreendedor precisa tomar cuidado com estratégias de captação de clientes, evitando enviar produtos ou prestar serviços sem a prévia solicitação do consumidor.
IV- Aproveitamento da fraqueza ou ignorância específica do consumidor (art. 39, IV);
Trata-se de princípio básico do CDC, essa norma se preocupa com as circunstâncias da contratação, evitando que o fornecedor se utilize de uma falta de conhecimento, idade avançada ou problemas de saúde para levar qualquer tipo de vantagem do consumidor.
Como por exemplo, um mecânico que utiliza da falta de conhecimento de um consumidor para cobrar um valor exorbitante para um conserto, ou o banco que utiliza taxas exorbitantes para o empréstimo a um idoso.
Tal prática pode resultar na devolução em dobro do valor pago pelo consumidor e ainda indenização por danos morais.
V- Exigência de vantagens excessivas (art.39, V);
Presente também no art. 51 do CDC, essa norma evita o desequilíbrio em uma contratação, o empreendedor precisa ter em mente que qualquer cláusula, ou acordo onde o consumidor está em excessiva desvantagem não será válido.
O consumidor pode se sentir lesado pela simples exigência da vantagem, sem sequer um ato concreto, podendo causar a nulidade da cláusula ou contrato e ainda possíveis indenizações de cunho moral.
VI- Execução de serviços sem orçamento prévio (art. 39, VI);
Imaginemos a seguinte situação: o cliente deixa seu carro em uma assistência para orçamento e quando volta para buscar este se encontra com os serviços já executados, com a troca de inúmeras peças. Neste caso, o consumidor não terá o dever de pagar pelo serviço, sendo caracterizado como amostra grátis, podendo ainda exigir o retorno ao estado anterior, se for possível.
A única exceção a esta determinação é no caso de as partes já terem o hábito de realização de serviços entre si sem orçamentos prévios. Nos demais casos o fornecedor só poderá cobrar os valores previamente autorizados pelo consumidor.
VII- Repasse de informações depreciativas relativas a consumidores (art. 39, VII);
Essa seria a hipótese em que o fornecedor comunica a outros estabelecimentos ou ao público em geral atitudes de comportamentos negativos do consumidor, ferindo sua imagem ou honra. Tal tipo de informação não se confunde com banco de dados e cadastro de consumidores.
Um exemplo prático é a existência de algum tipo de “lista negra” de clientes entre fornecedores de determinado ramo.
Tal prática é proibida e pode ocasionar na condenação dos envolvidos em danos morais e eventualmente em danos materiais.
VIII- Produtos ou Serviços em desacordo com as normas técnicas (art.39, VIII);
Empreendedores com protótipos, receitas, ou qualquer outro tipo de produto que dependa de normalização devem ficar atentos, pois colocar o produto no mercado antes de normalizado pode gerar consequências graves.
Tal prática pode gerar dano moral coletivo, sendo agravado caso cause algum dano físico aos consumidores. De qualquer modo, a simples disponibilização de produto não normalizado no mercado é uma prática abusiva sujeita a sanções administrativas e indenizações aos consumidores.
IX- Recusa de venda direta mediante pronto pagamento (art. 39, IX);
Essa prática se assemelha bastante com o disposto item II, tem-se dois sentidos nessa norma: o primeiro que diz respeito a ser obrigatório apenas o aceite do pagamento em dinheiro pelo fornecedor, porém a recusa de qualquer outro meio de pagamento deve ser clara e explícita ao consumidor; o segundo diz respeito à impossibilidade do fornecedor se recusar a oferecer um produto ou serviço a um consumidor que tenha o pronto pagamento pelo produto ou serviço.
Algumas das práticas vedadas são: a exigência de prazo de abertura da conta para aceite de cheques, limite de valor para compras no cartão e seleção de perfil específico para a venda.
X- Elevação de preço sem justa causa (art. 39, X);
Esse dispositivo busca evitar o aumento excessivo do preço de um produto sem justificativa. Vale alertar que para alguns setores específicos tais como seguros, planos de saúde e educação, existem regras específicas que regulam o aumento das mensalidades, quanto aos demais produtos ou serviços o aumento deve ser proporcional e não exorbitante.
O dispositivo veda também o aumento do preço em relação a qualquer tipo de discriminação, exceto aqueles regulados e permitidos em alguns contratos, como nos planos de saúde de idosos.
XI- Ausência de prazo para cumprimento da obrigação pela empresa (art.39, XII)
Esse dispositivo preza pelo equilíbrio da contratação, tendo em vista que caso a empresa não tenha qualquer prazo para cumprimento da sua obrigação o consumidor, por sua vez, não terá garantia da entrega do produto ou serviço.
Tal prática pode ensejar dano material e patrimonial para o consumidor, além de eventuais danos morais, devendo sempre no contrato constar prazos para a entrega dos serviços ou produtos.
XII- Tabelamento de preços (art.39, XII)
Norma que garante ao consumidor a restituição da quantia paga em excesso ou no caso de desfazimento do negócio, vedando que serviços sujeitos a regime de controle ou tabelamento de preços sejam cobrados em valores a maior.
No caso de desfazimento de negócio o dispositivo garante uma devolução proporcional e atualizada dos valores do contrato.
XIII- Reajuste diverso do previsto em lei ou contrato (art.39, XIII);
O dispositivo é autoexplicativo, o CDC veda a aplicação de qualquer reajuste que não esteja previsto em lei ou no contrato.
Ante todo o exposto, fica claro que o empreendedor precisa estar atento aos direitos do seu consumidor nos serviços B2C, afinal qualquer demanda judicial poderá facilmente acabar com um negócio inovador e próspero, lembrando que em alguns casos existem até possibilidade de detenção.
Além de legislações de proteção, fica a ressalva de que o empreendedor deve analisar toda legislação relativa a seu produto ou serviço, devendo preferencialmente buscar a assessoria jurídica de profissional especializado e de confiança.
Robert Emmanuel de Oliveira
OAB/MG 163.307
Advogado sócio no escritório Lage & Oliveira Sociedade de Advogados e pós-graduando em Direito Civil Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.